A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

O PAÍS DAS MULTIDÕES


Os brasileiros mostraram que acreditam em muita coisa, menos em governos que querem fazê-los de bobos

ARTIGO - ELIO GASPARI
O GLOBO
Atualizado:31/07/13 - 8h44


Em apenas dois meses, pode-se estimar que pelo menos cinco milhões de brasileiros tenham ido às ruas. A maior parte deles, festejando a fé com o Papa Francisco. Outros, reclamando nas passeatas que tomaram as avenidas em quase todos os estados.

Exatamente nestes dois meses, os poderosos do país mostraram que não estão entendendo nada, ou não querem entender.

Aconteceram, ou tornaram-se públicas, as seguintes gracinhas, todas amparadas pela lei. Mesmo nos casos em que o ronco da rua provocou recuos, eles foram apresentados como atos voluntários. Esse é um Brasil que faz tudo de acordo com as normas, suas normas.

Começando pelos tribunais, que vivem um doce momento, embalados pelo julgamento do mensalão: o Tribunal de Contas da União decidiu que 4.900 magistrados têm direito a receber auxílios-alimentação reatroativos a 2011. Um conta de R$ 312 milhões. Um de seus ministros, Raimundo Carneiro, mostrou ao país que sua idade, como a Terra de Galileu, eppur si muove. Para se aposentar como servidor do Senado, nasceu em 1946. Para permanecer no Tribunal, veio ao mundo em 1948. Exercitando um direito de todos os procuradores, o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, recebeu R$ 580 mil referentes a bônus-moradia e licenças não gozadas. Comprou um apartamento em Miami, avaliado em US$ 480 mil, “modesto”, nas suas palavras, e considera “violação brutal da minha privacidade” a divulgação dessa informação. O ministro tem um apartamento funcional em Brasília, mas, justificando suas viagens ao Rio de Janeiro, informou que faz isso “regularmente há mais de dez anos”, como outros magistrados. Com a Viúva pagando.

Passando-se ao Executivo, o custo da maquiagem da doutora Dilma em suas aparições em cadeia nacional de TV passou de R$ 400 para R$ 3.181em menos de três anos.

Alguns de seus ministros rompem o teto salarial do serviço público (R$ 28.059) com as Bolsas Conselho. Guido Mantega, por exemplo, fatura R$ 43.202 mensais. Tudo dentro da lei.

No Congresso, os doutores Henrique Alves e Renan Calheiros voaram pela JetFAB. Um foi para o Rio e o outro para um casamento. Diante do ronco, indenizaram a Viúva.

Saindo-se do Brasil do andar de cima, no de baixo chega-se à escola Candido de Assis Queiroga. Ela fica no município de Paulista, no sertão paraibano, onde vivem 11 mil pessoas. Seu Índice de Desenvolvimento Humano no indicador de educação (0,461) está abaixo da média nacional (0,637). Lá, Jonilda Alves Ferreira, de 44 anos, formada em economia, leciona Matemática por R$ 1.500 mensais. Ela ensina frações fazendo “vaquinhas” e levando alunos a pizzarias. Qualquer pessoa que vê uma pizza entende o que são frações ordinárias, mas quem provar que se pode nascer em 1946 (para ganhar aposentadoria) e em 1948 (para continuar num cargo) certamente revolucionará as ciências.

A escola da professora Jonilda conseguiu cinco medalhas de ouro, duas de prata e três de bronze na última Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. Sozinha, acumulou mais prêmios que muitos estados.

A repórter Sabine Righetti perguntou à professora se a escola tem laboratório de informática. Tem, pago, porém parado: “Estamos esperando o técnico para usar os computadores.”

Elio Gaspari é jornalista

PROTESTO CONTRA ALCKMIN TEM VIAS FECHADAS, VANDALISMO E 20 PRESOS


Protesto contra Alckmin em São Paulo tem vias fechadas e 20 presos. Parte dos manifestantes quebrou vidros de agências bancárias e pichou carros dentro concessionárias

30 de julho de 2013 | 20h 01

Artur Rodrigues e Paulo Saldaña - O Estado de S. Paulo


Pela segunda vez em cinco dias, manifestantes ocuparam vias, destruíram lixeiras, atearam fogo em sacos plásticos, quebraram vidros de lojas e de agências bancárias e enfrentaram a polícia em protesto contra a gestão Geraldo Alckmin (PSDB) e pela desmilitarização da Polícia Militar. A ação, que no início da noite desta terça-feira, 30, prometia paralisar São Paulo, mas foi abafada pela PM, que deslocou mais de 200 homens para conter os protestantes, que se limitavam a cerca de 150 pessoas.



Gabriela Biló - Futura Press/AE
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) e a PM já estavam preparadas para a manifestação

Duas horas depois do início, por volta das 20h, a manifestação comandada por integrantes do grupo Anonymous e pelos Black Blocs já havia sido esvaziada pela polícia, equipada com dezenas de viaturas, motos, helicóptero e até cães. Às 21 horas, a Polícia Militar informou que 20 pessoas haviam sido detidas para averiguação. De acordo com o governo estadual, pelo menos cinco são suspeitas de tentar depredar uma viatura da PM.

A Secretaria da Segurança Pública ainda deslocou equipes da Força Tática, das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) e da Tropa de Choque para acompanhar o trajeto realizado pelos jovens. Em determinados trechos, bombas de gás foram usadas com a justificativa de evitar episódios de vandalismo.

O ato teve início por volta das 18h no Largo da Batata, em Pinheiros, zona oeste da capital, e seguiu para a Avenida Paulista, na região central. No caminho, a Avenida Rebouças teve de ser interditada em ambos os sentidos e apenas parte dos manifestantes chegou a seu destino final. Um grupo pequeno de mascarados, por exemplo, pichou muros, veículos estacionados pelas vias e no interior de concessionárias, além de fachadas de agências bancárias.

Na Paulista. Por volta das 21h, um grupo de 50 pessoas continuava com a manifestação no vão livre do Masp. Com faixas de “Geraldo vândalo” e “Geraldo selvagem”, ele mantinham o protesto contra o governador do Estado de São Paulo. O analista de rede Rodrigo Cunha, de 27 anos, morador da Bela Vista, na região central, contou que acompanhou o grupo do Largo da Batata até o vão livre do Masp. Ele disse que aderiu ao ato para protestar contra “os mesmos governantes que sempre estão no poder”.

“Acabei me distanciando do grupo quando começou o vandalismo, porque eu não concordo. Eu vim para o movimento ‘fora Alckmin’”, disse o analista de rede. Cunha contou também que não sabe se a polícia agiu de forma proporcional contra os manifestantes, porque alguns deles foram bastante violentos, atacando pedras nos vidros de agências bancárias e em concessionárias da Avenida Rebouças. O analista disse que participou de quase todas as manifestações e que, pacificamente, decidiu ficar com o grupo do Masp.

A professora Claudia Simionato, de 30 anos, que também estava com o grupo de Cunha no vão do museu, disse que foi ao protesto pela desmilitarização da polícia e pelo “fora Alckmin”. “A polícia todos os dias é violenta na periferia, mas só quando a gente está aqui na Paulista é que isso ganha visibilidade”, afirmou.

Claudia estava no Largo da Batata, onde conta que já houve repressão. Seguiu para a Paulista de metrô, acompanhada da analista de negócios Érica França, de 35 anos. “Vários policiais estavam sem a identificação. Eu não aguento mais esta polícia, o que temos é um massacre”, disse Érica, que lembrou o caso do Carandiru, em 1992, quando 111 presos foram mortos por PMs.

CONCLUÍDOS PRIMEIROS INQUÉRITOS SOBRE MANIFESTAÇÕES EM POA

Sul 21 Breaking News
Data:31/jul/2013, 9h24min

Primeiros inquéritos sobre manifestações em Porto Alegre estão concluídos, diz delegado


Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Iuri Müller

Parte dos inquéritos sobre os delitos cometidos nos protestos em Porto Alegre já está finalizada, segundo o delegado Marco Antônio Duarte, da Polícia Civil. Durante o mês de junho e nos primeiros dias de julho, dezenas de pessoas acabaram detidas em meio às manifestações contra o aumento da passagem do transporte público – por diferentes motivos e em distintas situações. Após a conclusão do trabalho investigativo, os inquéritos devem ser encaminhados ao Judiciário.

O número total de pessoas envolvidas na apuração da Polícia Civil chegaria a 60, segundo as informações da polícia – sendo 21 dos casos relativos a delitos considerados menores, como, por exemplo, os atos de resistência, desobediência e desacato. Os demais responderiam por, entre outros delitos, ações de dano ao patrimônio público, furto e roubo.

Para o delegado Marco Antônio, mesmo que alguns inquéritos estejam prontos, o trabalho da Polícia Civil ainda não se encontra perto do final: “a análise da parte documental, que é muito longa, ainda está acontecendo”, disse. “Após o inquérito ser finalizado, encaminharemos ao Judiciário. Então os envolvidos serão chamados a depor, mas os prazos dependem da Justiça e não mais da polícia”, explicou.

Questionado pelo Sul21 sobre a possível permanência de alguns detidos nas celas do Presídio Central, Marco Antônio Duarte afirmou não ter informações sobre o caso. No dia 22 de julho, Porto Alegre recebeu, até aqui, a última manifestação organizada pelo Bloco de Lutas pelo Transporte Público. Cerca de quinhentas pessoas protestaram pelas ruas do Centro, numa noite fria que não registrou nenhum incidente grave. “Até agora, não recebemos nenhuma informação sobre problemas neste protesto”, afirmou o delegado.

O próximo ato está marcado para a próxima quinta-feira (1°), com aglomeração prevista para ocorrer outra vez em frente ao prédio da Prefeitura Municipal. Para Marco Antônio Duarte, a continuidade das manifestações não necessariamente pode significar novos números para a investigação: “se eles (os atos) prosseguirem sem incidentes, não vão gerar mais trabalho para a polícia”, concluiu.

terça-feira, 30 de julho de 2013

OS PROTESTOS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS

ZERO HORA 30 de julho de 2013 | N° 17507

 Gabriel Wedy*


Nos últimos meses, o povo brasileiro manifestou a sua indignação em protestos que tomaram conta de todo o país contra a política e os políticos. É visível a fadiga das representações sindicais, associativas e o enfraquecimento dos partidos. Neste cenário, a sociedade passou a protestar sem uma pauta definida de reivindicações. Este fato demonstra uma crise de representatividade e legitimidade. O cidadão deixou de sentir-se representado.

Não são poucas as zonas de desconforto que separam os brasileiros da atual configuração de nossa “democracia representativa”. Existe uma alta carga tributária e uma contraprestação estatal insuficiente. Os casos de corrupção, para completar, são divulgados todas as semanas pela imprensa.

O governo brasileiro utiliza-se do PIB isoladamente para nortear as políticas públicas, o que acaba sendo um grande equívoco. Isso porque o PIB é um índice de mensuração importante em relação ao desenvolvimento econômico, mas é cego para visualizar as necessidades que determinam o desenvolvimento humano. O PIB leva em consideração a produção nacional e a renda per capita, mas ignora fatores importantes, como a qualidade da educação, saúde, distribuição de renda, segurança, transportes públicos, meio ambiente equilibrado, previdência, acesso à justiça e cultura. Quando a presidenta da República comemorou o aumento do PIB, no seu primeiro ano de mandato, o fez como se isto tivesse beneficiado a toda população brasileira. Não foi o que ocorreu. Boa parte dos motivos dos protestos, por outro lado, reflete-se bem no fato do Brasil ocupar a vexatória posição de 85ª nação no ranking mundial de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Por problemas como este, que impedem o bom direcionamento das políticas públicas, foi que o ex-presidente da França, Nicolas Sarkozy, um “conservador”, nomeou, no ano de 2008, dois Prêmios Nobel de Economia, Amartya Sen e Joseph Stiglitz, além do honorável economista francês, Jean-Paul Fitoussi, para a montagem de uma Comissão (La Commission pour La Mesure des Performances Économiques et du Progrèss Social). A Comissão propôs 12 recomendações, que vão além do PIB, no sentido de valorizar o desenvolvimento humano e a sustentabilidade.

