A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

ARREPENDIMENTO NO SAQUE DURANTE GREVE PM

REDE GLOBO, FANTÁSTICO Edição do dia 25/05/2014

Fantástico conversa com pessoas arrependidas de saque em PE. Durante dois dias, pessoas aproveitaram a greve da PM e agiram de forma violenta. Quase 300 eletrodomésticos e produtos eletrônicos foram devolvidos.




O Fantástico foi até a casa de algumas dessas pessoas arrependidas dos saques em Pernambuco. Afinal de contas? O que levou esse pessoal, da noite para o dia, a participar de um saque em massa?

“Eu estava passando, olhando no meio da multidão, aí a cafeteira estava na frente da loja e eu peguei. Mas eu não preciso disso não, porque eu tenho cafeteira, eu tenho geladeira, eu tenho tudo na minha casa”, conta uma dona de casa que preferiu não se identificar.

Uma dona de casa perdeu o sono, o apetite e tem tido crises de choro frequentes. Ela nunca imaginou que fosse capaz de cometer um crime por tão pouco.

Assim como ela, centenas de trabalhadores, sem antecedentes criminais, deram origem a cenas inimagináveis, em Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife.

Durante dois dias, mulheres, homens, crianças e idosos aproveitaram a greve da Polícia Militar e agiram de forma violenta. Cenas de vandalismo, correria e pânico. Pessoas invadiam e saqueavam lojas e mercados.

Um pintor, que não quis se identificar, levou uma televisão para casa. “Na hora ali, todo mundo pegando ali, eu passei na hora eu disse: ‘Vou pegar um pra mim também’. Mas só que quando eu cheguei em casa veio o arrependimento”, lembra.

Fantástico: Ficou com vergonha da família?
Pintor: Com certeza.
Fantástico: Dos filhos?
Pintor: De todo mundo, dos amigos, todo mundo criticando, todo mundo: ‘pô, não tem precisão disso, não’. E, realmente não tem não.

Um garçom também se aproveitou da situação. “Eu sou pai de família, tenho três filhos. E chegar em casa com aquele negócio, estava dando mau exemplo para os meus filhos, né?”, contou.

Muitos que participaram do vandalismo era gente honesta, trabalhadora e não tinha passagem pela polícia, como um aposentado de 68 anos. Senhor José Salvino vive com a mulher e cinco filhos em uma casa simples, onde não falta nada. Mesmo assim, aproveitou os saques para pegar um ventilador e um exaustor de ar para cozinha.

Fantástico: O senhor consegue viver dignamente com o seu trabalho, o seu salário?
José: Com o meu salário, graças a Deus, até aqui ninguém morreu de fome. Não era nem pra eu ter pegado isso.
Fantástico: Não precisava?
José: Eu não estou dizendo à senhora? Foi um catuco, assim: ‘Vai, vai. vai’.
Fantástico: Uma tentação? Um impulso?
José: Uma tentação, mas depois eu fiquei nervoso.

O que motivou esses atos?

“Quando é que acontece isso? Por exemplo, quando nós temos a garantia do anonimato. A gente pode fazer uma coisa que nunca vai ser descoberta, aí realmente tem que ter uma regra moral muito forte pra que ele não faça. Se a pessoa não tiver uma formação ética e moral muito grande, se ela puder contar com o anonimato, ela vai infringir a lei de alguma forma. Outra, importante, é agir em multidão, porque isso tira a responsabilidade, ninguém é responsável por nada, foi uma manada, foi um bando que agiu”, explica o psiquiatra forense Miguel Chalub.

Fantástico: Você está arrependido de verdade?
Garçom: De verdade mesmo.
Fantástico: Não foi só o medo da polícia?
Garçom: Medo não, arrependido mesmo.

Em 35 anos de profissão, o delegado de Abreu e Lima, nunca tinha visto nada parecido.

“Houve participação grande de pessoas de bem, idosos, mulheres, crianças, pessoas até com uma renda familiar considerável”, conta o delegado Alberes Félix.

Depois da onda de saques, outro gesto inesperado surgiu envolvendo os mesmos personagens. A mesma população que roubou, saqueou e destruiu foi capaz de se arrepender e de praticar um gesto nobre.

Quase 300 eletrodomésticos e produtos eletrônicos foram devolvidos. Grande parte está danificada, amassada ou faltando peças. Na delegacia já não cabia mais nada. As salas ficaram abarrotadas com eletrodomésticos devolvidos ou que foram abandonados nas ruas.

Dona Terbita, de 71 anos, fez questão de devolver a cafeteira e o telefone que o neto pegou num mercado: “Nada, nada, nada sem ser meu eu não quero. Tudo aqui é meu, olha. Tudo comprado com o meu esforço”.

As pessoas que foram espontaneamente até a delegacia e devolveram os produtos roubados, escaparam da autuação em flagrante. Não foram presas. Mas isso não quer dizer que não haverá punição.

“Eu entendo que se tratou de roubo cuja pena é de quatro a dez anos. Também há circunstâncias que qualificam esse roubo, como o fato dele ter sido praticado por muitas pessoas. Quem estava defendendo seu patrimônio, fossem os proprietários e os empregados que ficaram trancados lá dentro, se sentiram especialmente ameaçados” argumenta Elizabeth Süssekind, professora de criminalística da UniRio.

