A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

242 MOTIVOS PARA EXIGIR JUSTIÇA

ZERO HORA 28 de janeiro de 2014 | N° 17687

LETÍCIA DUARTE | SANTA MARIA


LÁGRIMAS LADEIRA ABAIXO

Santa Maria revive a madrugada sem fim. No dia em que a maior tragédia da história do Rio Grande do Sul completou um ano, pais, amigos, namorados e familiares se reuniram para cobrar justiça



Natural de um país marcado pela guerra, o escritor moçambicano Mia Couto resumiu a dor da ausência em seis palavras: “morto amado nunca para de morrer”. A frase aparece no livro Um Rio chamado tempo, Uma casa chamada terra, lançado em 2003.

Em Santa Maria, um ano depois da tragédia na Kiss, é como se as 242 vítimas continuassem a morrer diante da boate.

A dor não cumpre calendário, mas no dia em que o incêndio completou seu primeiro ano, neste 27 de janeiro, o ar se tornou mais denso naquela ladeira da Rua dos Andradas. Pais, amigos e sobreviventes esperaram o amanhecer em vigília diante da Kiss para cobrar Justiça. Com baldes de tinta branca nas mãos, jovens ligados ao movimento Santa Maria Do Luto à Luta pintaram 242 silhuetas no asfalto. Chegaram minutos antes da virada para o dia 27 – o mesmo horário em que, um ano atrás, os frequentadores formavam fila para entrar na Kiss. Em silêncio, dividiram-se em grupos para encharcar de realidade o chão onde tombaram as vítimas.

Num megafone, contavam em voz alta o luto convertido em estatística. Um! Dois! Três! Quatro! Cinco! Seis! Sete! Oito!.. Quase cinco minutos até o 242. Uma contagem que se repetiu ao longo do dia. Queriam mostrar que seus filhos não são números. Que suas mortes não podem ser em vão.

– Acorda Santa Mariiiiiaaaa! – bradavam, enquanto sirenes ecoavam pelo ar, em vários momentos durante a madrugada.

Com um nariz pintado de vermelho, como palhaço, a feirante Lilian Xisto, 33 anos, contornava atordoada os corpos recém-desenhados no chão, com lágrimas escorrendo pelo rosto.

– Eu não consigo enxergar pintura. Eu enxergo a Luana, o João, a Jeniffer... Eu vejo todos eles.

Em 27 de janeiro do ano passado, Lilian passara o dia no ginásio onde estavam enfileirados os corpos. Havia ido até lá procurar pelo marido de uma amiga, grávida de sete meses. Encontrou João e mais 17 pessoas próximas. Não conseguiu ir embora.

A dor coletiva caminha pelas ruas, em uma procissão de barulho e revolta

Voluntariamente, Lilian se dispôs a limpar e recompor cadáveres. Não queria que os pais recebessem seus filhos naquele estado. Abalada, mudou-se depois com a família para Santa Catarina. Queria esquecer, mas Santa Maria foi junto. Na placa do carro, nas memórias, nas perguntas insistentes dos vizinhos. Decidiu voltar.

– Vim pra luta. Pra lutar por Justiça. Estão nos fazendo de palhaços, mas não somos – explicou, com a voz suave e o sorriso doce contrastando com as palavras duras.

Quando o dia amanheceu, a dor coletiva entrou em procissão pelas ruas de Santa Maria. Com galões de plástico e pedaços de madeira transformados em tambores, manifestantes ritmavam a indignação que consome as famílias. Caminharam até o Ministério Público, onde encontraram portões fechados. Deixaram balões brancos. Pelo caminho, sensibilizaram quem tentava seguir a vida, como em um dia qualquer. Funcionários do comércio cruzaram os braços por alguns instantes. Um guarda municipal organizava o trânsito com uma mão e, com a outra, segurava as lágrimas. Mas também cruzaram com motoristas impacientes e lojas abertas – sinal de um lado da cidade que quer seguir adiante. Esses reclamam que Santa Maria já viveu luto por tempo demais. Que não pode ficar paralisada pela dor.