Não seria a hora de o Estado brasileiro mudar os seus rumos e paradigmas de desenvolvimento com a adoção de políticas públicas consistentes e não meramente assistencialistas?

*Juiz federal, ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e da Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul (Ajufergs)

SEJAM PROTAGONISTAS

ZERO HORA 29 de julho de 2013 | N° 17506

EDITORIAIS


Nos últimos dois dias de sua visita ao Brasil, o papa Francisco reiterou a sua principal mensagem aos participantes da Jornada Mundial da Juventude e aos jovens de todo o mundo. Sejam protagonistas!, disse o líder espiritual dos católicos diante de uma plateia estimada em 3 milhões de pessoas na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, e de uma audiência incalculável em todo o planeta. Protagonistas, explicou o Pontífice, para construir um novo mundo, com entusiasmo, alegria e criatividade.

A mensagem serve para católicos e não católicos e tem especial valor para os brasileiros, que já vêm saindo às ruas nas últimas semanas para questionar valores deturpados pela ganância econômica e pelos interesses políticos. “Façam barulho!”, incentivou o Papa, convicto de que está pregando uma revolução do bem e de que é possível direcionar a imensa energia da juventude para a construção de uma sociedade mais humana e mais justa.

Ainda que aos mais céticos possa parecer uma utopia, a própria versão brasileira da JMJ chancela a esperança de que a juventude da comunicação plena possa mesmo edificar uma sociedade do diálogo e da solidariedade. Durante uma semana, sob mau tempo, milhares de jovens de várias nacionalidades conviveram pacificamente no Rio, desfilando com suas bandeiras e suas mensagens de paz e participando ativamente do grande evento que será repetido em 2016, na cidade polonesa de Cracóvia, segundo anúncio feito ontem pelo Sumo Pontífice – uma homenagem ao papa João Paulo II, em processo de canonização.

A edição brasileira não teve uma organização primorosa. Há registros de gastos exagerados, de falhas de transporte e comunicação e até mesmo de alguns incidentes desagradáveis, como roubos, furtos e conflitos com manifestantes. Mas, considerando-se a dimensão do evento, até que o Brasil se saiu bem, garantindo segurança plena às autoridades e proporcionando uma acolhida digna aos peregrinos de todas as nacionalidades.

Agora, resta esperar que os brasileiros recolham os ensinamentos desta grande manifestação popular para aperfeiçoar ainda mais a nossa hospitalidade, com vistas a outros eventos internacionais que o país receberá nos próximos anos. Da mesma maneira, também é desejável que autoridades públicas e líderes de todos os segmentos da sociedade passem a considerar a voz dos jovens, abrindo-lhes espaço e oportunidades para que sejam efetivamente protagonistas da própria história.

JOVEM QUE NÃO PROTESTA NÃO ME AGRADA

ZERO HORA 29 de julho de 2013 | N° 17506

JORNADA NO BRASIL


O programa Fantástico da Rede Globo exibiu ontem à noite uma entrevista exclusiva com o Papa.

O repórter Gerson Camarotti, da GloboNews, foi recebido na quinta-feira por Francisco, na residência Assunção, no Morro do Sumaré, onde o Pontífice ficou hospedado durante sua passagem pelo Rio de Janeiro. Confira os principais pontos da conversa:

Indisciplinado com a Segurança

“Eu não sinto medo. Sei que ninguém morre de véspera. Quando acontecer, o que Deus permitir, será. Eu não poderia vir ver este povo, que tem um coração tão grande, detrás de uma caixa de vidro. As duas seguranças (do Vaticano e do Brasil) trabalharam muito bem. Mas ambas sabem que sou um indisciplinado nesse aspecto.”

Por mais simplicidade

“Nosso povo exige a pobreza de nossos sacerdotes. O povo sente seu coração magoado quando nós, as pessoas consagradas, estamos apegadas a dinheiro. Realmente não é um bom exemplo que um sacerdote tenha um carro de último tipo, de marca. É necessário que o padre tenha um carro, mas tem de ser um carro modesto. O carro que estou usando aqui é muito parecido com o que eu uso em Roma. Simples, do tipo que qualquer um pode ter. Penso que temos que dar testemunho de uma certa simplicidade – eu diria, inclusive, de pobreza.”

A moradia do Papa no vaticano

“Quanto à decisão de viver em Santa Marta, não foi tanto por razões de simplicidade. Porque o apartamento papal é grande, mas não é luxuoso. Mas a minha decisão de ficar em Santa Marta tem a ver com o meu modo de ser. Não consigo viver só, não posso viver fechado. Preciso de contato com as pessoas, então, fiquei em Santa Marta ‘por razões psiquiátricas’. Para não ter de estar sofrendo essa solidão que não me faz bem. É para estar com as pessoas. Santa Marta é uma casa de hóspedes em que vivem uns 40 bispos e sacerdotes que trabalham na Santa Sé. Tem uns 130 cômodos, mais ou menos. Sacerdotes, bispos, cardeais e leigos que se hospedam em Roma ficam lá. Eu como no refeitório com todos. E a gente sempre encontra gente diferente, e isso me faz bem.”

Perda de fiéis pela igreja

“Não saberia explicar esse fenômeno. Vou levantar uma hipótese. Para mim é fundamental a proximidade da Igreja. Porque a Igreja é mãe, e nem você nem eu conhecemos uma mãe por correspondência. A mãe... dá carinho, toca, beija, ama. Quando a Igreja, ocupada com mil coisas, se descuida dessa proximidade, se descuida disso e só se comunica com documentos, é como uma mãe que se comunica com seu filho por carta. Não sei se foi isso o que aconteceu no Brasil. Não sei, mas sei que em alguns lugares da Argentina que conheço isso aconteceu.”

Globalização da indiferença

“Hoje em dia há crianças que não têm o que comer no mundo. Crianças que morrem de fome, de desnutrição. Há doentes que não têm acesso a tratamento. Há homens e mulheres que são mendigos de rua e morrem de frio no inverno. Há crianças que não têm educação. Nada disso é notícia. Mas quando as bolsas de algumas capitais caem três ou quatro pontos, isso é tratado como uma grande catástrofe mundial. Esse é o drama do humanismo desumano que estamos vivendo. Por isso, é preciso recuperar crianças e jovens, e não cair numa globalização da indiferença.”

Corrupção no Vaticano

“Agora mesmo temos um escândalo de transferência de 10 ou 20 milhões de dólares de um monsenhor. Belo favor faz esse senhor à Igreja, não é? Mas é preciso reconhecer que ele agiu mal, e a Igreja tem de dar a ele a punição que merece, pois agiu mal. No momento do conclave, antes temos o que chamamos congregações gerais – uma semana de reuniões dos cardeais. Naquela ocasião, falamos claramente dos problemas. Falamos de tudo. Porque estávamos sozinhos, e para saber qual era a realidade e traçar o perfil do novo Papa. E dali saíram problemas sérios, derivados em parte de tudo o que vocês conhecem: do Vatileaks e assim por diante. Havia problemas de escândalos. Mas também havia os santos. Esses homens que deram sua vida para trabalhar pela Igreja de maneira silenciosa no Conselho Apostólico.”

Protestos dos jovens

“Com toda a franqueza lhe digo: não sei bem por que os jovens estão protestando. Esse é o primeiro ponto. Segundo ponto: um jovem que não protesta não me agrada. Porque o jovem tem a ilusão da utopia, e a utopia não é sempre ruim. A utopia é respirar e olhar adiante. O jovem é mais espontâneo, não tem tanta experiência de vida, é verdade. Mas às vezes a experiência nos freia. E ele tem mais energia para defender suas ideias. O jovem é essencialmente um inconformista. E isso é muito lindo! É preciso ouvir os jovens, dar-lhes lugares para se expressar, e cuidar para que não sejam manipulados.”

Idolatria ao dinheiro


“Esse mundo atual em que vivemos tinha caído na feroz idolatria do dinheiro. E há uma política mundial muito impregnada pelo protagonismo do dinheiro. Quem manda, hoje, é o dinheiro, e isso significa uma política mundial economicista, sem qualquer controle ético. Um economicismo autossuficiente que vai arrumando os grupos sociais de acordo com essa conveniência.”

Descarte de jovens e idosos

“Quando reina esse mundo da feroz idolatria do dinheiro, se concentra muito no centro, e as pontas da sociedade, os extremos, são mal atendidos, não são cuidados e são descartados. Vimos muito claramente como se descartam os idosos. Não servem, não produzem. Os jovens também não produzem muito. É uma ponta em vias de ser descartada. O alto percentual de desemprego entre os jovens na Europa é alarmante. Para sustentar esse modelo político mundial, estamos descartando os extremos: os que são promessa para o futuro e os idosos, que precisam transferir sabedoria para os jovens. Descartando os dois, o mundo desaba.”

Diferentes religiões

“Creio que é preciso estimular uma cultura do encontro em todo o mundo. Acho que é importante que todos trabalhemos pelos outros, podar o egoísmo. Um trabalho pelos outros segundo os valores de sua fé. Cada religião tem suas crenças. Se há uma criança que tem fome, que não tem educação, o que deve nos mobilizar é que deixe de ter fome e que tenha educação. Se essa educação virá dos católicos, dos protestantes, dos ortodoxos ou dos judeus, não importa. O que me importa é que o eduquem e que saciem a sua fome. Temos de chegar a um acordo quanto a isso. Hoje a urgência é de tal ordem que não podemos brigar entre nós à custa do sofrimento alheio. Sobretudo, hoje em dia, urge a proximidade.”

ALGUNS PORQUÊS DA REBELIÃO

ZERO HORA 27 de julho de 2013 | N° 17504

Paulo Vellinho*



Acho simplória a interpretação que algumas pretensas lideranças estão dando para o que está acontecendo no Brasil.

Cegos pelos encantos e conveniência do poder, muitos de nossos dirigentes perderam o pudor; veja-se o caso do presidente da Câmara que, com a cara mais deslavada, usou um avião da FAB para transportar a namorada e outros parentes, sendo flagrado com a “boca na botija”.

O que está acontecendo é a presença das poderosas redes sociais comprovadamente capazes de mobilizar a sociedade, especialmente os jovens, vítimas que são da incúria do poder que nada faz para assegurar-lhes saúde física e mental e educação de alta qualidade, sem o que não existe uma verdadeira democracia, até porque não convém aos demagogos e populistas uma sociedade mais homogênea em termos de qualidade, pois esses “novos democratas” se inspiram nos regimes ditatoriais, como o cubano por exemplo.

Afinal quais são as mensagens que se extraem dos cartazes mostrados pelos integrantes dos grupos que clamam por um novo Brasil?

Vejamos:

- A corrupção e a impunidade onde os corruptos são execrados e os corruptores continuam imortais.