“Errar é humano, viver no erro é burrice. Se eu errei, eu estou aqui hoje falando para todo mundo que se arrependa, minha gente, e venha entregar suas coisas”, pede a dona de casa que participou dos saques.

domingo, 25 de maio de 2014

GREVES, O QUE OS POLICIAIS CIVIS TÊM A ENSINAR AOS PROFESSORES

REVISTA VEJA 24/05/2014 - 22:40

Agentes organizaram uma manifestação nacional, sem danos à população, para cobrar melhorias no combate ao crime - não só salários. No Rio, professores manobrados pelo sindicato descumprem acordo judicial e, depois de mais de 70 dias de greve no ano passado, insistem em fechar ruas

João Marcello Erthal e Pollyane Lima e Silva



Policiais em greve se reunem na Cidade da Polícia, no Rio (Marcelo Carnaval/Agência O Globo)

A semana de greves e manifestações trouxe duas surpresas para a população das grandes cidades brasileiras. A primeira, positiva: os policiais civis, frequentemente criticados por ineficiência e apontados como parte dos problemas de segurança, organizaram um movimento nacional com uma pauta que tinha, em primeiro plano, uma discussão sobre o combate ao crime, não apenas questões salariais. A segunda constatação é no sentido contrário. Tidos como heróis da educação, por sua importância para a formação dos brasileiros, professores das redes municipal e estadual do Rio foram tragados em uma mobilização por salários que, ao mesmo tempo, atropela os interesses dos alunos e descumpre acordos formalizados pela categoria.

Os salários de professores e policiais, bem como o de médicos e outros profissionais do serviço público, são uma vergonha nacional. E os vencimentos dessas categorias estão diretamente ligados ao desempenho que se quer na segurança, na educação e na saúde dos brasileiros. O problema se agrava quando as demandas das categorias se descolam do interesse público e passam a ser controladas por objetivos políticos.

A mobilização nacional dos policiais deixou o país apreensivo. Afinal, uma semana depois da trágica paralisação da Polícia Militar em Pernambuco, com lojas saqueadas e a população em pânico, havia o medo de uma repetição da baderna em escala nacional. O desfecho do movimento convocado pela Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol) foi bem diferente. A visibilidade do ato foi nacional, com passeatas no Rio e em Brasília. No entanto, houve ordem e respeito ao cidadão, com delegacias abertas, efetivo mínimo garantido para ocorrências graves e, o mais importante, sem transtornos que penalizassem a população. O tom pacífico não significa que os policiais vão esperar de braços cruzados por uma resposta dos governos. Uma reunião marcada em Brasília, na próxima semana, deve determinar os rumos do movimento, que pode incluir até novos protestos – inclusive em plena Copa do Mundo. “Vamos dar prazo para receber um posicionamento do governo, que indique que ele está disposto a dialogar. Reivindicamos uma política nacional de segurança pública, e queremos participar da elaboração”, afirmou ao site de VEJA o presidente da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol), Jânio Gandra.

O movimento iniciado pelos policiais civis é, para o professor Rodrigo Azevedo, pesquisador da PUC-RS, especializado em ciências criminais, um avanço em matéria de debate em favor da segurança pública. “Essa mobilização ampla tem relação direta com o tema da reforma da polícia. Os policiais percebem e cobram a necessidade de haver um ciclo completo de polícia, para o bem da investigação criminal. O debate vem acontecendo, e é a partir dele que podemos chegar a uma reorganização interna das instituições”, avaliou, em entrevista ao site de VEJA.

Na saída do Túnel Santa Bárbara, uma mulher pede urgência para liberar ambulância, em meio ao protesto de professores

Professores – O Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe), que comanda a paralisação dos professores no Rio, é o mesmo que, em 2013, deu sinal verde para o movimento Black Bloc atuar em seus protestos. Oficialmente, o sindicato abraçou os mascarados como “força de defesa” dos professores – tornando-se, portanto, solidário com o quebra-quebra que se viu em uma das manifestações armadas para o centro da cidade no ano passado. Na última quinta-feira, um grupo de cerca de mil professores parou o trânsito de uma parte da Zona Sul do Rio, em um protesto improvisado em frente ao Palácio Guanabara – sede do governo estadual. Imagens do jornal O Globo mostraram uma ambulância presa no congestionamento causado pelo protesto, enquanto uma familiar do paciente transportado apelava e tentava abrir caminho. Uma jornalista da Rede Globo sofreu intimidações e foi atingida por garrafas de água mineral enquanto cobria a manifestação.

O Sepe empurra os professores para a rejeição pela população. E demonstra desrespeito pelas instituições. No último dia 13, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu o acordo judicial que havia sido firmado, no ano passado, entre professores estaduais e municipais com o governo e a prefeitura do Rio. O ministro considerou que os professores desrespeitaram o acordo. O Sepe não enviou representantes para uma reunião agendada com o ministro em Brasília, justamente para tratar da campanha salarial. Antes que houvesse reunião, o sindicato decidiu iniciar uma nova greve.