– E se fosse seu filho? – questionavam em resposta os manifestantes, em coro.

Hoje já é dia 28, e a cidade segue dividida. Cindida entre o trauma e a necessidade de recomeçar. No Hospital de Caridade, que no ano passado acolheu centenas de feridos, nenhuma cesárea foi programada para 27 de janeiro. Ninguém queria que seu filho carregasse a data da tragédia na certidão de nascimento.

Mas, em meio ao luto coletivo, sinais de vida também se multiplicam. No mesmo lugar onde centenas de pais aguardavam o vaivém das ambulâncias com pacientes sujos de fuligem no ano passado, familiares de dois sobreviventes da Kiss estavam ansiosos ontem. Esperavam pela chegada do vigilante Jairo Cesar Rodrigues, 39 anos, que vinha correndo para cumprir uma promessa. Há um ano, quando o sobrinho Juliano Almeida da Silva, 23 anos, ficou entre a vida e a morte, o vigilante prometeu que correria um quilômetro para cada dia que ele ficasse internado. Para agradecer, percorreu na manhã de ontem 39 quilômetros desde São Pedro do Sul até a Kiss.

Um ano depois, a madrugada de 27 de janeiro ainda não terminou. Se o tempo não é capaz de curar a dor, precisa ao menos servir para que aprendamos suas lições. E a primeira é que a ausência dói mais quando vem acompanhada de impunidade.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

MANUAL PRÁTICO DO MANIFESTANTE 2.0

FATOS POLÍTICOS, 27/01/2013

Grupo de advogados lança 'Manual prático do manifestante 2.0'



Foto Reprodução.

O grupo “Advogados Ativistas” publicou, em 25 de janeiro, o “Manual prático do manifestante 2.0″, pelo qual é dada orientação jurídica a cidadãos interessados em participar de manifestações no Brasil.

Por Marcos Camponi, Folha Política
:

Faltam algumas horas para o início da temporada 2014 de protestos de rua. Não se esqueça de dar uma olhadinha no Manual Prático do Manifestante 2.0, com orientações jurídicas dos Advogados Ativistas. 




Manual Prático do Manifestante (AA)

NA MANIFESTAÇÃO: Esteja SEMPRE com o seu documento/ Estar com o rosto coberto não é crime/ Não porte NADA ilegal/ Ande sempre em grupos grandes/ Cuidado com o retorno para casa, pois muitas prisões têm ocorrido neste momento/ Tenha o número de algum advogado, se possível.

Se alguém estiver sendo preso não entre no meio. Questionar a abordagem, filmar a ação e os policiais não é desacato. Não ofenda os policiais, isso é desacato. Procure FILMAR a manifestação e as abordagens policiais, caso capture algo relevante procure algum Advogado Ativista e coloque o vídeo na Internet.


NA ABORDAGEM/PRISÃO: Você só pode ser preso em flagrante ou por ordem judicial. Por isso, pergunte o motivo da prisão, demonstrando que não está resistindo, levante a mão e diga literalmente que não está resistindo.

Não argumente com a PM, o trabalho deles é apenas conduzi-lo até a DP (Polícia Civil), ou seja, você não precisa responder perguntas deles, apenas as que se referem aos seus dados pessoais. Se você estiver sendo preso arbitrariamente isso será discutido depois, não xingue os policiais e não reaja.

Mantenha o seu celular bloqueado, pois isso evita que seus vídeos e fotos sejam apagados arbitrariamente. Você não é obrigado a fornecer senha ou liberar o conteúdo sem ordem judicial.