- O desprezo com que a sociedade rebelada avalia a situação do país e as razões da sua desconformidade: o poder do corporativismo egoísta que construiu para si uma sociedade diferenciada sem desequilíbrios socioeconômicos e deixando para nós, os habitantes do andar de baixo, com a responsabilidade de sustentá-los e nada receber em troca, pois os custos absurdos da máquina pública nada deixam de reserva para investir-se na infraestrutura.

- Nesse Brasil de escândalos e impunidades o grande herói foi o ministro Joaquim Barbosa, cuja façanha foi apenas ter coragem de condenar os réus do Mensalão.

- A falta de reflexão das más lideranças políticas e sindicais, que, ao ignorar a tragédia socioeconômica de alguns países da Europa que teimaram em distribuir benesses com dinheiro público, resultou na falência daqueles países, com todos os sofrimentos decorrentes para o restabelecimento do equilíbrio econômico e financeiro.

- A sigla, “Mais Circo e Menos Pão,” faz com que se gaste onde não se deve, preterindo os investimentos por motivos como saúde, educação e infraestrutura, as únicas ferramentas capazes de construir uma sociedade mais decente em termos sociais e econômicos.

- Que se revisem todos os projetos assistenciais que escravizam seus dependentes, substituindo-os gradativamente por uma nova sociedade politicamente superior àquela que aí está.

- Por último, uma nova Constituição mais adulta e menos paternalista, na qual direitos e deveres coexistem e são respeitados.

As reformas de base como tributária, política e educacional, por exemplo, são exigências do novo Brasil no qual soberania seja realmente soberania e assim todos os seus corolários.

*EMPRESÁRIO

sábado, 20 de julho de 2013

VÂNDALOS DE VITÓRIA SÃO LEVADOS PARA O PRESÍDIO

JORNAL NACIONAL, GLOBO TV 20/07/2013 21h07

Presos por atos de vandalismo em Vitória são levados para presídios. Suspeitos vão ficar detidos até que a polícia conclua as investigações.


Trinta e cinco pessoas presas em Vitória por participação em atos de vandalismo foram levadas para presídios. Os suspeitos vão ficar detidos até que a polícia conclua as investigações.

Neste sábado (20), no centro de Vitória, tapumes de madeira substituíram os vidros que foram quebrados em prédios públicos e particulares.

O protesto nesta sexta-feira (19) começou sem tumulto. Os manifestantes pediam o fim do pedágio na ponte que liga Vitória à cidade de Vila Velha. Quando a passeata chegou ao Palácio Anchieta, a sede do governo estadual, um grupo de mascarados atirou pedras e bombas dentro do prédio. Os grupos se espalharam pelo centro de Vitória e continuaram com o vandalismo.

A polícia analisou as imagens gravadas pelas câmeras de monitoramento da prefeitura e do comércio para identificar quem estava participando do quebra-quebra. Também foram detidos suspeitos que andavam pela cidade carregando mochilas cheias de pedras. Ao todo, 70 pessoas foram levadas para a Delegacia Patrimonial. E depois, a maioria foi transferida para presídios.

Treze menores foram encaminhados para unidades de internação e 35 adultos ficaram presos em penitenciárias da Grande Vitória. O chefe da polícia do Espírito Santo disse que eles vão ficar presos por pelo menos dez dias e foram autuados por dano ao patrimônio público e privado, destruição de patrimônio histórico e cultural e outros crimes mais graves.

"Arremesso de projétil, e, em alguns casos, o delegado conseguiu caracterizar formação de quadrilha. Vários crimes foram cometidos e isso impossibilita o delegado de polícia arbitrar qualquer tipo de fiança na esfera policial. Cabe agora ao Poder Judiciário tomar as decisões cabíveis”, apontou o chefe de Polícia do Espírito Santo, Joel Lyrio.

QUEM FAZ A REVOLUÇÃO É A CLASSE MÉDIA

ENTREVISTA
REVISTA ISTO É N° Edição: 2279 | 19.Jul.13 

Ferreira Gullar

"Quem faz a revolução é a classe média"

O poeta, de 82 anos, diz que questões como esquerda e direita estão superadas e que as pessoas que vão às ruas hoje não têm as benesses dos ricos nem dos pobres, mas lucidez para não aceitar os políticos

por Eliane Lobato



SEM INSPIRAÇÃO
Gullar diz que não se surpreende mais com nada. Por isso, não faz mais poemas

A figura muito magra do poeta maranhense Ferreira Gullar quase se perde em meio aos quadros, a maioria pintada por ele, e livros que tomam praticamente todo o espaço da sala de seu apartamento, em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro. Aos 82 anos, ele mora sozinho, embora mantenha união estável desde 1997 com a poeta Claudia Ahimsa, 35 anos mais nova, que mora em outro endereço. Gullar é um sobrenome inventado, uma corruptela de Goulart herdado da mãe, que ele achou que combinava melhor com o Ferreira de seu pai, deletando para sempre os primeiros nomes, José Ribamar. Autor de “Poema Sujo” (1975), ele tem um histórico de coragem e protestos (foi um dos organizadores da Passeata dos Cem Mil, em 1968), de luta contra a ditadura, prisão, resistência e exílio. Hoje, é abertamente contra o Partido dos Trabalhadores e defensor da classe média, a verdadeira força revolucionária, segundo ele, de todos os tempos. Essa camada social, acredita, deflagrou as manifestações que tomaram o Brasil recentemente, insatisfeita com os políticos em geral. O poeta identifica uma nova geração de políticos não ideológicos, pragmáticos, e aplaude. Há três anos não lança livro e diz, nesta entrevista à ISTOÉ, que talvez não o faça mais por ter perdido a capacidade de se espantar, algo fundamental para fazer os versos nascerem.


“Fernando Henrique (foto), Serra e Lula pertencem
a uma geração que lutou contra a ditadura,
que tinha formação de esquerda. Essa acabou"


"O Bolsa Família dá muito pouco, mas, para quem não tem
nada, é muito. Melhora, claro. Só que não é o caminho correto”


ISTOÉ -Como o sr. define o que está acontecendo no País?

FERREIRA GULLAR - Quem deflagrou tudo isso foi a classe média. Depois, outros setores foram se juntando. Acho que é resultado do populismo do Lula (ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva), que dirigiu as benesses, o assistencialismo para as camadas mais pobres da população. Isso resultou, para o resto da população, em problemas crescentes. Há uma insatisfação com os políticos de modo geral, porque a corrupção passa por todos os partidos. Tanto que os manifestantes não aceitavam políticos nas passeatas. Nem os antigos nem a nova geração que está surgindo.
ISTOÉ - Há diferenças nessa nova geração de políticos?

FERREIRA GULLAR - É pragmática. Ao contrário da anterior, que era ideológica. Fernando Henrique (Cardoso), (José) Serra e Lula pertencem a uma geração que lutou contra a ditadura, que tinha formação de esquerda, que pretendia a revolução. Essa acabou. Embora eles tivessem composições diferentes em certos aspectos, tinham a mesma ideologia. A que está surgindo aí é a geração não ideológica. Do Aécio (Neves, senador, do PSDB), do Sérgio Cabral (governador do Rio de Janeiro, do PMDB), essa geração não tem as mesmas características. Está muito mais interessada em resolver as questões, com objetivo. Pode até fazer demagogia, mas não é mais com a visão da esquerda.
ISTOÉ - Qual é a visão deles?

FERREIRA GULLAR - Não tomam medidas porque é de esquerda ou de direita. Tomam porque é necessário tomar. Claro que apenas isso não garante que sejam bons administradores, sempre haverá o gestor bom e o ruim. Mas ter essa visão é positivo. Mesmo porque acabou esse negócio de direita e esquerda. A União Soviética não acabou? O socialismo não acabou? A China não é capitalista? Então, só louco para continuar nisso...

ISTOÉ - Para o sr., que é poeta, é mais alto o custo de concluir que o mundo pragmático é melhor que o ideológico?

FERREIRA GULLAR - Lamento que não tenha mais utopia. Mas prefiro não ter do que ter falsa utopia. Porque não é por acaso que a utopia da esquerda acabou, não é? Alguém invadiu a União Soviética? Não. Ela faliu economicamente. Porque estava errada. O socialismo fez avançar a luta dos trabalhadores, as conquistas. O século XIX era uma ignomínia, a situação dos trabalhadores era uma coisa horrível, o cara não tinha aposentadoria, morria de velho na sarjeta. Não tinha jornada de trabalho, não tinha direitos. A luta a partir do marxismo mudou o mundo, e isso foi uma conquista extraordinária. E se deve a Marx (Karl,1818-1883) e aos outros que seguiram o caminho. Quem faz a revolução é a classe média. Marx era da classe média. Fidel (Castro, líder governista de Cuba) é. Lenin (Vladimir, revolucionário russo, 1870/1924) também era. Quem está nas ruas, hoje, igualmente. Ela não tem as benesses da classe dominante, mas tem a lucidez, porque estudou.

ISTOÉ - A filósofa Marilena Chauí falou, recentemente, que a classe média é “fascista” e “ignorante”.

FERREIRA GULLAR - E a classe dela qual é? Média! Ela é de esquerda, é uma revolucionária, e é da classe média. Como Marx, Lenin, Fidel, todos. O equivocado é ela ser classe média e dizer isso. Todo indivíduo defende seus interesses, quer melhoria de vida, isso é natural. Agora, dizer que só a classe média quer preservar seus interesses é um equívoco.

ISTOÉ - E a elite brasileira, melhorou?

FERREIRA GULLAR - Os sinais que a gente percebe não indicam que a classe rica tenha se tornado generosa. A burguesia brasileira não é generosa. Pode ter exceção. Mas como classe social, não.

ISTOÉ - Que camada social teria melhorado, em sua opinião, nos últimos anos?

FERREIRA GULLAR - A classe mais pobre, em função do Bolsa Família, da melhoria do salário mínimo. Os setores menos favorecidos tiveram melhoria, isso foi o que o governo do Lula fez. Realmente, foi uma coisa positiva. O que eu critico é que isso foi feito com objetivo eleitoral. E que o caminho correto para beneficiar as pessoas não é esse, é dar escolas, dar condições de trabalho. Isso só faz com investimento no crescimento do País. O Bolsa Família dá muito pouco, mas, para quem não tem nada, é muito. Melhora, claro. Só que não é o caminho correto.

ISTOÉ - O que o sr. acha do plebiscito?

FERREIRA GULLAR - Acho que é para tapar o sol com a peneira. Não há tempo para esclarecer as pessoas sobre o que vai ser votado. Acho que o referendo é o recurso correto: o Congresso faz e eu decido se aprovo ou não. E no plebiscito o povo autoriza o Congresso a fazer.

ISTOÉ - Não é grande o risco de o Congresso fazer e o povo discordar?

FERREIRA GULLAR - Sim, mas a democracia é isso. O Congresso vai propor e vai ser discutido. O eleitorado vai decidir.

ISTOÉ - Quem representaria a esquerda hoje?

FERREIRA GULLAR - Acho que isso de direita e esquerda já era.

ISTOÉ - E a identificação com o pensamento mais preocupado com o povo?

FERREIRA GULLAR - Então é o PT, que é preocupado com o povo. Mas o PT não é esquerda. Essa nomenclatura não tem a definição que tinha no passado. Claro que há pessoas mais abertas para mudanças e pessoas mais conservadoras. Isso existe.

ISTOÉ - O sr. se considera um conservador?

FERREIRA GULLAR - Não. Imagina! Nunca fui conservador. Não existe mais a história de se for de esquerda é bom e se for de direita é ruim. Se você apaga isso, vai examinar cada proposta, cada problema, independentemente da nomenclatura que está por trás da qualificação que se faça. Ver o que está sendo proposto, se está certo ou errado. É de interesse do País ou não?

