ZERO HORA - 06 de abril de 2013 | N° 17394
Responsável por liminar que reduziu tarifa na Capital diz que velocidade na apreciação teve influência de protestos nas ruas
Bastaram duas horas para que um juiz paranaense de 42 anos, descendente de japoneses e faixa preta no judô, mudasse a história das tarifas do transporte coletivo de Porto Alegre. Entre as 15h de quinta-feira, quando recebeu a ação pedindo a suspensão do reajuste, movida pelos vereadores Pedro Ruas e Fernanda Melchionna (PSOL), e as 17h, quando concedeu a liminar que forçou a redução de R$ 3,05 para R$ 2,85, Hilbert Maximiliano Akihito Obara firmou a convicção de que havia “fortes indicativos de abusividade no aumento das passagens”, com possibilidade de “danos irreversíveis ao interesse público”.
Transformado em herói dos manifestantes que protestaram no centro da Capital na noite da decisão, o titular da 5ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre assegura que a decisão foi “estritamente técnica”, mas admite que a velocidade na apreciação foi influenciada pelo protesto popular:
– Entendi que havia situação de urgência que demandava uma ação rápida. Sabia que ia ter o protesto, e acho que seria uma forma de amenizar os efeitos. Mas, independentemente de ter sido rápida, é necessário assegurar o contraditório e a ampla defesa.
O que mais pesou para a concessão da liminar foram os resultados da auditoria do Tribunal de Contas, anexados aos autos, que levantaram questionamentos sobre o cálculo da tarifa.
– O trabalho do Tribunal foi suficiente para demonstrar, a meu ver, que estavam presentes essas ilegalidades – explicou o juiz, que não sofre pressão familiar sobre o aumento da tarifa: a filha adolescente, de 13 anos, usuária de ônibus, mora no Paraná, e os outros dois têm um ano e 10 meses e três anos.
Entre os pontos destacados na decisão, está a ausência de licitação no transporte público da Capital, já que as linhas funcionam desde 1989 com base em contratos precários, além da “não contabilização de receitas de publicidade” e “despesas não permitidas sendo contabilizadas”.
– A licitação busca angariar o melhor preço. Se há dispensa de licitação, não há garantias de que se busca a melhor proposta. Outros interesses que talvez não sejam o público podem estar onerando o sistema – argumenta.
Nas próximas semanas, ele espera receber a contestação da prefeitura que deverá embasar o julgamento do mérito da ação, sem data prevista.
Dizendo-se surpreendido pelo tamanho da repercussão da liminar, Obara começou a receber cumprimentos na mesma noite, quando chegou para dar aulas na faculdade de direito da UniRitter. Popular entre os alunos por aliar domínio da matéria com simplicidade e carisma, a ponto de participar de churrascos e contar piadas em festas da turma, o professor, que também dá aulas na Ajuris e na Defensoria Pública, virou motivo de orgulho extra entre os estudantes.
– Ele não é um cara inacessível, distante. Ele se coloca nessa posição de cidadão. Certamente isso deve ter influenciado em uma decisão – elogia a ex-aluna Suzimara Goulart, 33 anos.
Em 2005, uma decisão de Obara anulou o aumento da passagem em Cachoeirinha:
– Minha função é distribuir a Justiça, e quando se consegue é esta a realização profissional.
LETÍCIA DUARTE
Empresas ameaçam não pagar impostos
A redução da tarifa de ônibus em Porto Alegre, por liminar obtida na quinta-feira, atingiu as empresas de transporte em cheio. A Associação de Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP) marcou para a próxima quarta-feira uma coletiva de imprensa para se pronunciar sobre o assunto. Mas acabou por apresentar argumentos ontem. Pela manhã, o presidente da ATP, Ênio Roberto Reis, afirmou que a associação avalia, juridicamente, tomar medidas para reverter a redução da tarifa.
– Analisamos, inclusive, a possibilidade de uma ação indenizatória, já que estamos acumulando prejuízos pelo fato de a passagem estar defasada há muito tempo. No ano passado, quando a passagem deveria ter sido definida em R$ 2,90, foi deixada em R$ 2,85 – ressaltou Reis.
Para o presidente, é possível, inclusive, que haja um boicote das empresas em relação a tributos municipais, a fim de “diminuir os prejuízos com uma tarifa tão abaixo do necessário”. Ele atacou o que chama de “farra das gratuidades”, e lamentou que a redução na tarifa possa interferir no comprometimento da frota.
O secretário municipal da Fazenda, Roberto Bertoncini, alertou que as empresas podem ser punidas, caso não paguem o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), que é de 2,5%. Ele disse que as companhias são obrigadas a recolhê-lo mensalmente, sob pena de multa de 75% sobre o valor devido no caso de não pagamento. E lançou um alerta:
– Está fora de questão negociar o não pagamento.
Ontem, o prefeito José Fortunati disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que aguardará que as empresas entrem na Justiça para contestar a redução no preço da passagem. Ele já havia decidido que a prefeitura não recorreria contra a liminar que baixou a tarifa.
O que Fortunati pretende é explicar à Justiça como foi formada a passagem de R$ 3,05.
Protesto em rede social gera demissão
Causou revolta entre funcionários da empresa Carris a demissão por justa causa de uma cobradora que participou dos protestos contra o aumento da passagem de ônibus. Ontem, Karina Manke Lemos, 30 anos, na empresa há mais de oito anos, recebeu uma carta informando sua demissão por justa causa, baseando-se em duas alíneas do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Segundo a funcionária, que se recusou a assinar o documento, o motivo da demissão seria sua participação ativa nos protestos pela redução da passagem nas redes sociais.
Em sua página no Facebook, Karina costumava compartilhar e comentar postagens contra o aumento para R$ 3,05. E, numa das suas intervenções na rede social, ela teria dirigido críticas ao prefeito José Fortunati. A cobradora afirma que a empresa alega ter recebido uma denúncia contra o seu comportamento pelo Serviço de Atendimento ao Cliente Carris (SACC). Para ela, isso é uma afronta a sua liberdade de expressão.
– Se a gente não pode dizer o que pensa, não deveria nascer com boca para falar nem com dedos para digitar. Nós somos seres pensantes, precisamos dizer o que pensamos – disse.
Karina decidiu acionar o Ministério Público contra a empresa Carris. Ela assume que participou de caminhadas no Centro, diz que encontrou vários colegas de trabalho nas manifestações e critica a qualidade do serviço de transporte público de Porto Alegre.
– Nós sabemos o quanto o serviço é precário, o quanto os ônibus estão defasados. São verdadeiros ferros-velhos rodando por R$ 2,85, agora. Eles (os dirigentes das empresas) não respeitam os passageiros, mas nós respeitamos – diz.
A reação à demissão da funcionária foi forte nas redes sociais. A carta de demissão de Karina está sendo compartilhada e comentada no Facebook, em postagens que condenam a atitude da empresa e a classificam como censura.
Um grupo de funcionários da Carris distribuiu ontem panfletos conclamando os colegas a protestar contra a medida.
Contraponto