EDITORIAL
Neste segundo editorial da série de análises de 2013, a RBS opina a respeito das manifestações de junho e dos seus resultados para o país.
Quem nos representa no Brasil, sejamos nós jovens ou nem tanto, crianças ou idosos? Desde junho último, quando brasileiros começaram a ocupar as ruas, contagiados pela força da juventude, ficou claro que não são mais os políticos tradicionais, ou pelo menos não apenas eles, nem outros clássicos porta-vozes. Mobilizados basicamente pelas redes sociais, com hashtags como #VemPraRua, #OGiganteAcordou e #MudaBrasil, os manifestantes recorreram a contrastantes pedaços de cartolina, rabiscados à mão, para alardear essas mensagens relevantes. Tem tanta coisa errada que não cabe em um cartaz, resumia um dos pôsteres. Por trás da máscara do personagem Guy Fawkes, de V de Vingança, porém, entre as boas intenções dos manifestantes de maneira geral e excessos de grupos como os black blocs, o recado foi dado. O país pode não ter despertado de vez, nem ter se transformado como sonhavam os ativistas, mas já não é o mesmo.
Motivados inicialmente pelo alto custo e a baixa qualidade do transporte público, os protestos deixaram grafados desde o início: “Não é por 20 centavos, é pelo meu futuro”. Em seguida, miraram os investimentos da Copa, com a ressalva: “Não é contra a Seleção, é contra a corrupção”. Em outras mensagens escritas, os manifestantes passaram a exigir “Saúde padrão Fifa”, a ironizar que “Ia ixcrever augu legau mais faltô edukssão”, a pedir segurança com frases do tipo “Por favor, não me bata! Proteja-me”, a alertar a classe política de que “Ou para a roubalheira, ou paramos o Brasil”. Diante de apelos transcritos também em pôsteres com referências a clássicos da música brasileira como “Brasil, mostra tua cara” e “O dia vai raiar, sem lhe pedir licença”, dirigentes brasileiros dispuseram-se finalmente a ouvir mais a voz das ruas, a discursar e a ostentar menos, a mudar a agenda, a fazer diferente, a reconhecer erros.
Em muitas capitais, a tarifa de ônibus urbano diminuiu, mas a discussão não se limitou aos 20 centavos: hoje, a mobilidade urbana é tema central, o espaço público entrou na pauta da sociedade e a bicicleta se firma como símbolo da mudança. O Planalto se deu conta da gravidade do estado da saúde pública. Mas, por enquanto, as mudanças são percebidas mais por meio de iniciativas polêmicas, como o Mais Médicos, enquanto persiste o medo nas ruas e os professores continuam longe de ter “o salário de um deputado e o prestígio de um jogador de futebol”. O Congresso preocupou-se em impor mais rigor a crimes envolvendo corrupção, tornou suas votações mais transparentes em alguns casos, facilitando o acompanhamento por parte dos cidadãos. Continua, porém, devendo uma reforma política ampla. Ampla o suficiente para levar os eleitores a recuperar a confiança perdida em seus representantes escolhidos pelo voto.
A exemplo de outros movimentos disseminados pelo mesmo processo de “propagação viral” como a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street e os Indignados, na Espanha, o nosso não conseguiu tornar reais todos os desejos manifestados nos cartazes. Depois de junho de 2013, porém, o relacionamento entre instituições públicas e privadas com seus públicos, nelas incluídas a própria mídia, nunca mais será o mesmo. O legado das manifestações populares terá mais consistência se contribuir para reforçar a cidadania e a ética entre os brasileiros.
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