ISTOÉ - O sr. tem feito poesia?

FERREIRA GULLAR - Depois do último livro que publiquei, em 2010, nunca mais escrevi poesia.

ISTOÉ - Por quê?

FERREIRA GULLAR - Não sei. Poesia não se decide escrever. Eu não vou escrever só porque faz tempo que não escrevo. Poesia é movida por espanto, alguma coisa que você não controla. Inesperadamente. Meu filho está comendo tangerina, eu sinto o cheiro que já senti mil vezes, mas naquele momento foi uma coisa especial. O cheiro, a cor... e assim nasce o poema. Mas eu não provoquei nada. Mas se isso não acontece mais, se não me surpreendo mais com as coisas, não vou escrever mais. Porque não vou escrever besteira só para dizer que estou escrevendo.

ISTOÉ - Nada mais o espanta?

FERREIRA GULLAR - Nada. Estou com 82 anos e nada mais me espanta. Me ocupo fazendo colagens, pintando, coisas que faço como hobby, já que não me considero artista plástico. Faço para ocupar meu tempo, e com prazer.

ISTOÉ - A poesia está desaparecendo?

FERREIRA GULLAR - Não é unanimidade. Nem precisa. Outro dia, eu estava saindo de um restaurante, veio uma menininha de uns 12/13 anos de idade e perguntou se eu era o Gullar. Confirmei e ela disse: “Queria agradecer ao senhor pela felicidade que trouxe para a minha vida.” Isso basta. Não é preciso que todo mundo goste. Aquela menininha gostou, é suficiente.

ISTOÉ - A tecnologia o surpreende? A forma como a sociedade está dependente do fluxo veloz de informação não é espantosa?

FERREIRA GULLAR - Fico até preocupado com o que pode acontecer com essa quantidade de informação sem controle. Essas passeatas têm causas reais na sociedade, mas elas não se realizariam, no grau de mobilização que tiveram, se não fossem as mídias sociais. Então, sob esse aspecto, é positivo, as pessoas se mobilizam. Mas na rede não só tem grande quantidade de informação como também há muita informação falsa. Aliás, eu não preciso de tanta informação. E, pior, a informação necessária muitas vezes não é difundida na escala que deveria, e a desnecessária é a que toma conta de tudo.

ISTOÉ - Acredita que vamos desembocar em um país melhor?

FERREIRA GULLAR - Sim. A história não caminha linearmente. Tem idas e vindas, avanços e recuos, mas de maneira geral avança. Claro que é a educação, a cultura, isso é que vai melhorando. Quanto mais atrasado o país, melhor para os picaretas. A vida é inventada. Então, cabe a nós inventar
uma melhor.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

AMEAÇA REAL


ZERO HORA 19 de julho de 2013 | N° 17496

EDITORIAIS


O quebra-quebra promovido em bairros nobres da Zona Sul do Rio de Janeiro na noite de quarta-feira, particularmente nos bairros Leblon e Ipanema, demonstra um elevado grau de desvirtuamento de manifestações que, até recentemente, vinham merecendo amplo apoio da sociedade. Ao mesmo tempo, expõe o despreparo dos organismos de segurança para lidar com atos sem coordenação claramente definida, característicos dos que se multiplicaram pelo país a partir do último mês. O descontrole, que contribuiu nos últimos dias para um recuo de multidões dedicadas a pressionar pacificamente por soluções para alguns problemas emergenciais do país, atinge proporções preocupantes, exigindo uma revisão imediata na estratégia oficial de segurança. Esse é o momento de o poder público discernir quem luta por causas justas, e fazer a sua parte para atendê-las, e quem se dispõe simplesmente a destruir patrimônio público e privado, devendo por isso se responsabilizar pelos prejuízos.

Por razões óbvias, fatos como os registrados agora no Rio ganharam imediatamente projeção internacional, fazendo com que os prejuízos não se limitem apenas aos danos físicos e de ordem material. Ainda assim, o balanço de iniciativas como a que transformou parte da mais conhecida cidade do país numa verdadeira praça de guerra só pode provocar indignação na comunidade: pessoas feridas, clientes que são obrigados a sair às pressas de estabelecimentos comerciais, pessoas que não conseguem entrar em casa depois do trabalho ou das aulas, vitrinas destruídas e lixeiras arrancadas e incendiadas, além de lojas completamente saqueadas por ladrões acobertados por máscaras, infiltrados entre manifestantes.

O recrudescimento da violência nos protestos ocorre às vésperas da visita oficial do papa Francisco, que chega ao país na segunda-feira para a Jornada Mundial da Juventude. Coincide também com o momento em que a escolha do país para a Copa de 2014 é questionada publicamente pela Fifa, justamente pela dificuldade enfrentada pelo poder público para manter os protestos dentro dos limites da ordem. As perdas, por isso, vão muito além das enfrentadas nas imediações dos conflitos, estendendo-se também à própria imagem externa do país, reconhecido internacionalmente pela hospitalidade, pelo elevado grau de civilidade e pelo respeito que os brasileiros, de maneira geral, costumam dedicar ao próximo.

Quando uma minoria passa a afrontar as instituições, desrespeitando qualquer limite legal ou do bom senso, cabe ao poder público assegurar direitos mínimos do conjunto dos cidadãos. A sociedade está aprendendo a ser mais tolerante com os apelos por um país mais justo e mais próspero, mas não pode assistir inerte a quem boicota esse processo.

A sociedade está aprendendo a ser mais tolerante com os apelos por um país mais justo e mais próspero, mas não pode assistir inerte a quem boicota esse processo.


ATIVISTAS DESOCUPAM A CÂMARA DE VEREADORES DE PORTO ALEGRE


ZERO HORA 19 de julho de 2013 | N° 17496

O FUTURO DA TARIFA. Depois da desocupação



Um dos pilares do acordo que resultou na desocupação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre depende agora da prefeitura.

Como a Constituição não permite a criação, pelo Legislativo, de leis que onerem o Executivo, a proposta dos manifestantes para a criação do passe livre foi encaminhada ontem ao prefeito José Fortunati.

Segundo o presidente da Câmara, vereador Thiago Duarte (PDT), que enviou o texto como sugestão ao chefe do Executivo, o projeto teria “vício de origem” se partisse da Câmara. Agora, para que se transforme em lei, o texto – que prevê isenção de passagem a estudantes de todos os níveis, desempregados, quilombolas e indígenas – precisará, necessariamente, partir das mãos de Fortunati.

– A bola está toda com o prefeito – diz o presidente da Câmara.

ZH tentou contato com Fortunati entre 18h e 22h de ontem e não obteve sucesso. A segunda proposição dos manifestantes, um projeto de lei que, entre outras coisas, prevê a publicação das planilhas de custos do transporte urbano na Capital, deverá tramitar na Câmara em regime de urgência. Antes de ir a plenário, a proposta passa por análise da Comissão de Constituição de Justiça. O vereador Pedro Ruas (PSOL) acredita que o texto poderá ser aprovado até meados de agosto, cerca de duas semanas depois da volta do recesso parlamentar, que se encerra no dia 31.

– É óbvia a necessidade do projeto. Esse considero aprovado – diz Ruas.

Após oito dias, os manifestantes que ocupavam a Câmara deixaram o local ontem pela manhã, conforme acordo firmado entre representantes do Bloco de Luta Pelo Transporte Público e vereadores. A desocupação começou na noite de quarta-feira, quando metade do grupo deixou o plenário.

Os projetos elaborados pelo Bloco de Luta foram protocolados na Câmara por integrantes do grupo e pelas vereadoras Sofia Cavedon (PT) e Fernanda Melchionna (PSOL). Uma comitiva, formada pela juíza Cristina Marquesan da Silva, da 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital, promotores, vereadores e manifestantes, acompanhou vistoria realizada por um oficial de justiça.

Apesar de o tema ser praticamente unânime entre os parlamentares, o projeto que prevê maior transparência sobre os custos do transporte pode virar centro de outra polêmica. Indignado com a invasão da Câmara, que considerou “criminosa, vergonhosa, um acinte ao parlamento e à democracia”, o vereador Valter Nagelstein (PMDB) não aceita a colocação em pauta do projeto de autoria dos manifestantes em regime de urgência.

– Tenho um projeto anterior. Eles não querem perder o protagonismo. Vou exigir que o meu projeto seja apreciado primeiro – afirma.

Sobre a ocupação, o presidente da Câmara afirma que a maioria dos vereadores está “chateada”, especialmente com a “violação” do plenário:

– O plenário é sagrado desde o Império Romano e nunca mais será o mesmo. Essa invasão fará com que a relação entre os vereadores nunca mais seja a mesma. Se quebrou a relação de confiança entre os parlamentares.

MARCELO MONTEIRO



Antes da saída, protesto sem roupa



Horas antes de deixarem a Câmara da Capital, jovens que ocupavam o prédio posaram, sem roupas, para fotografias, em frente aos quadros com os rostos de vereadores e no plenário da Casa. Vinte e dois homens e mulheres acenam para as câmeras de telefones celulares de colegas.

De cueca, um manifestante, deitado no chão, segura um quadro com o retrato da ex-vereadora e hoje deputada federal Manuela D’Ávila (PC do B). Na parede, as fotos do ex-vereador e atual prefeito da Capital, José Fortunati (PDT), e dos vereadores e ex-vereadores Sebastião Melo (PMDB), Margarete Moraes (PT), Guilherme Villela (PP) e João Dib (PP) estão de cabeça para baixo.

Em outra foto, o grupo sem roupa aparece em círculo, abraçado. O mesmo acontece no plenário da Casa, onde eles aparecem seminus.

No Facebook, as fotos foram tão comentadas como a saída determinada em audiência de conciliação entre os vereadores e o Bloco de Luta Pelo Transporte Público. “Foto simbólica da ocupação!”, lia-se na descrição de um álbum com quatro imagens. “Muito bom, quero ainda fazer um protesto assim, tô tomando coragem, rsrsrs, assim não tem armas, não tem vinagre e as polícia (sic) não podem fazer nada”, dizia um dos comentários.

Professor de Ciências Políticas da UFRGS, Rodrigo Gonzalez acredita que os ativistas não mediram as consequências do ato. Para ele, a ideia de se despir e se deixar fotografar tira o foco da ocupação e dos objetivos políticos do movimento – como o passe livre.

– Quem tira a roupa diante das câmeras, obviamente, quer chamar a atenção. É muito mais um comportamento juvenil, para não dizer infantil, do que propriamente algum tipo de manifestação política mais completa. Ao fazê-lo, as pessoas não se dão conta de que isso tira o foco do objetivo inicial da ocupação – avalia Gonzalez.

Professor de teorias sociológicas e políticas na Unisinos, José Luiz Bica de Melo avalia o fato como algo deslocado da discussão política, que não contribui para a convivência democrática:

– Não vejo como uma questão propriamente de moralidade. Essa forma não é uma atitude política. Ela é uma atitude que não contribui sob nenhum aspecto.

A professora de Ciência Política Céli Pinto, da UFRGS, avalia que a repercussão em torno do episódio foi exagerada. Segundo ela, os críticos dos manifestantes “estão fazendo tempestade em copo d’água”:

– Acho que é puro moralismo. O que há de tão chocante no corpo humano? É um corpo que todo mundo tem.