“Nesse cenário, em que o Sepe não demonstra qualquer interesse de fazer cessar a greve, entrevejo que as obrigações contidas no acordo firmado ficam suspensas, bem como os seus efeitos, até que ocorra a cessação da greve que se encontrava interrompida desde o final do ano passado e foi reiniciada em 12 de maio de 2014”, disse o ministro. Na última quinta-feira, os servidores das redes estadual e municipal do Rio decidiram manter a paralisação, que penaliza os estudantes ainda tentando recuperar o tempo perdido com a greve de 2013.

Na última semana, a greve que afetava os alunos das redes municipal e estadual chegou também à rede federal. Neste sábado, uma comissão da pais e responsáveis por alunos do Colégio Pedro II vão se reunir para protestar contra a greve em frente à unidade Humaitá, na Zona Sul. Professores e servidores entraram em greve no sábado, dia 17, para cobrar a antecipação imediata dos 5% de reajuste programados para março de 2015 – em acordo assinado pelo sindicato da categoria depois de uma greve em 2012. O motivo alegado pela categoria é o aumento da inflação. Cobrar uma renegociação é legítimo, mas quem está sendo penalizado no momento, com o formato escolhido para pressionar o governo – a greve – são os alunos. O mote da campanha das famílias prejudicadas resume o que os mestres deveriam enxergar: “Lugar de aluno é na escola”.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

O POVO SUMIU

ZERO HORA 05/05/2014 | 15h26

Bloco de Luta tenta retomar o apoio popular em Porto Alegre. Participação da população não aumentou mesmo com o desaparecimento dos vândalos em protestos recentes




No final de abril, manifestantes pediram a participação de moradores na Avenida Borges de MedeirosFoto: Mauro Vieira / Agencia RBS


Passado quase um ano dos protestos de junho de 2013, o público das manifestações minguou em Porto Alegre. Organizador das marchas que sacudiam a Capital ainda antes de as manifestações se espalharem pelo Brasil naquele mês, o Bloco de Luta pelo Transporte Público sentiu o recente sumiço do povo. Agora, com a proximidade da Copa, o quer de volta às ruas.

A convocação foi feita na noite 24 de abril deste ano. As luzes piscavam nos apartamentos da Avenida Borges de Medeiros, uma das principais do centro de Porto Alegre, em resposta ao chamado que vinha da rua. Os moradores estavam sendo convocados pelos manifestantes do Bloco de Luta. Os cânticos de "quem apoia pisca a luz" voltavam a ser entoados quase um ano depois das jornadas de junho de 2013, quando milhões de pessoas ocuparam as ruas de diversas cidades do país, sob as mais variadas vindícias.

Naquela época, as luzes acendiam e apagavam, intermitentes, nos prédios da Borges, da João Pessoa e de outras vias enquanto milhares marchavam e, horas depois, vidraças de bancos eram quebradas e ônibus, incendiados. No dia 24, porém, apenas um punhado de manifestantes do Bloco atravessou a Borges. Quando se esperava que a proximidade da Copa atrairia multidões cada vez maiores, o contrário ocorreu. O povo debandou dos protestos em Porto Alegre.

Do apoio, alguns participantes passaram ao repúdio. Ao longo dos últimos meses, foi comum encontrar comentários assim no perfil do Bloco no Facebook e nas postagens na rede social de matérias de Zero Hora sobre as manifestações:

— Enquanto tiver vandalismo, não participo dos protestos.

Não houve vandalismo na marcha de 24 de abril. Os integrantes do Bloco aproveitaram o rumo pacífico e chamaram os moradores. "Quem apoia pisca a luz." Algumas lâmpadas bruxulearam.

Jornalista e relações-públicas, integrante do movimento Juntos e participante do Bloco, Gabi Tolotti garante que não existe orientação para que manifestantes seguidores da tática black bloc — constantemente apontados como os responsáveis por quebra-quebras — parem com o vandalismo para trazer o povo de volta às ruas. Há, afirma Gabi, outra tática de reaproximação da população. Ações "descentralizadas", como a coleta de assinaturas para projeto de encampação das empresas de ônibus pela prefeitura, são um exemplo de estratégia. As panfletagens também se multiplicam. Assim como muitos de seus companheiros do Bloco, Gabi defende a mobilização de massas.

— Uma passeata bonita, que chame a atenção, ganha muito mais porque as pessoas querem fazer parte disso. Não concordo com essa linha (de praticar vandalismo). Se a pessoa fica com medo do que está acontecendo, ela se afasta. Esses atos nos isolam da população — observa.

Gabi comenta que não tem como um levante durar dois anos, "senão seria uma revolução". O desgaste também atingiu os manifestantes organizados. Integrantes do Bloco dedicaram boa parte de suas vidas ao movimento durante todo o ano passado. Uma parcela expressiva do grupo é formada por estudantes, e há quem tenha perdido muitas aulas, só para citar um exemplo de prejuízo.

