REVISTA VEJA, 18/08/2013
Rio de Janeiro
No Rio, vândalos estragam a marcha pacífica
Depois de uma passeata pacífica pela avenida Rio Branco, grupo de radicais atirou morteiros em direção aos policiais e transformou em trincheira o Palácio Tiradentes. Vinte PMs ficaram feridos, sete vítimas deram entrada em hospitais, duas delas feridas por tiros
Rio de Janeiro - Carro incendiado em frente a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro durante protestos na região central da cidade (Sergio Moraes/Reuters)
O desfecho dos protestos da noite desta segunda-feira no Rio mostra que, mesmo os atos pacíficos, repletos de boas intenções e com muitas causas justas, estão sujeitos à perda de controle e ao banditismo dos radicais. Sim, eles estão vivos e prontos para ferir de morte qualquer protesto legítimo sobre tarifas de transporte, gastos com obras públicas, corrupção, o mensalão ou o preço da cerveja. No caso da noite dessa segunda-feira, bastaram algumas dezenas de radicais propositalmente armados com fogos de artifício para uma manifestação tranquila desaguar no caos. O saldo foi de, pelo menos, 20 policiais militares feridos; móveis, paredes, vidros e estátuas do Palácio tiradentes depredados; uma igreja histórica pichada; um carro incendiado; e, a despeito de uma maioria ordeira, a certeza de que há forças nada bem intencionadas rondando as reivindicações dessa massa. Mais de uma dezena de pessoas também deram entrada no Hospital Souza Aguiar, duas delas feridas por arma de fogo.
Por alguns momentos, a população que assistia de casa, pela TV, à lenta e suave propagação do tapete humano pelo mesmo corredor do centro do Rio, testemunhou o que parecia um desfile, um Bola Preta sem música. De fato, por cerca de duas horas, o que se viu foi uma imensa e pacífica manifestação, que depurou os equívocos das outras três edições e mostrou que, tanto pelo lado dos manifestantes como da polícia, houve aprendizado. Alternando coros de “sem violência”, “vem pra rua, vem” e outros ligeiramente mais agressivos, o grupo tratou de expelir, como em São Paulo e outras capitais, os representantes de partidos políticos. Em vários momentos, militantes do PSTU, que tentavam tomar emprestada a grandiosidade do protesto para a pequeneza dos seus objetivos, foram expelidos, vaiados, obrigados a enrolar o pano.
A multidão fez, até pouco antes das 20 horas, os arruaceiros parecerem diluídos. Depois do grande ponto de inflexão do movimento no Rio e em São Paulo, na última quinta-feira, havia uma determinação de governo para a Polícia Militar não errar a mão e encarar o protesto como um ato pacífico; como havia, nas redes sociais, uma reafirmação de que o povo não iria para a rua para criar baderna.
O ponto de virada na história da noite ‘quase perfeita’ coincidiu, curiosamente, com a invasão do Congresso Nacional, em Brasília. Pouco antes das 20 horas, com a multidão já atingindo as imediações da Assembleia Legislativa do Estado do Rio e as calçadas do Paço Imperial, na rua Primeiro de Março, os radicais entraram no estado que, entre os animais, é conhecido como “furor alimentar”. Um certo descontrole, uma ânsia de destruir e atacar, era o que se via em um grupo que, desde o início do protesto, tinha os rostos cobertos e portava mochilas – apesar de não parecerem ter muito para carregar, fosse do trabalho ou da universidade. O que guardavam eram fogos de artifício, inicialmente projetados para o alto, intimidando os policiais. E, em seguida, apontados para os PMs.
Três repórteres do site de VEJA testemunharam a cena de perto. A repórter Pâmela Oliveira registrou, em vídeo, o momento exato em que os rojões são lançados em direção ao um grupo de policiais acuados, na escadaria da Alerj: os policiais inicialmente sequer reagiram. Depois, como nem todos tinham escudos e eram atingidos pelos foguetes e morteiros, tentaram se defender. Mas, rapidamente, uma parte dessa multidão derrubou as barreiras posicionadas em três camadas nas escadarias do Palácio Tiradentes e avançou sobre os homens fardados. O grupo recuou, ficando acuado dentro do prédio. Os vândalos avançaram, lançando mais fogos em direção aos policiais. No momento em que cerca de 30 policiais tentavam se proteger, lançando uma bomba de gás lacrimogênio, sofreu um golpe de azar: o vento contra os policiais empurrou a fumaça irritante contra os próprios PMs, que ficaram ainda mais vulneráveis. Alguns policiais atiraram para o alto – armas de fogo convencionais.
Inicialmente, cinco policiais ficaram feridos. Mais tarde, descobriu-se que o total de vítimas chegava a 20. Por determinação da Secretaria de Segurança Pública e do comando da PM, o Batalhão de Choque, que estava a postos desde o início da manifestação, só foi acionado depois das 23 horas. A estratégia foi adotada para evitar o acirramento dos ânimos, apesar de haver um grupo de policiais em perigo, sob o risco de invasão ao prédio. O conflito foi dado por encerrado às 23 horas e 40 minutos, quando 150 policiais da tropa de choque entraram na Assembleia, com cães, escudos e capacetes, bombas de gás lacrimogênio e armas.
Banditismo – A Secretaria de Segurança do Rio tem pelo menos dois bons caminhos para apurar responsabilidades no episódio. O Palácio Tiradentes tem câmeras voltadas para a área externa e o Tribunal de Justiça, a cerca de 300 metros dali, tem um sistema de monitoramento que permite identificar, em close, os rostos de pessoas que passam pela região.
Os arruaceiros eram minoria, é verdade. Mas demonstraram que seu potencial de causar estragos não é desprezível. Nem é para ser desconsiderada a presença de pessoas que não têm qualquer compromisso com o preço das passagens ou qualquer causa que seja. Quanto eclodiu o tumulto aos pés da escadaria da Alerj, jovens de rosto coberto tentaram roubar bicicletas acorrentadas perto da rua da Assembleia. Baderneiros arrancaram pequenos postes para usar como arma contra os policiais, um monte de pedras e cascalhos de uma obra da prefeitura virou arsenal para atacar os policiais.
A versão carioca da marcha de agora mostrou que um protesto pode ser feito de forma pacífica. Mas também deixou a certeza de que entregar essa responsabilidade a grupos sem líderes definidos – e que sequer conseguem elencar com clareza seus pleitos – pode ser uma temeridade.
(Cecília Ritto, João Marcello Erthal, Leslie Leitão, Pâmela Oliveira e Pollyane Lima e Silva)