ARTIGOS - A força das ruas, por Matheus Gomes*

Desocupamos a Câmara de Vereadores depois de protocolarmos dois projetos de lei, um a ser encaminhado para o Executivo e outro que tramitará na Casa. O primeiro projeto visa instituir o passe livre no sistema de transporte coletivo por ônibus em Porto Alegre para estudantes, desempregados, indígenas e quilombolas. O segundo visa instituir a abertura e a transparência das contas relativas ao transporte urbano municipal. Ambas as pautas são justas, legítimas e possíveis de serem implementadas.

Há meses estamos discutindo a questão do transporte público em nossa capital. No início do ano, o Bloco de Luta se reorganizou para protestar contra os já previsíveis aumentos da tarifa de ônibus. Todo ano a história se repetia: era só o Carnaval se aproximar que as empresas enviavam suas planilhas para o Comtu, solicitando reajuste da tarifa. Este homologava o pedido e a Prefeitura sancionava. O trabalhador dormia pagando um preço e acordava pagando outro.

Nesse ano, graças às mobilizações da juventude, dos trabalhadores rodoviários e às investigações feitas pelo Tribunal de Contas do Estado, a história foi diferente. Porém, não só foi possível revogar o aumento como também se abriu um debate público na capital gaúcha: a possibilidade de termos, como em muitas cidades pelo mundo, o passe livre. O que era antes um devaneio começou a tornar-se realidade graças à mobilização da juventude que tomou o Brasil nos meses de junho e julho.

Jovens saíram às ruas por todo o país para questionar os governos, os megaeventos esportivos e reivindicar direitos sociais. Nossa mobilização, que na Câmara teve mais uma vitória, almeja conquistar melhorias nas condições de vida da juventude e da população trabalhadora. Dependemos do transporte para estudar, trabalhar e ter lazer, por isso é fundamental que tenhamos políticas que permitam o acesso universal ao transporte. Entendemos que o transporte público, assim como a educação e a saúde, é um direito e não uma mercadoria. Por isso lutamos pelo passe livre! O projeto de lei irá para o Executivo, ou seja, as mobilizações voltam-se para o prefeito José Fortunati. Temos a certeza que somente a força das ruas irá garantir nossa vitória.

*Coordenador-geral do DCE-UFRGS e da Executiva Estadual da Assembleia Nacional de Estudantes – Livre


ZERO HORA N° 17496

EDITORIAIS

A desocupação da Câmara

É positivo que a saída dos integrantes do Bloco de Luta pelo Passe Livre da Câmara Municipal tenha ocorrido por meio do diálogo, sem violência e depredações. Contribuiu para esse desfecho a mediação exercida pelo Judiciário e pelo Ministério Público Estadual. Sem a intervenção de magistrados e procuradores, que permitiu a realização de uma rodada de negociação na quarta-feira no Foro Central, teria sido mais difícil chegar ao acordo que possibilitou a retirada dos ativistas do prédio do parlamento e a retomada das atividades legislativas normais. De nada teria servido esse esforço, no entanto, se parlamentares e manifestantes não tivessem concordado em manter abertos os canais de contato mesmo nos momentos mais críticos do conflito. A desocupação do parlamento municipal não deve ser avaliada em termos de vencedores ou vencidos. Apesar das ressalvas, é ponto positivo para Porto Alegre que esta ação radical de movimentos sociais não tenha se encerrado de forma violenta, como poderia ter ocorrido caso não prevalecessem a paciência e o espírito conciliador.

Por conta de alguns excessos, porém, a irreverência dos jovens que ocuparam o parlamento deixou também um rastro de justificada indignação. Entre os atos injustificados dos manifestantes, está o gesto provocativo e inconsequente dos jovens que tiraram a roupa diante da galeria de ex-presidentes da Casa. Não precisava. Nem foi nada original: de Woodstock ao grupo pós-feminista Femen, gerações de ativistas recorreram à nudez a fim de evidenciar que a política também é feita de corpos e de gestos. Mas os exibicionistas acabaram fazendo um gol contra. Ocorre que a melhoria do transporte público, bandeira que motivou a invasão da Câmara, é bandeira que interessa a toda a sociedade. Nem o mais ingênuo ativista pode imaginar que a visão de duas dezenas de corpos desnudos possa ser compreendida por todos os porto-alegrenses, especialmente pelos usuários de ônibus. Essa atitude prejudica o entendimento e as relações entre os manifestantes, o Legislativo e a sociedade e, por essa via, é prejudicial à democracia.


NAS REDES SOCIAIS - Como repercutiram as fotos:

Melhor um bando de jovens nus no plenário denunciando a vergonha que é o nosso Legislativo do que um bando de engravatados fingindo que está trabalhando enquanto se beneficia. Thiago Gomes Iessim

Atentado violento ao pudor, vão deixar assim, autoridades? Marcelo Lovato


Falta de respeito com os outros, não é assim que se protesta. Clarice Appelt

Acho isso uma piada. Assim não se protesta contra as coisas ruins dos governantes. Devemos ter educação para reivindicar o que o povo realmente necessita e quer. Protestos com honra e dignidade. Denaura Giacomelli

E viva a hipocrisia conservadora da sociedade gaúcha! Parabéns, gurizada, sambando na cara desses reacionários. Priscila Ferreira

Vocês acham que esses políticos canalhas merecem respeito? Nós é que merecemos ser respeitados. Parabéns a todos que participaram desse ato. Abaixo a hipocrisia burguesa. Maria Tereza Baierl


Mundo afora


Tirar a roupa como forma de protesto virou prática rotineira entre ativistas pelo planeta, com causas variadas:

OS PROJETOS DE LEI

PASSE LIVRE - Isenção para estudantes de qualquer nível (Ensino Fundamental, Médio e Superior), desempregados, integrantes de comunidades quilombolas e indígenas.
- Criação de fundo para financiar a iniciativa, que não deverá onerar a passagem dos usuários pagantes e não pode rá ser bancada por isenções tributárias.

TRANSPARÊNCIA - Institui a publicação das planilhas de custos do transporte urbano municipal de Porto Alegre, incluindo todos os insumos integrantes do cálculo tarifário, bem como as operações dos consórcios que operam o sistema de transporte. A publicação ocorrerá anualmente, na data base do reajuste tarifário e ao final do ano fiscal, pelo Diário Oficial de Porto Alegre e pelos portais da prefeitura e da Câmara de Vereadores.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

FARRA NUDISTA DOS INVASORES DA CÂMARA DE VEREADORES DE PORTO ALEGRE

ZERO HORA ONLINE 18/07/2013 | 10h20

Fotos mostram manifestantes sem roupa na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Imagens foram publicadas no Facebook na noite desta quarta-feira


Ocupantes aparecem completamente nus em frente à Galeria dos Ex-Presidentes
Foto: Reprodução / Facebook


Circulam pelas redes sociais fotos de manifestantes sem roupa dentro da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, que estava ocupada desde o dia 10 de julho. Postadas na noite desta quarta-feira em um perfil do Facebook, as imagens mostram jovens completamente nus, de rosto coberto, posando em frente à Galeria dos Ex-Presidentes da casa, ao lado da entrada do Plenário Otávio Rocha. Dentro do plenário, onde normalmente se realizam as sessões plenárias, eles aparecem seminus.

"Foto simbólica da ocupação!", lia-se na descrição de um álbum com quatro fotos. "Muito bom, quero ainda fazer um protesto assim, tô tomando coragem, rsrsrs, assim não tem armas, não tem vinagre e as polícia (sic) não podem fazer nada", dizia um dos comentários. A usuária retirou o conteúdo de sua página depois que as fotos já tinham se espalhado pelas redes sociais.

Em um dos registros, os ocupantes dançam abraçados. Em outro, 23 homens e mulheres acenam para as câmaras de telefones celulares de colegas que captam a cena. De cueca, um manifestante, deitado no chão, segura um quadro com o retrato da ex-vereadora e hoje deputada federal Manuela D'Ávila (PC do B).

Na parede, as fotos do ex-vereador e atual prefeito da Capital, José Fortunati (PDT), e dos vereadores e ex-vereadores Sebastião Melo (PMDB), Margarete Moraes (PT), Guilherme Villela (PP) e João Dib (PP) estão de cabeça para baixo.


FOTO: Reprodução/Facebook

OCUPAÇÃO E RESPEITO

ZERO HORA 18 de julho de 2013 | N° 17495


A histórica ocupação da Câmara

por José Carlos Moreira da Silva Filho*


Para quem não se lembra, a onda de manifestações que se espalhou pelo Brasil teve início com a consistente mobilização do Bloco de Luta pelo Transporte Público da cidade de Porto Alegre, impedindo que a Prefeitura realizasse o aumento da tarifa.

Passado o histórico mês de junho de 2013 e antecipando a greve geral que parou o país no dia 11 de julho do mesmo ano, os jovens do Bloco de Luta ocuparam a Câmara de Vereadores de Porto Alegre, convidaram os vereadores a se sentarem no chão junto com eles e começaram a questioná-los sobre o porquê da inoperância daquela casa na busca da transparência sobre os custos do transporte público e na luta pelo passe livre para estudantes, idosos e desempregados.

Desde então, o Bloco de Luta tem dado um magnífico exemplo de cidadania e exercício democrático. Contrariando o desconforto de vereadores que veem no povo apenas um partícipe amorfo que comparece às urnas de quatro em quatro anos e nada mais, jovens com dreadlocks, violões, bumbos, berimbaus, sacolas ecológicas, gorros e tocas de lã, além de jaquetas e camisetas coloridas, e muita vontade e disposição de debater com profundidade temas centrais para grande parte da população, ocuparam o Plenário da assim chamada “Casa do Povo” e deram novo alento a uma política viciada no predomínio dos interesses empresariais em detrimento dos interesses populares.

Com o apoio dos vereadores simpáticos às lutas populares e respeitosos no diálogo com a sociedade civil organizada, exercitaram uma mídia alternativa, com transmissão das atividades em tempo real, oferecendo coletivas de imprensa aos veículos tradicionais; questionaram as divisões de gênero e a homofobia no modo como organizaram os banheiros e sua limpeza; questionaram a existência de símbolos religiosos em um ambiente público de um Estado laico; questionaram a produção de alimentos com produtos químicos e o monopólio de grandes empresas alimentícias, consumindo, durante a ocupação, alimentos orgânicos e oriundos da produção de pequenos agricultores; deram aulas de negociação e resistência aos estupefatos vereadores ligados à presidência da Casa, que demonstraram, por sua vez, total despreparo para lidar com o povo organizado e grande receio em vê-los de tão perto; e, por fim, criaram o cenário para a produção de um valioso precedente judicial.

A juíza gaúcha Cristina Luisa Marquesan da Silva, teve a sensibilidade de perceber que, em uma democracia de alta intensidade, os órgãos do Estado não podem tratar os movimentos sociais como criminosos, mas sim como cidadãos que exercem o seu legítimo direito de participação e de resistência.

O que ocorre em Porto Alegre evidencia que a receita básica a ser buscada para a crise política é o diálogo e a abertura dos partidos, sindicatos e autoridades políticas tradicionais aos movimentos sociais, naturalmente mais horizontais, espontâneos e sintonizados com as reais demandas da sociedade em seus mais diferentes setores.

*Vice-presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS



Respeito, mais respeito!
por Jorge Barcellos*

Tenho 30 anos de serviço público na Câmara Municipal e nunca vi alguém agredir o presidente. Até sexta-feira, quando os jovens acampados no plenário o agrediram, além de um fotógrafo. Foi o sociólogo americano Richard Sennet que, em sua obra Respeito, lembrou sua definição: Transmitir respeito significa encontrar as palavras e gestos que fazem com que ele seja sentido e pareça convincente, diz.