Uma esperança de retomada é o 15M, uma ação nacional que deverá tomar corpo no próximo dia 15 e tem o objetivo de ser uma segunda fase das jornadas de junho, com o peso de ser às vésperas da Copa.

Na ótica de Matheus Gomes, do PSTU — um dos partidos que compõem o Bloco de Luta —, o maior prejuízo foi causado pela repressão ao movimento. Gomes é um dos indiciados pela Polícia Civil por distúrbios em protestos. Ele teve a sua residência vasculhada por agentes em busca de provas.

— O governo apostou desde o início do ano em uma ofensiva de repressão ao movimento, acompanhada de uma propaganda que tentava criminalizar os manifestantes. Isso, em um primeiro momento, está gerando um refluxo nas mobilizações de rua. Mas o que o governo está fazendo tem um limite. A gente sabe que foi a repressão ao movimento em São Paulo que incentivou as pessoas a irem para as ruas no ano passado — afirma.

Pode estar faltando capacidade de articulação, diz especialista

Diferentemente de movimentos que vigoraram até os anos 90, liderados por uma vanguarda sindicalista, estudantil ou partidária, os protestos de agora têm se organizado em rede e sem comando aparente, explica o jornalista Felipe de Oliveira, especialista em movimentos sociais e doutorando em Ciências da Comunicação. No momento, o que tem contribuído para o esvaziamento dos protestos, analisa Oliveira, é uma falta de capacidade de articulação nessa rede.

Enquanto no ano passado a aglutinação em torno do repúdio ao aumento das passagens vingou nesse formato, depois se desdobrando em novas reivindicações, hoje o questionamento à Copa — uma das principais bandeiras das manifestações — parece não estar comovendo a população. Para Oliveira, falta uma primeira pauta concreta que induza a indignação nas pessoas e, a partir dela, saiam às ruas com as suas várias reivindicações.

— A Copa é como se fosse uma pauta que não toca concretamente as pessoas. É como se eu soubesse que há problemas na saúde e na educação, mas não os relaciono aos investimentos para a Copa. Isso torna mais difícil a articulação em rede — argumenta.

Historiador compara com ditadura e Diretas Já

O historiador Voltaire Schilling compara o panorama atual ao período da ditadura militar e ao movimento das Diretas Já, dos quais participou ativamente. As bandeiras eram claras e abrangentes, como recuperar o direito de votar. À qual ele contrapõe a reivindicação-base de 2013, a tarifa de ônibus. No ano passado, a passagem foi reduzida de R$ 3,05 para o preço de 2012, R$ 2,85, na capital gaúcha. No entanto, apesar de parecer uma luta por migalha na comparação com as Diretas Já, os 20 centavos viraram bordão ("Não é só pelos 20 centavos") e incentivaram outras demandas — saúde, educação, habitação, igualdade racial e de gênero e até pelos direitos dos animais. E o povo encampou o movimento em 2013.

No último aumento, as passagens de ônibus em Porto Alegre subiram de R$ 2,80 para R$ 2,95, no início de abril. Menos do que os famosos 20 centavos. Mas sabe-se que, se as massas outra vez saírem de suas casas, não será somente pelos 15 centavos.

domingo, 4 de maio de 2014

O DESENCANTO COM O BRASIL

REVISTA ISTO É Edição: 2319 | 03.Mai.14

Um estudo inédito revela o que os brasileiros pensam do País: um lugar desonesto, violento e ruim para se viver

Amauri Segalla e Paula Rocha





Se o Brasil fosse uma pessoa, como ela seria? Alegre? Confiável? Distinta? Para uma parcela considerável da população, nenhum desses atributos traduz a verdadeira alma brasileira. Se o Brasil fosse alguém de carne e osso, a principal característica, aquela que se vê logo de cara, seria a desonestidade. Um estudo inédito realizado pela consultoria BrandAnalytics, empresa ligada à Millward Brown Optimor, um dos maiores grupos de pesquisa do mundo, revela o que os brasileiros pensam do País. Obtidos com exclusividade por ISTOÉ, os resultados são espantosos. Os entrevistados receberam uma lista com 24 palavras e tiveram que apontar quatro delas que definissem com exatidão a nação onde vivem. Metade das pessoas declarou que a palavra “desonesto” descreve a personalidade nacional. E mais: apenas 18% das pessoas afirmaram que o Brasil é o lugar ideal para viver, praticamente o mesmo percentual (17%) que apontou o Japão como o país preferido. Trata-se do índice mais baixo entre quatro nações pesquisadas. 


Segundo o estudo, 52% dos americanos, 30% dos ingleses – pessimistas por natureza, lembre-se – e 26% dos chineses escolheram seu próprio país como o lugar perfeito para viver. Não é preciso muito esforço para entender o que a pesquisa evidencia. Os brasileiros estão, afinal, desencantados. “O levantamento mostra um índice de insatisfação surpreendente”, diz Isa Telles, associada da BrandAnalytics e coordenadora do estudo. A mesma descrença é confirmada pela pesquisa ISTOÉ/Sensus, tema da reportagem de capa desta edição. Neste caso, 50,2% dos brasileiros não consideram que o País está no rumo certo.