NA DELEGACIA: Você tem o direito de comunicar alguém da sua prisão, seja família ou advogado. O seu depoimento deve ser acompanhado obrigatoriamente por um advogado e você pode permanecer calado, porém, é recomendável que você dê a sua versão dos fatos. Relate os possíveis abusos, porém apenas na presença do seu advogado. Não fale com a PM, apenas forneça seus dados pessoais se for pedido. Seus pertences podem ser entregues ao seu advogado ou familiar caso você queira.




sábado, 18 de janeiro de 2014

A POLÍTICA COMO UM APLICATIVO

ZERO HORA 18 de janeiro de 2014 | N° 17677

ENTREVISTA FÁBIO MALINI

Convidado do seminário Conexões Globais fala do futuro das manifestações



Nos dias 24 e 25, Porto Alegre recebe nova edição do seminário Conexões Globais, com debates e encontros sobre cultura digital, sociedade em rede e ativismo online, entre outros temas. Os convidados incluem o articulador do Fora do Eixo, Pablo Capilé, e o fundador da rede Futura.net, Bernardo Gutiérrez e o pesquisador Fábio Malini. Professor da Universidade Federal do Espírito Santo, Malini é coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da entidade (Labic) e fala no dia 25, às 16h, na Casa de Cultura, sobre os próximos dos protestos e a evolução política do ativismo online. Ele falou a ZH:

Zero Hora – O que o senhor vai debater no Conexões Globais?

Fabio Malini – Vou levar alguns dados novos sobre os movimentos no Brasil, uma espécie de linha do tempo, que vem de junho até esta semana. Do “Vem pra Rua”, passando pelo 7 de Setembro, os impactos do julgamento do Mensalão, dos rolezinhos, da questão indígena. A primeira abordagem é partir dos dados que coletamos aqui no Labic e formar uma cronologia, quase um gráfico de pulsação dos principais instantes dos movimentos que emergem a partir de junho e que, de certa maneira, prosseguem agora, com o “Não Vai ter Copa”.

ZH – E pelo que o senhor vem mapeando, há como prever uma tendência a curto prazo de como devem se desenvolver esses movimentos?

Malini – Estamos trabalhando com um processo de desenvolvimento de aplicações, tecnologias, scripts, que tenta criar um campo a partir dessa massa gigantesca de dados que estão na internet para produzir previsões a curto prazo. A ideia é que na primeira, segunda semana de abril, essa tecnologia já esteja disponível. Agora, do ponto de vista de uma leitura dos dados sem essas tecnologias, me parece que hoje toda mobilização social é de rede, e é impossível dissociá-la disso. isso gera um desencaixe com formas tradicionais de movimentação.

ZH – Qual é essa dissonância?

Malini – A característica dos movimentos de hoje é que eles funcionam um pouco como um aplicativo de celular. Você baixa e ele é atualizado de tempo em tempo. E o que estamos vendo desde junho é um movimento que se atualiza. Ele não passa pelo processo de refluxo, como dizia a teoria dos movimentos sociais tradicional. Ele sofre um processo de atualização: acontece, chega ao ápice, decai, passa por um novo processo de desenvolvimento, que em minha avaliação ocorreu ali por outubro, novembro e dezembro, e agora está se atualizando em outro formato, que passa pelo “Não Vai Ter Copa”, pelo S.O.S. Maranhão... Ele incorpora novos sujeitos, refina determinadas demandas, inclui outras. Estamos, então, vivendo uma espécie de movimento que se pode chamar de “beta-permanente”, em permanente construção. E, em geral, quem governa, por ter sido formado em um movimento político e social que flui e depois reflui, acontece e depois some, não consegue entender bem essa ideia de algo que acontece e se atualiza. Então, na verdade, quando um movimento em rede acontece, esse acontecimento é a última etapa da atualização, não a primeira. O “Não Vai Ter Copa” já estava se constituindo nas redes, e agora vamos vê-lo se atualizando nas ruas. O Rolezinho já acontecia, agora vai se atualizar. Esse é um fluxo contínuo, permanente, de desenvolvimento de direitos. Os novos direitos cada vez mais vão assumir uma dinâmica que articula demanda social, mobilização em rede e atualização desses direitos. A rua se torna o lugar em que esses movimentos se tornam visíveis.

ZH – O movimento ainda está por aí, mas demandas originais parecem ter sumido da pauta, como Pinheirinho, Amarildo ou os Guarani Kaiowá.