Para mim, faltou respeito dos jovens pelo Legislativo. As ideias dos jovens são relevantes, mas suas atitudes não. As agressões só produziram seu distanciamento da política, da opinião pública, da imprensa e dos próprios funcionários da Casa, até então simpatizantes do movimento. Plenário é o solo sagrado da política, ele existe para afirmar a ideia de representação: seus rituais exigem respeito ao espaço, encarnação da cidade como comunidade. O parlamento não é um lugar qualquer, não pode ser ocupado como se fosse frente de fábrica, pois, mais do que um espaço, é um símbolo. O fato de que decisões erradas possam ter sido tomadas ali pelos vereadores não tira a importância da instituição.

Nas redes sociais, há quem defenda o uso da violência dos manifestantes mas isso é um perigo, “ninguém tem carta-branca para delinquir”. Foi Janaina Pascoal, professora de Direito Penal da USP, quem deu o alerta: protestos sem foco e com atos de violência podem ensejar uma situação de estado de defesa e de sítio igual a 64. A casa é do povo, sim, mas não é somente dos jovens. Ela não pode ser refém de um movimento. O direito à resistência não pode justificar tudo, muito menos a agressão a autoridades ou servidores.

Nossos representantes não são perfeitos, mas são os que temos para manter a democracia local. Por isso, os jovens e autoridades precisam cultivar o sentimento de colaboração. As agressões praticadas só encontram precedentes no período autoritário com a invasão do parlamento pelos militares. Se nossos jovens usam os mesmos instrumentos do arbítrio, o que mudou desde então? É uma pena: vi suas mensagens de otimismo nas paredes do plenário, retrato de sua ingenuidade. É hora de sua ocupação terminar no Legislativo, simplesmente porque seus integrantes ainda não conseguiram aprender a lição de respeitar os outros.
*DOUTOR EM EDUCAÇÃO PELA UFRGS

PASSAGEM GRATUITA PARA SETE MIL ESTUDANTES DE PORTO ALEGRE

ZERO HORA 18 de julho de 2013 | N° 17495

ROTINA NO PLENÁRIO. Por dentro da Câmara ocupada

Quem são, o que pensam e quais são as reivindicações dos manifestantes que invadiram o Legislativo da Capital no dia 10 de julho



Em frente à mesa do presidente, com o plenário da Câmara lotado – são centenas se espremendo nas galerias, no piso acarpetado e nas bancadas antes ocupadas pelos vereadores da Capital –, uma jovem de camisa de flanela e calça jeans assume o microfone: – Pessoal, tem muita gente aqui ficando doente. Não temos janelas, o ar quase não chega, os ácaros se proliferam. Estamos dividindo pratos e copos há bastante tempo. Por favor, tragam seus próprios talheres. E gostaríamos de pedir à comissão de comunicação que inclua álcool gel nos pedidos.

A garota integra a comissão de alimentação. Ou seja, é uma das responsáveis pelo preparo da comida das centenas de manifestantes que tomaram as dependências do Legislativo há oito dias. Já a comissão de comunicação, à qual ela pede ajuda, tem como atribuição divulgar nas redes sociais o que o grupo precisa para se manter. A partir da divulgação, entidades como Cpers, DCE da UFRGS e outros sindicatos se mobilizam para entregar os mantimentos.

É assim que o Bloco de Luta pelo Transporte Público se organiza. Cada comissão tem entre 10 e 15 integrantes. A de recepção, por exemplo, controla quem pode – e quem não pode – entrar no prédio. Não é permitido, por exemplo, ingresso de repórteres da chamada imprensa tradicional. Com as restrições, chama atenção o cartaz afixado no pórtico, alardeando condição do grupo para desocupar a Casa: “Passe livre”.

– Deixaram entrar um monte de gente esses dias, e um coquetel molotov apareceu em cima de um carro. São vândalos que se infiltram para desgastar a imagem do movimento. É a turma da direita, os skinheads, os brigadianos à paisana – protesta um rapaz.

Composto por movimentos sociais, sindicatos, grupos anarquistas, organizações estudantis e militantes de PSTU, PSOL e PT, o Bloco realiza diariamente audiências para decidir qualquer passo do movimento. O discurso é de que não existem líderes, mas é inegável que alguns ativistas se tornaram referências.

Matheus Gordo, coordenador do DCE da UFRGS e candidato a vereador pelo PSTU na última eleição; Rodrigo “Briza” Brizolla, da Frente Autônoma (organização com viés anarquista); e Lorena Castillo, da Federação Anarquista Gaúcha, compõem a linha de frente.

– Queremos uma sociedade em que as decisões sejam tomadas não por 36 vereadores, mas pela participação direta da população, com suas necessidades reais e urgentes – dizia Briza Brizolla em discurso ontem à tarde, do lado de fora da Câmara, enquanto Gordo e Lorena se sobressaíam na audiência de conciliação no Foro Central, que acabou em acordo que previa a saída de parte do grupo ontem à noite e do restante na manhã de hoje.

Embora anarquistas tenham força no movimento, trata-se de um grupo minoritário se comparado à presença de PSTU e PSOL no Bloco.

– Não temos líderes oficiais porque é importante, ao perseguirmos uma causa revolucionária, que todos se sintam protagonistas. Mas é evidente que algumas pessoas, pela retórica, pelo preparo e pela história de vida, se destacam mais – diz um militante.

Vereadores de oposição apoiam a ocupação como forma de desgastar o prefeito José Fortunati, maior alvo de críticas ao lado do presidente da Casa, o também pedetista Thiago Duarte. Pedro Ruas e Fernanda Melchionna, vereadores do PSOL, auxiliaram o grupo na redação do projeto de lei que institui o passe livre para desempregados e estudantes. Sofia Cavedon e Carlos Comassetto (ambos do PT) também cederam seus gabinetes, com computadores e impressoras, e emprestaram seus assessores. Mesmo com apoio dos petistas, a maior parte dos manifestantes protesta também contra o governo federal.

CARLOS ANDRÉ MOREIRA E PAULO GERMANO


Cartazes, discursos e assembleias


Embora possam ser vistos símbolos do anarquismo em cartazes aqui e ali, anarquia é tudo o que não se encontra na Câmara de Vereadores ocupada. Os corredores estão limpos, e comissões gerem o cotidiano da Casa, que tem incluído assembleias, oficinas, cursos e apresentações artísticas. Imprensa não, uma vez que apenas veículos considerados justos pelo movimento tiveram sua permanência aceita.

ZH esteve na Câmara na tarde de terça-feira. Também conversou, por telefone, com pessoas que têm ido ao local, para montar o panorama cotidiano da ocupação. As entradas têm sido controladas por um grupo que até o último dia 16 era chamado de “de segurança”, e que mudou de nome para “de recepção”. Para quem passa pelo controle, os corredores estão basicamente como antes da ocupação, com exceção de cartazes espalhados pelas paredes. Alguns deles incentivam a separação do lixo (há lixeiras para material orgânico e seco na entrada do plenário) e a cuidar do espaço. As orientações para preservação do patrimônio público também são reforçadas nas assembleias.

Apesar das resoluções tomadas em grupo, nem todos têm acatado as determinações. Houve tentativas de arrombamento em gabinetes, o que levou a coordenação do movimento a realizar rondas pelos corredores. Quadros dos vereadores e ex-presidentes da Casa vêm sendo alvo de brincadeiras. Nos primeiros dias da ocupação, o retrato de José Fortunati na galeria dos presidentes do Legislativo (entre 2002 e 2003) foi retirado da moldura e transformado em um alvo para jogo de dardos.

Na tarde de terça-feira, vereadores e ex-vereadores que tiveram suas imagens viradas do avesso na galeria incluíam, além de Fortunati, Margarete Moraes (PT), Manuela D’Ávila (PC do B) e Luiz Fernando Záchia (PMDB). Na porta do gabinete de Thiago Duarte (PDT), o atual presidente, uma placa com a inscrição “Entre sem bater” ganhou companhia de um cartaz: “Se tu não bater, ele inventa que bateu”, em referência à declaração do presidente de que teria sido agredido por ativistas no último dia 12.

Simpatizantes têm mantido uma rede de colaboração para garantir a permanência. O grupo de comunicação tem feito pedidos no Facebook. As mais recentes incluem álcool gel, verduras, temperos e frutas. Como a ocupação se desenrola há mais de uma semana em pleno inverno e o plenário não tem janelas, muitos manifestantes se griparam – a equipe de comunicação também solicitou, via rede, remédios.

Ao longo do dia, o número de ocupantes varia de acordo com as atividades. As assembleias, que vêm sendo realizadas no início da manhã e no final da tarde, congregam de 300 a 400 pessoas. Fora desses horários, o fluxo se reduz, nunca a menos de 50 pessoas – nem sempre as mesmas, uma vez que há um revezamento voluntário para que os demais possam ir para casa.

Os manifestantes têm dormido principalmente no plenário, tomado de cartazes e faixas com slogans, palavras de ordem e identificação dos movimentos. Há cartazes contra a proposta de internação compulsória para dependentes de drogas, críticas à imprensa (à RBS, principalmente) e a políticos, nominalmente (dos vereadores Thiago Duarte e Mônica Leal ao governador Tarso Genro e à presidente Dilma). Nas bancadas dos vereadores, cartazes indicam o local ocupado por grupos de trabalho. Há música no intervalo das assembleias, manifestações poéticas penduradas em uma das paredes do corredor do plenário, no mesmo lugar em que há um tapete com livros à venda (como os três volumes da biografia de Trotski por Isaac Deutscher).

O QUE PEDEM. Os ativistas prometeram desocupar a Câmara sob as seguintes condições
- Passe livre para estudantes e desempregados
- Transparência sobre as planilhas usadas para calcular o valor da tarifa
- Quebra do sigilo bancário e fiscal das empresas de ônibus



Acordo prevê a desocupação

Após cinco horas de debate acalorado entre a presidência da Câmara e representantes do Bloco de Luta, um acordo mediado pelo Judiciário e Ministério Público encaminhou o fim da ocupação do Legislativo, que já dura oito dias. Vereadores e manifestantes deixaram a audiência satisfeitos. Os parlamentares poderão retomar as sessões, e os ativistas conseguirão protocolar dois projetos de lei: o do passe livre e o de transparência das planilhas das empresas de transporte público.

Transferida para o auditório do Foro Central devido à presença de dezenas de pessoas, a audiência se arrastava com discursos inflamados do presidente da Casa, Thiago Duarte, e dos representantes do movimento e seus advogados, sem qualquer perspectiva de que a discussão chegasse a um denominador comum. A partir da intervenção da promotora Maria Cristina de Lucca, da Fazenda Pública da Capital, o acordo começou a nascer. Os ativistas levaram ao Judiciário seis exigências, que incluíam, além dos projetos do passe livre e da transparência das planilhas, o fim do recesso parlamentar para as votações, a quebra das empresas de ônibus, a não criminalização da ocupação e uma retratação pública do presidente do Legislativo. Conseguiram dois de seus objetivos.

O documento assinado determinou a saída de metade do grupo na noite passada, incluindo crianças, e que os projetos do passe livre e da transparência nas planilhas sejam protocolados na manhã de hoje. A outra metade do movimento deve sair do prédio após o registro dos projetos.

– Nossa ocupação foi vitoriosa. Conseguimos atingir o nosso objetivo, que era protocolar os projetos – resumiu a integrante do bloco Lorena Castillo.