O que explica tanta desilusão? Basta dar uma espiada no noticiário para conhecer a incivilidade que permeia a vida de cada um de nós. Em São Paulo, alguém esquarteja o corpo de um motorista de ônibus e espalha partes dele pela cidade. No Rio, amarram um negro num poste e o espancam. Em Brasília, presos graúdos passam o tempo vendo jogos de futebol em tevês de plasma, enquanto no resto do País os cárceres são depósitos humanos degradantes. Em Belo Horizonte, hospitais públicos recusam atendimento a uma criança à beira da morte. No Nordeste, faltam professores. Em quase todo o Brasil há escassez de água, e os governos, sejam eles de qualquer cor partidária, atribuem a culpa sempre aos outros, sem jamais assumir responsabilidades. Por onde se anda as pessoas reclamam do preço de tudo o que se consome, do tomate na feira, do iPhone na loja da Apple, da passagem de ônibus, do carro esportivo. A economia não anda. As obras da Copa não saíram como o prometido. Os políticos querem o poder apenas pelo poder. O trânsito é horrível. A violência bate à nossa porta. Como ser feliz em um lugar assim? “Os resultados da pesquisa demonstram que grande parte da população não confia nem no País nem no seu semelhante”, diz Dulce Critelli, professora de filosofia da PUC de São Paulo. “É a representação concreta da ideia de que é preciso se defender não só dos outros, mas também de seus governantes.”



Talvez isso explique por que cada vez mais brasileiros achem que a melhor saída é o aeroporto internacional. Moradores do Rio de Janeiro, o publicitário Pedro Henrique Ramos, 31 anos, e a produtora cultural Liana Saldanha, também 31, estão aprontando as malas para mudar para Portugal, em julho. Na terra dos antepassados, acreditam, terão melhores condições para criar os futuros filhos. “Comparo a vida de meus amigos que moram em Portugal com a dos que vivem no Brasil e vejo que lá fora há mais perspectivas”, diz o publicitário. “Aqui não temos serviços públicos decentes nem escola e hospitais.” O que impressiona é que, profissionais de certo sucesso no Brasil, eles vão largar tudo para se aventurar mundo afora. Mesmo diante das incertezas de lá, acham que vale a pena fugir das certezas desagradáveis daqui.




Se você nunca foi enganado, pergunte a um parente ou amigo se já sofreu algum golpe e a resposta provavelmente será sim. As mazelas nacionais estão aí, em qualquer área ou atividade, tão visíveis quanto um assalto à luz do dia. A secretária Daiane Alves de Lima, 20 anos, foi convencida a pagar R$ 80 – sim, apenas isso – por mês para comprar a casa própria. Era uma mentira, um golpe deslavado. “Não desconfiei de nada”, diz. “Só quando compareci a uma reunião do projeto é que passei a questionar a validade dele.” Daiane perdeu dinheiro e pediu a ajuda do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor do Sistema Financeiro para checar se deveria continuar no projeto. Na saúde, os golpes se sucedem. A securitária Luciane de Paula e Silva, 41 anos, decidiu fazer, em abril de 2013, uma cirurgia para colocação de um balão intragástrico em uma clínica particular. Pagou R$ 12.712 pelo serviço. Um dia antes da operação, foi informada que ela havia sido cancelada. “Naquele momento, decidi desistir da cirurgia, pois perdi a confiança na clínica”, diz ela. O que Luciane não sabia é que ali começaria uma batalha que se arrasta até hoje. “Fiz um acordo com a clínica em que eles me devolveriam parte do dinheiro da cirurgia”, conta. “Para o meu espanto, os cheques da clínica voltaram, pois não tinham fundos.”



A pesquisa da BrandAnalytics confirma o que outros estudos já sugeriram: o descrédito profundo nas instituições, quaisquer que sejam elas. Segundo o levantamento, 81% dos entrevistados disseram que, para realizar seus sonhos, dependem essencialmente de esforços individuais. Só 13% responderam que precisam do suporte do governo. João Bico de Souza, 47 anos, é dono da Tecnolamp, uma empresa de iluminação com 40 funcionários diretos e 400 colaboradores temporários. “Abrir a empresa foi uma dificuldade”, diz. “Foram pelo menos dois meses de protocolos e burocracias.” João é o que se pode chamar de empreendedor nato. Filho de operário e de dona de casa, começou a trabalhar aos 15 anos, como balconista. Aos 22, já era empresário. O que o Brasil ofereceu para que seguisse em frente? Pouca coisa. “Falta apoio ou retorno do governo”, afirma. Tudo o que conseguiu, assegura ele, foi graças ao seu brutal esforço.



No clássico “Raízes do Brasil”, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, ao falar do homem cordial como uma marca indestrutível do caráter brasileiro (cordial não quer dizer para ele bondoso, mas retrata principalmente os que agem movidos pela emoção e não pela razão), desdobra-se também sobre o que chama de “personalismo” do cidadão brasileiro. No Brasil, diz Holanda, as pessoas cultuam o mérito pessoal (é o popular “cada um por si”), em vez do trabalho coletivo. O individualismo exacerbado se reflete, na análise do historiador, em organizações sociais e governos frágeis. “A nossa pesquisa revela que o brasileiro não tem uma visão de País”, diz Isa Telles, da BrandAnalytics. Seria isso resultado da conjuntura ou de um processo histórico? Provavelmente, as duas coisas. Se o individualismo contribuiu para a formação do que se pode chamar de psique brasileira, nos dias atuais ganhou alento graças ao desgosto com os rumos do País.