Malini – Essa é uma pergunta que em geral é muito comum. Porque tem nela uma certa dúvida que precisa ser discutida, a da efemeridade das pautas. Mas será que essas pautas são mesmo efêmeras? Acredito que não. “Onde Está o Amarildo” possibilitou trazer para o debate político algo que não estava em junho, que é a violência policial, e isso desencadeou, por exemplo, o projeto de lei de desmilitarização que está no Senado; o fim da proibição do funk nas favelas cariocas; a prisão de policiais envolvidos na morte do Amarildo; a discussão sobre as UPPs. Ou seja, o fato de mudar a mentalidade política da gente é um grande avanço. Colocar na agenda política esse tema, e não “como fazer um grande evento”, é uma grande curva que se faz. Tem tanto medidas práticas quanto políticas. Hoje o país está discutindo muito pela rede. As timelines das redes sociais antes discutiam pouca política, e hoje a discussão é o tempo inteiro. E você tem outros temas. A questão da mobilidade urbana: como os governos adotaram essa agenda? Pressionados pelo Movimento Passe Livre. O direito de minorias é outro campo que trouxe bastante questões. Era um tema que em 2013 não estava tão focado, e agora está na pauta dos candidatos. Essa é a importância de uma sociedade civil atuante e que não é articulada ou alinhada com os governos.

POR CARLOS ANDRÉ MOREIRA

sábado, 11 de janeiro de 2014

BRASILEIRO PAGA PARA NÃO SE INCOMODAR


ZERO HORA 10 de janeiro de 2014 | N° 17669


FABIO PRIKLADNICKI | FABIO PRIKLADNICKI - INTERINO

Em defesa do consumidor



Dia desses, no shopping, fui a uma loja da operadora de celular da qual sou cliente para conferir quantos pontos eu tinha. Estava a fim de trocar de aparelho e queria ver se conseguia um desconto. Sendo cliente há muitos anos, imaginei que teria direito a algum benefício. A atendente me informou que eu até havia acumulado pontos, mas não poderia utilizá-los porque eu tinha um plano com fidelidade desde novembro de 2013, quando foi renovado um desconto na mensalidade por um período de 12 meses.

Achei estranho. Nunca me informaram que a tal renovação geraria fidelidade. Para piorar, o desconto não foi efetivado. Passei a pagar uma conta cara.

Na loja, perguntei qual seria a multa caso eu decidisse trocar de operadora. Mais de R$ 600, respondeu a atendente. Daria para comprar o almejado aparelho novo.

Muito bem. Troquei de operadora. Bem assim: saí da loja de uma empresa e entrei na loja de outra. Agora, estou aguardando a multa chegar. Já estou pensando no tempo que terei que dedicar para discutir a cobrança indevida. Se necessário, recorrerei à Justiça.

Não é uma alternativa ruim. O brasileiro está mal-acostumado. Prefere pagar para não se incomodar em vez de se incomodar para não pagar. E assim as empresas vão ganhando uma multa indevida aqui, outra cobrança equivocada ali. Ou alguém já viu errarem o boleto para menos?

Essa é a tese de um grande amigo meu que é advogado: no final do mês, o departamento financeiro destas empresas aparece com um balanço positivo. A renda das cobranças indevidas é maior do que a soma dos valores pagos em danos morais a clientes ofendidos. Isso porque muitos não acionam a Justiça. E os que acionam não fazem cócegas. O que são R$ 5 mil – valor comum de indenizações nesse tipo de caso – para uma operadora de celular?

As indenizações não são altas, na maior parte dos casos, porque o Judiciário costuma entender que isso caracterizaria “enriquecimento ilícito” dos consumidores. Pois esse meu amigo tem uma ideia interessante. Já que não pode haver enriquecimento ilícito, e já que as indenizações não têm pesado no bolso das más empresas, por que não pleitear, na Justiça, que estas corporações paguem um valor relativamente alto que seja revertido a uma instituição beneficente, com apenas uma pequena parte para o cliente? Assim, as organizações que desrespeitam o consumidor seriam de fato penalizadas, os clientes se sentiriam compensados e entidades não lucrativas que fazem o bem para a sociedade ainda sairiam ganhando. E mais: o atendimento aos consumidores melhoraria, o número de processos diminuiria e o Judiciário seria desafogado. Por que não?