Durante o encontro, Thiago Duarte se mostrou irredutível.

– Estamos aqui em respeito ao Judiciário. Não aceitamos intromissão na liberdade de livre legislar – afirmou.

Com o desenrolar da audiência, aconselhado por vereadores da base aliada e pressionado pela juíza e pela promotora, Duarte cedeu. No fim da reunião, disse que o acordo selado era o que esperava, mas que “faltou sensibilidade ao bloco”. Hoje, a juíza responsável pelo caso, Cristina Marquesan, a promotora e dois oficiais de Justiça irão à Câmara para acompanhar o desfecho da ocupação. A pedido do movimento, seriam realizadas duas inspeções para verificar eventuais danos à Casa, uma na noite passada e outra hoje.


Passagem gratuita para 7,7 mil estudantes na Capital

Um programa pouco conhecido oferece até 9 mil gratuidades no transporte para alunos de escolas municipais, estaduais e federais. Para ter direito ao benefício, o usuário deve cumprir uma série de requisitos. O benefício existe há 13 anos e, hoje, tem 7.785 mil usuários ativos.

O alerta da existência do benefício, que cobre todo valor de duas passagens de ônibus por dia, veio do prefeito José Fortunati em entrevista a Zero Hora na noite de segunda-feira. Indagado sobre a possibilidade de instituir o passe livre para estudantes na Capital, ele respondeu:

– Temos passe livre para os alunos das escolas municipais e estaduais. As pessoas não sabem, mas já existe.

Trata-se do projeto Vou à Escola, que concede transporte gratuito aos estudantes, quando não há vaga em escola pública próxima à residência. Idade, distância e renda familiar também são itens observados. O município executa o projeto e arca com os custos das passagens concedidas aos estudantes do Ensino Fundamental. O Estado paga os benefícios aos alunos do Ensino Médio, que oferece 2 mil vagas e tem 1.386 usuários ativos. Pelos dados atuais, há 1.215 mil passes livres disponíveis.


quarta-feira, 17 de julho de 2013

ATO CONTRA A CORRUPÇÃO NA VISITA DO PAPA


Grupo marca ato contra corrupção durante visita do papa

15 de julho de 2013 | 18h 32

HELOISA ARUTH STURM - Agência Estado



A onda de protestos iniciada no País em junho alcançará o papa Francisco em sua estadia no Rio de Janeiro. Pelo menos duas manifestações já estão confirmadas para a próxima semana no Rio, durante a Jornada Mundial da Juventude. Os atos ocorrerão em Copacabana, nos dias 26 e 27.

Nesta terça-feira, 16, à noite haverá uma plenária do Fórum de Lutas, coletivo que reúne estudantes e representantes de diferentes movimentos sociais, para decidir sobre possível apoio a essas manifestações e discutir sobre novos atos durante a visita do papa Francisco à cidade.

Batizado de "Papa, veja como somos tratados", o protesto do dia 26 está previsto para as 17 horas, com concentração na estação de metrô Cardeal Arcoverde. Os organizadores afirmam que o ato não é contra a vinda do pontífice ou contra a Igreja Católica, e pretendem aproveitar a visibilidade da JMJ para protestar contra a corrupção e pela melhoria dos serviços públicos.

A partir das 18 horas, o papa estará no palco montado a um quilômetro do local de concentração da manifestação para acompanhar a Via Sacra, programação da JMJ na qual um elenco de 300 pessoas encenará, na orla, o trajeto percorrido por Jesus em Jerusalém.

No sábado,27, a Marcha das Vadias organiza um ato a partir das 14 horas. A concentração será no Posto 5, de onde os manifestantes devem caminhar pela orla em direção ao Posto 2. Neste dia, as atividades da Jornada se concentrarão em Guaratiba, zona oeste do Rio, onde ocorrerá uma série de shows durante todo o dia, além da vigília.

Cabral

Os manifestantes voltam às proximidades da casa do governador Sérgio Cabral nesta quarta-feira, 16. Convocado no Facebook pelo grupo Anonymous Rio, o protesto será em defesa das CPIs para investigar os gastos da Copa, as supostas irregulares no uso do helicóptero pelo governador e pedir a desmilitarização da Polícia Militar. No dia 4, uma manifestação realizada no mesmo local foi fortemente reprimida pela PM.

terça-feira, 16 de julho de 2013

PROTESTOS, CULTURA E GESTÃO


ZERO HORA 16 de julho de 2013 | N° 17493

ARTIGOS

Fábio Luiz Gomes*

Uma das críticas aos protestos das ruas é ausência de objetividade. Seriam erráticos. Na verdade os problemas não cabem em um cartaz. Realmente são muitos. E suficientemente grandes para fazerem as passagens de ônibus lembrar os brioches de Maria Antonieta. E erráticos foram os primeiros movimentos dos políticos. Passado o susto inicial, mostram resistência às mudanças que realmente importam e tiram as miudezas do balaio esperando que o resto fique como está. É claro que os políticos deveriam ter mais facilidade para identificar a causa desses problemas, pois como apontou Foucault, encontraram-se no centro das relações de luta e de poder. Mas são reféns de uma visão estrábica, para lembrar Eisenberg e sua teoria da incerteza. De qualquer forma, trazendo novamente Foucault, agora na esteira de Nietzsche, nada mais bem-vindo do que os protestos, pois o caráter perspectivo do conhecimento decorre da contraposição de forças. Como apontou Boaventura Santos, representam uma dose explosiva de presente jogado na face de um passado que foi indiferente ao futuro.

Fácil a identificação dos problemas imediatos (parece que só se salvaram o Bolsa Família, os financiamentos agrícolas e a eficiência arrecadatória). Difícil a esses políticos é compreender as causas. Primeiro porque a “casta” que aí está é o pior legado de uma ditadura que cortou durante 20 anos a formação de quadros suficientemente capazes de bem gerir a coisa pública, com raras exceções. Segundo, e por via de consequência, o despreparo os impede de perceber que esse sistema político (que não pode ser dissociado do jurídico e do econômico) oriundo de formulações desenvolvidas nos séculos 17 e 18 por Hobbes, Locke, Adam Smith e Rousseau, e que viabilizou a Revolução Francesa e arrancou a humanidade do paradigma medieval, não consegue responder aos imperativos da era do tempo real e da globalização. Este sistema político está falido. Cientificamente falido. Mas nossos garbosos políticos invocam ditames de uma Constituição que nasceu retrógrada, para afastar a ideia de uma Constituinte e de um plebiscito. Há mais de 50 anos os mais respeitados cientistas falam em “refundação” do Estado.

E para não esperarmos as reformas, impotentes aos deboches dos políticos passeando em aviões da FAB e brandindo um decreto presidencial (revogável a qualquer tempo mercê do princípio da legalidade), brademos pelo menos pela efetividade de uma federação, única forma capaz de viabilizar a gestão razoável de um gigante como o Brasil, transferindo-se poder e arrecadação aos Estados e municípios. É inconcebível elegermos um monarca de quatro em quatro anos para concentrar a administração de um país-continente, com a União arrecadando 68,7% dos tributos e em tese responsável pela administração de idêntico percentual da máquina pública. É humana e tecnicamente impossível, como evidencia a realidade brasileira. A situação é agravada por conchavos em nome da “governabilidade”, como fez Lula com Maluf, símbolo maior do que as “ruas” abominam. Os protestos amainaram, mas há um desassossego no ar...*MESTRE E DOUTOR EM DIREITO

segunda-feira, 15 de julho de 2013

PASSE LIVRE

ZERO HORA 15 de julho de 2013 | N° 17492


Renato Silvano Pulz*


Desde as primeiras manifestações populares muito já se falou sobre o fenômeno social e político. Todavia, afirmar que os manifestantes não sabem o que querem é tentar esvaziar o movimento. Um movimento que denuncia insatisfação e contrariedade contra um sistema que beneficia uns poucos e ilude a muitos. Se há muitas reivindicações é porque muitas são as carências. Em um cartaz que fotografei, em uma passeata, lia-se: Minha lista de reclamações não cabe neste cartaz. As várias pautas dizem respeito a uma coisa só, a falta de ética.

O que a população deseja é uma mudança de comportamento da classe política e daqueles que ocupam o poder público. Pois quando se reclama de 20 centavos, a crítica se dá pela falta de transparência da relação entre o público e o privado. Quando se grita pelos mínimos investimentos na educação e na saúde, é porque, a toda hora, se percebe recursos públicos desviados, destas áreas que deveriam ser prioridade de qualquer governo.

Por óbvio que uma mudança de atitude deve alcançar a todos e refletir uma nova consciência, um pensar coletivo, de que nossas ações refletem no cotidiano e na vida das outras pessoas. Há muito se faz alusão a um estilo de vida individualista em que cada um se preocupa com o próprio umbigo. É, pois, o que experimentamos, hoje, na política. Àqueles que foram eleitos para nos representar acabam por pensar nos seus interesses e desconsideram os reais motivos por que estão ocupando tão relevante função.

Mas, nessas discussões, confesso que senti falta das palavras meio ambiente, natureza ou ecologia. Em tempos de irregularidades em licenças ambientais, destruição de margens de rios, setores agropecuários ditando regras no Congresso, resoluções que, praticamente, legalizam o tráfico de animais silvestres, construções de hidrelétricas sem estudos de impacto ambiental etc. Lembro que passe livre de verdade é aquele que garante um futuro para nossos filhos.

Do rescaldo do que está acontecendo, e que ninguém sabe aonde vai dar, torcemos para que fique o espírito crítico e a capacidade de indignação com a injustiça e a corrupção. Que o Dia Nacional de Lutas seja um marco inicial de uma nova história. Pois, até para quem não é um grande observador, salta aos olhos que o novo milênio começa com movimentos populares, apesar das diferentes motivações. Podemos ainda não ter o diagnóstico, mas temos um sintoma, indicando que algo está errado.

*PROFESSOR UNIVERSITÁRIO

domingo, 14 de julho de 2013

A PEC É POP

ZERO HORA 14 de julho de 2013 | N° 17491


A sigla que ganhou os protestos de rua

JULIANA BUBLITZ

Cartazes repudiando a PEC 37, com referências à sinalização das placas de trânsito, foram vistos nos protestos que ganharam o Brasil. Por trás da sigla, estava o objetivo de

mudar a Constituição para tirar o poder de investigação do Ministério Público. Com a pressão popular, o resultado foi imediato: os parlamentares derrubaram a proposta.

Antes de as manifestações nas ruas atingirem o auge no país, você saberia definir com exatidão o significado da sigla PEC? E se essas três letras fossem seguidas do número 37?

Graças aos protestos, as chamadas propostas de emenda à Constituição, até então restritas aos jargões dos meios jurídico e político, tornaram-se tão populares quanto um hit da cantora Ivete Sangalo. O que poucos sabem é que a PEC 37, repudiada nas manifestações que moveram multidões, é só uma entre centenas atualmente em tramitação.

Coincidência ou não, o fenômeno vem à tona no ano em que a Carta Magna brasileira completa um quarto de século. E, apesar de ser visto com certo ceticismo, é saudado por especialistas.

– Essa apropriação é positiva, porque as PECs são a forma de alterar a Constituição e, consequentemente, os valores da sociedade. E a sociedade evolui. Não é a mesma de 25 anos atrás – diz o professor de Direito Constitucional Pedro Abramovay, da FGV Direito Rio.