O grau de insatisfação dos brasileiros começou a ser escancarado em julho do ano passado, quando milhares de pessoas foram às ruas gritar contra as coisas erradas do País. Mas é um equívoco dizer que tudo ficou ruim de repente. De certo modo, o desencanto tem a ver com o próprio despertar dos brasileiros. É inegável que o Brasil avançou em muitas áreas nos últimos anos. A miséria diminuiu, a classe C teve acesso a bens como jamais tivera, a renda dos trabalhadores aumentou. Mas será apenas isso que buscamos? Com o avanço da economia, os brasileiros passaram a conhecer outras realidades. Viajaram, foram morar fora e com a internet tiveram maior acesso à informação. Descobriram, enfim, que há muitos mundos por aí – e realidades mais amigáveis que a nossa. O economista alemão Albert Hirschman desenvolveu uma teoria psicológica que explica a baixa tolerância das pessoas com o seu próprio destino quando se deparam com outro melhor. Ele chamou isso de “efeito túnel.” Se você está num congestionamento e a pista ao lado começa a andar, logo se enche de esperança e imagina que seu carro vai se movimentar também. Se a expectativa é frustrada, você fica furioso: “Por que eu não estou na outra pista?”



Falar mal do Brasil é um dos esportes preferidos da nação. Sempre foi assim. Sobre o País, o jurista, político e escritor Ruy Barbosa disse o seguinte lá no século XIX: “De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar diante da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.” O que Barbosa disse não é muito diferente do sentimento de desencanto revelado pelos brasileiros na pesquisa da BrandAnalytics. “Se para a corrupção não há punição, a sociedade acaba se acostumando com as transgressões diárias das leis”, diz o economista Gil Castello Brasil, da Ong Contas Abertas. “Mudar essa cultura depende de um longo processo de educação. Nesse sentido, mostrar-se insatisfeito e indignado é bastante positivo.” O cientista político Fernando Weltman, da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, acha que o resultado do estudo expõe a baixa autoestima do brasileiro, consagrada por Nelson Rodrigues na expressão “complexo de vira-latas.” “As características apontadas na pesquisa reforçam o estereótipo de que os brasileiros são simpáticos e charmosos, mas podem te passar a perna”, diz Weltman.



Isso realmente corresponde à realidade? Olhe para o lado e pense bem: a maioria das pessoas de seu convívio é desonesta? Elas querem levar vantagem sobre você? Não teria sido a impressão generalizada de desonestidade apontada na pesquisa um reflexo da má imagem que temos de nossos governantes? Não seria resultado dos índices chocantes de violência? Segundo a BrandAnalytics, hoje a maior preocupação dos brasileiros diz respeito justamente à segurança – segundo a ONU, 11 das 30 cidades mais violentas do mundo são brasileiras. É desnecessário dizer que, por mais que o Brasil tenha alimentado uma lamentável escola do crime nos últimos anos, as pessoas de bem, claro, representam larga maioria. O interessante da pesquisa é que os brasileiros julgam o Brasil um país desonesto, mas avaliam a si mesmos de maneira positiva. “É natural atribuir a si qualidades, mas achar que os outros não as têm”, diz Weltman, da FGV. Se metade dos entrevistados acredita que a principal característica do País é a desonestidade, 58% se dizem dignos de confiança. Ou seja, o meu vizinho é mau, mas eu sou bacana. No fundo, o que a pesquisa revela é que o Brasil tem um milhão de problemas para resolver e é só com a indignação – e o desencanto – que dá para sonhar com um país verdadeiramente melhor.

Foto: Felipe Varanda, Pedro Dias, João Castellano/Ag. Istoé, Pablo Jacob / Agência O Globo; MARCOS BIZZOTTO; Rogério Cassimiro/Folha Imagem


CAMINHADA POR JUSTIÇA

ZERO HORA 03/05/2014 | 14h46


Esquecer jamais. Caminhada em Santa Maria pede justiça no caso Bernardo. Familiares de vítimas da Kiss e de crimes violentos fizeram manifestação

por Marilice Daronco



Grupo carregou cartazes com fotos de Bernardo e pedidos de justiçaFoto: Gabriel Haesbaert / Especial


Uma caminhada na manhã deste sábado, em Santa Maria, reuniu cerca de 50 pessoas para homenagear Bernardo Boldrini, menino de 11 anos que desapareceu no dia 4 de abril, em Três Passos, e foi encontrado morto no dia 14, no interior de Frederico Westphalen.


A manifestação foi organizada por familiares de vítimas da boate Kiss e famílias de vítimas de crimes violentos. Ela saiu da Praça Saldanha Marinho, com as pessoas carregando cartazes com fotos de Bernardo e pedidos de justiça. A maioria das frases pedia que a morte não seja esquecida, que os culpados sejam responsabilizados e lamentava que o pedido de socorro do garoto às autoridades — o menino havia procurado por ajuda no Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cededica), de Três Passos. O término da manifestação foi na Igreja das Dores, onde o padre Francisco Bianchini, o padre Xiko, fez uma bênção especial para as famílias.


— Participar de eventos como esses é importante para despertar a consciência da sociedade de que ela precisa mudar os seus valores e atitudes, para que haja mais amor ao próximo e mais solidariedade. Se não nos unirmos, as coisas continuarão como estão ou até tendem a piorar — afirma Irá Marta Beuren, 63 anos, mãe de Sílvio Beuren, morto na tragédia da boate Kiss.


O aposentado Eglon Pietrowski, 56 anos, não perdeu nenhum familiar em situações violentas, mas resolveu participar porque se sentiu sensibilizado com o assassinato de Bernardo.


— Chorei três dias seguidos por esta criança — contou Pietrowski.


Entre os participantes da caminhada, que ocorreu em Santa Maria porque ela é a cidade natal de Bernardo e onde ele foi sepultado, estavam alguns familiares do menino, como a prima dele Tuanny Uglione, 22 anos. Segundo ela, para a família, foi muito importante ver que algumas pessoas estão mobilizadas para que haja justiça no caso.


— Ele era uma criança, uma criança inocente, e isso mexe com as pessoas. Se ver uma morte injusta de um adulto já é difícil, imagine de uma criança, indefesa, que buscou ajuda e não foi ouvida — afirmou Tuanny.


Durante a bênção aos participantes, padre Xiko pediu que todos rezassem juntos o Pai Nosso e pediu que Maria olhe pelas famílias, lembrando que ela também perdeu um filho de forma injusta.

FELIZES POR ACOMODAÇÃO


 ZERO HORA 04/05/2014 | 08h02


"Os gaúchos estão felizes, mas por acomodação", afirma Jorge Gerdau Johannpeter. Presidente do Grupo Gerdau faz diagnóstico gestão no país e não foge do espinhoso tema da Petrobras

por Maria Isabel Hammes,





Gerdau diz que o pleno emprego não obriga mais ser amigo de alguém para conseguirFoto: Fernando Gomes / Agencia RBSUm dos mais conhecidos empresários brasileiros, Jorge Gerdau Johannpeter tem receitas claras para o país. Algumas são dolorosas e exigem mudanças bruscas. Sem papas na língua, tem diagnóstico preciso do que deve ser feito, confessa estar um pouco cansado de discussões e diz que já está na hora de buscar soluções.

Mas o presidente do conselho de administração do Grupo Gerdau, um império siderúrgico que reúne 45 mil colaboradores e fatura R$ 40 bilhões, vai em frente e diz, taxativo, que seu propósito é cuidar do “Brasil SA”. Com qualquer candidato – Aécio Neves (PSDB), Eduardo Campos (PSB) ou Dilma Rousseff (PT), de quem já foi interlocutor frequente e hoje está um pouco mais distanciado em decorrência da campanha eleitoral.


Na entrevista que se estendeu por uma hora e meia no sóbrio e silencioso prédio do conselho de administração da Gerdau, na Capital, em uma manhã de sol tímido, ele não fugiu do espinhoso tema da Petrobras.

Na estatal que está na mira da oposição, ocupava uma cadeira no conselho na época da compra da refinaria de Pasadena. Durante a entrevista, criticou os gaúchos que estão felizes, mas por “acomodação”, e também revelou um pouco como é viver com tanto poder, o que faz com a paparicação, às vezes excessiva, com que é tratado e como “foge” dos bajuladores.

No comando de um grupo que tem operações em 14 países, como o senhor avalia as vantagens e desvantagens do Brasil frente aos demais?


Não tem uma resposta absoluta, cada povo, país, grupo empresarial tem peculiaridades e características próprias. Mas o brasileiro tem habilidades de relacionamento e comunicação que o diferenciam, é cultural. Nenhum país tem mais habilidade na condução do problema do Haiti do que o Brasil, por meio do Exército. A ONU e todo mundo querem o Brasil lá, é uma habilidade nata, talvez pelos fluxos culturais – portugueses, influência africana, do próprio índio e depois dos imigrantes. A miscigenação dá uma característica valiosa, com impacto no processo. Mas também analiso outro aspecto: a mudança no cenário mundial e a necessidade de nos adaptarmos. Temos a aptidão humana, mas talvez não as estruturas institucionais que garantam. Esse é o tema mais complexo.


Qual seria esse tema?


As mudanças que aconteceram na globalização, processo muitas vezes não muito bem entendido. A real globalização provoca temor porque exige mudanças. Mas o mais interessante é que o grande fator de tecnologia fez a globalização acelerar.

No Brasil, não temos muitos think tanks (centros de debates de ideias), a matéria não é muito trabalhada e tem outro tema que me preocupa mais: a distância entre o empresariado, mundo político e acadêmico.


Por preconceito?