Em vigor desde 1988, a Constituição Federal contabiliza 73 emendas a partir de 1992, isto é, alterações pontuais que nasceram de PECs. Aprovar uma dessas mudanças tende a ser mais complicado do que sancionar uma lei (veja quadro na página ao lado). Mesmo assim, todos os anos, centenas são apresentadas no Congresso e sequer chegam ao conhecimento público.

A partir de uma pesquisa nos sites da Câmara e do Senado é possível listar 4,9 mil propostas sugeridas. A soma inclui não apenas as PECs em discussão, mas também aquelas que estão paradas e as que foram arquivadas, rejeitadas e apensadas (anexadas a outras) nos últimos 25 anos.

Entre os constitucionalistas, o significado desse emaranhado de proposições não é consensual. Para alguns, deve ser encarado com naturalidade, por fazer parte do processo democrático e resultar de tentativas legítimas – embora nem sempre profícuas – de atualizar trechos constitucionais considerados ultrapassados. Para outros, é motivo de alerta.

– O problema é que essa enxurrada de PECs vai criando novas distorções. Não precisamos disso. O que precisamos é repensar a fundo o sistema político e institucional brasileiro. Quanto mais PECs se aprova, maior fica a Constituição, maior o número de normas e mais PECs são necessárias – pondera o jurista Cezar Saldanha, professor titular de Direito Constitucional da UFRGS.

Hoje é possível identificar cerca de 260 PECs prontas para serem votadas a qualquer momento, número que muda diariamente. Todas elas já passaram pelos trâmites internos obrigatórios, mas só poderão entrar na pauta se houver acordo político. Do contrário, correm o risco de ficar meses – e até anos – paradas.

É o caso da PEC 20, de 1999, uma das mais antigas no limbo do Senado. Seu objetivo é reduzir a imputabilidade penal para 16 anos. Como o tema é polêmico, está longe de consenso.

Por outro lado, justamente por conta das mobilizações nas ruas e da consequente pressão popular, muitas modificações importantes avançaram nas últimas semanas. Entre elas, estão a redução do número de suplentes ao cargo de senador e a decisão de facilitar a apresentação de projetos de lei (e até mesmo de PECs) de iniciativa popular. Ambas tiveram aprovação inicial , mas seguem em análise.

Resta saber se a população vai se preocupar com essas e outras propostas tanto quanto se preocupou com a rejeitada PEC 37.


EM DISCUSSÃO

LIMITAÇÃO DOS PODERES DO STF - Apresentada em maio de 2011 pelo deputado federal Nazareno Fonteles (PT-PI), a PEC 33 busca limitar os poderes do Supremo Tribunal Federal (STF), permitindo que os parlamentares revisem decisões. A proposta gerou crise entre a Corte e o Congresso. Em abril, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou o texto, desencadeando críticas. A pressão retardou a comissão especial que seria criada para a análise. Por enquanto, a polêmica está em banho-maria.

COMO FUNCIONARIA - Em caso de aprovação, seriam ampliados de seis para nove os votos necessários para que o STF declare a inconstitucionalidade de leis e de atos normativos do poder público.  Quando o STF declarasse a inconstitucionalidade de emendas à Constituição aprovadas pelo Congresso, os parlamentares teriam 90 dias para rever o ato.
O QUE É - Proposta de Emenda à Constituição (PEC) é o instrumento para modificações no texto da Constituição.

QUEM PODE APRESENTAR - Uma PEC pode ser apresentada pela Presidência da República, por deputados federais, por senadores ou pelas Assembleias Legislativas. No caso dos deputados federais e dos senadores, é necessário que a proposta tenha apoio de pelo menos um terço da Câmara ou do Senado. No caso das Assembleias, mais da metade delas deve ser a favor.

AS LIMITAÇÕES - A Constituição não pode receber emendas em caso de intervenção federal, estado de defesa ou de sítio. Também não são admitidas PECs que proponham abolir a federação, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e as garantias individuais.

COMO É A TRAMITAÇÃO - A proposta é discutida e votada tanto na Câmara quanto no Senado, em dois turnos, sendo aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos.

AS EMENDAS - Toda PEC aprovada vira uma Emenda Constitucional. Desde 1988, quando foi criada, a Constituição já recebeu 73 emendas. A nº 1 foi aprovada em 31 de março de 1992 e trata da remuneração de deputados estaduais e vereadores. A nº 73 é de 6 de abril deste ano e cria os Tribunais Regionais Federais de quatro regiões.

sábado, 13 de julho de 2013

EXPLICAR O QUÊ?

ZERO HORA CULTURA - 13 de julho de 2013 | N° 17490

VOZ DAS RUAS. Movimentos atuais desafiam hipóteses fáceis

CARLOS AYRES BRITTO*


Esses movimentos de rua que aí estão colocam em saia justa não só as autoridades públicas. Eles também aturdem a inteligência analítica ou puramente intelectual dos homens de Ciência. Inteligência que tudo quer apreender para tudo descrever, conceituar, explicar por um modo exclusivamente racional. Que é o modo pelo qual atua a mente humana, essa matriz de todo pensamento que se pretenda puro; ou seja, investigativo, metódico, reflexivo e demonstrativo. Como se o nosso quociente intelectual não fosse limitado no plano do conhecimento das coisas externas e também internas ao ser humano. Como se fosse possível dar um passo maior que a perna, nesse território do entendimento apenas cartesiano das coisas.

Tal categoria de analistas experimenta muita dificuldade para lidar com o incognoscível; ou seja, com os objetos, fatos, eventos, fenômenos, em suma, que já fazem parte de um terceiro estado de realidade: o mistério. Estado de mistério que se coloca, naturalmente, ao lado do estado das coisas já conhecidas e daquelas cognoscíveis. Estas últimas ainda desconhecidas, claro, porém que não perdem por esperar: mais cedo ou mais tarde serão apanhadas pela rede de arrasto da ciência e da tecnologia humanas.

Complemento o juízo: as coisas já conhecidas e aquelas passíveis de conhecimento têm um ponto de identidade. Esse ponto de identidade está em que ambas são suscetíveis de uma conceituação genérica. O conceito em abstrato ou a pura teorização a dar conta da tipologia do objeto sobre o qual incide. É dizer, então: as coisas já conhecidas e aquelas que um dia se tornarão conhecidas (seu conhecimento é uma questão de tempo) se abrem para um tipo de conceito-padrão porque se exteriorizam por uma forma que também tem na padronização a sua característica central. Uma só forma, em linhas gerais, a recobrir qualquer das suas tópicas manifestações. É o que se dá, por ilustração, com o fogo, o ar, a água, a terra, a luz; com o embrião, o feto, a criança, o adolescente, o jovem, o adulto, o idoso; com a moral, a religião, a etiqueta, os usos e costumes, o Direito; com a bondade, a verdade, a beleza, a compaixão e outras categorias mentais suscetíveis de classificação por tipo, gênero, espécie, em síntese.

Ora, não é isso o que sucede com as coisas incognoscíveis. Estas já se alocam na imprecisa esfera do mistério, porque insubmissas a uma classificação tipológica ou padronizada. Não se encaixam num único molde para todo e qualquer aspecto da sua pontual manifestação. Numa frase, por maior que seja o número das suas empíricas ocorrências, as coisas ditas incognoscíveis não se prestam para generalizações teóricas ou antecipada classificação metódica. Logo, são abstratamente informes. Inconceituáveis em bloco ou aprioristicamente indescritíveis. Inexplicáveis no plano da pura racionalidade, pois, sendo informes em tese, podem, todavia, assumir qualquer forma em concreto. Equivale a dizer, num aparente paradoxo: o genericamente informe é o que se abre para toda e qualquer forma em concreto. Caso da justiça, do amor, da eternidade, do nacionalismo (“As nações são mistérios. Cada uma delas é um mundo todo à parte”, versejou Fernando Pessoa) e do próprio Deus. O único modo de conhecê-las é sendo o que elas são, dizem as mais antigas escrituras sagradas hindus, conhecidas como Upanishades. Existem, sim, porém como realidades aprioristicamente indescritíveis, na medida em que não se deixam aprisionar no cubículo dos conceitos adrede elaborados. Donde estes versos já antigos, da minha própria autoria: “A razão problematiza Deus, mas não consegue dar conta do tema. Como pode a razão dar conta do tema, se em matéria de Deus a razão é que é o problema?”.

Pronto! É o que penso estar a acontecer com os movimentos populares dos dias presentes. São grandes demais, surpreendentes demais, entusiasmados demais, abertos demais, intuitivos e instigantes demais para que deles se possa dizer algo que ultrapasse o mero comentário. Que vá além da simples e precária opinião subjetiva, sem outro calço que não seja o corriqueiro “data vênia de entendimento contrário”. Eles não guardam a memória de qualquer anterior movimento de massa e por isso é que chegam às vias públicas assim como quem tritura farelos de estrelas nas mãos consteladas. Desacumulados de tudo que é passado para criar a totalidade do espaço de que o virginalmente novo precisa para se factualizar sem contaminação. Veja-se: irrompem em plena democracia como efeito e expressão da vitalidade que só ela tem, e não para trazer de volta regimes de exceção, pouco importando se militares ou então de natureza civil; assumem-se como uma instituição social em si mesmos, tão espontânea quanto informalmente, mas não querem se substituir às instituições oficiais (querem, sim, convocar tais instituições chapa-branca para um repensar acerca do emperramento das respectivas juntas); não são aparelhados por quem quer que seja e também não aparelham ninguém; não têm o menor receio de desagradar gregos e troianos e também não se preocupam em sair bem na fita; expõem com a luminosidade do sol do Nordeste a pino a verdade de que a hediondez da corrupção é a principal responsável pela tragédia da renitente pobreza da maioria do povo; não portam consigo o mais leve ranço de pauta corporativa, mas, ao contrário, se apresentam como uma agenda propositiva para o Brasil (Marina Silva é quem o diz) e quiçá para uma nova e mais humanizada concepção de mundo. Mas uma nova e mais humanizada agenda que se vai encorpando a cada manifestação, na clarividência de que a travessia em si é também um ser, um ente, um espírito do tempo que sai à cata dos seus mais arejados contornos, embora debaixo de todos os riscos. Travessia que não pode deixar de ser feita, contudo, sob pena de o país ficar à margem de si mesmo por um tempo ainda mais perigosamente alongado.

Enfim, esses movimentos de rua que aí estão entram pelos nossos olhos com o grave e ao mesmo tempo alvissareiro aviso de que a hora é de fazer destino. Hora em que se busca não simplesmente protestar, porque o simples protesto pressupõe algo preexistente como referência central. O passado como espelho da reação coletivamente empreendida, ainda que na perspectiva do estilhaçamento dele. Agora, não! Agora o que se busca é algo ainda inexistente, porém tão intuitivamente alentador quanto aquela presciência de que deu conta Bernard Shaw com a sentença oracular de que: “Vocês sonham com coisas que existem e se perguntam por que. Eu sonho com coisas que não existem e me pergunto: por que não?”. Este o meu comentário. Não a minha explicação, de todo temerária. Um comentário de quem tateia as coisas ainda imersas em névoa e só apreendidas assim por vislumbres. Imaginação. Rudimentos de insights, na melhor das suposições. Um singelo comentário de quem aprendeu com os grilos, não com os homens, que vale a pena roer a casca da noite para tentar chegar ao branco miolo do dia. Que não é diferente da percepção de que Deus fecunda a madrugada para o parto diário do Sol.

*Ministro aposentado e ex-presidente do STF, é poeta e doutor em Direito Constitucional pela PUC de São Paulo