Quando a coisa é complicada, os três (empresariado, mundo político e acadêmico) têm e conversar. Tem preconceito de tudo que é lado. Nem sei quem tem mais, nem interessa. Solto minhas angústias pessoais e globais em relação ao país e ao Estado porque sinto a inteligência de ajustamento que as empresas têm de fazer com as mudanças. Mas é uma região, um Estado e um problema do país. São três níveis de núcleos sociais estruturados institucionais, que devem debater e propor. Sem pretensão de um saber mais do que outro, mas com humildade para trabalhar sobre os temas. Acho que esse tema em relação ao Rio Grande do Sul é um dos mais complexos e delicados que existem e, se eu tomar o Brasil, da mesma forma.


A questão é que o Rio Grande do Sul está com situação financeira muito delicada. Existe a possibilidade de a arrecadação do próximo governador só servir para pagar funcionários.


Já é assim, mas o atual (governo) conseguiu fazer a ampliação de empréstimos. Quanto aumentou o nível de endividamento do Estado nos últimos anos? Isso é fruto de questões estruturais, históricas, não é um problema deste governo. Tenho uma pesquisa recente sobre o Rio Grande do Sul: o índice de pessoas que sabem o que tu estás falando é mínimo. Estamos festejando que tivemos um crescimento econômico fantástico, mas que, somado ao do ano anterior, nos deixa na média histórica.


É o problema da falta de avanço sustentado?


Foi o mesmo quando o Brasil cresceu 7,5% em 2010, no ano anterior foi negativo, ou seja, voltamos à média. Se tomo a média de crescimento do Brasil nos últimos 30 anos, foi 2,6%. Nos anos 2000, com o Plano Real, melhorou um pouco, para 3%. Mas, se deduzir o crescimento demográfico em 30 anos, tenho expansão média de 1,1%. Isso significa que, para dobrar a renda do brasileiro, precisa cem anos. A notícia é desagradável, mas se vincula ao meu conceito e preocupação de que devemos ter humildade para dialogar sobre a nossa realidade e fazer a pergunta: qual o nosso propósito?


O propósito não é uma sociedade mais justa?


O propósito da arrecadação no Rio Grande do Sul é remunerar bem os seus funcionários. Acho que tem de ser bem remunerado, mas precisa sobrar um dinheirinho para investimento. Na análise do Banco Mundial e da Fundação Getulio Vargas, tem um número muito simples. Quem não poupa 20% do PIB não cresce mais de 2% ao ano. E, no Brasil, o investimento fica em 17%, 18%. Assim, crescemos cerca de 2%, e bate o desespero. Nos últimos 10, 15 anos, a média do Estado é sempre 0,5 ponto percentual inferior à do país. Temos uma pequena vantagem, pois nosso crescimento demográfico é menor, ou seja, o saldo per capita melhora um pouco. A questão é analisar a estratégia.


Não precisamos refletir sobre a mudança de perfil da economia do Estado, para não depender de São Pedro?


O perfil entra aí, de novo, na macroanálise das políticas ou propósitos. Não se discute onde chegar, mas o terrível é que, se você pergunta ao cidadão médio do Rio Grande do Sul, você verá que ele está feliz. Não comparamos direito as coisas: se olharmos a logística de São Paulo e a nossa, é irritante. E como São Paulo fez? Com concessões, mas nós as suspendemos. A presidenta Dilma faz os leilões com boas condições de juro e de competitividade, mas um Estado falido e sem dinheiro festeja estatização das estradas. E é a própria Zero Hora que nos informa: os primeiros sinais de buracos já estão começando a aumentar. O nível de poupança define o de investimento, até para atrair empréstimos externos. Estamos estagnados. Tenho uma brincadeira.


Qual é essa brincadeira?


O welfare state (Estado do bem-estar social) da Europa foi construído antes da concorrência da Ásia, mas o do Rio Grande do Sul também foi construído antes da nova realidade. Com o dólar a R$ 3, quase R$ 4, todas as ineficiências se escondiam na competitividade cambial, mas com o dólar do jeito que está hoje, tudo vem à tona. Tenho uma frase muito agressiva, mas vou dizer: o rei está nu, a verdade está à tona. Isso exige uma profunda humildade de ouvir e debater. As estruturas do Estado estão fora da realidade do mundo. Temos a pior situação de custo de previdência do país, menor índice de investimento em tecnologia e, quando o país não tem novas fronteiras nem crescimento demográfico, só tem um caminho: tecnologia. O orçamento estadual só investe, porém, 0,3% em tecnologia, quando em qualquer lugar é 3%, até 5%. Os gaúchos estão felizes, mas por acomodação. Afinal, se comparar a qualidade de vida daqui, o churrasquinho do final de semana, um baita desafio que é o Gre-Nal...


Mas seu time (Grêmio) não anda muito bem...


Somos o primeiro no ranking nacional da CBF em 2014. O teu time (Inter) está em sexto lugar. Mas estamos entrando no maior pecado brasileiro: ficar discutindo futebol em vez de discutir desenvolvimento. Falando sério, é preciso olhar onde a Previdência é autossustentável. Aqui, 56% da folha é para pagar aposentados. Minha visão é empresarial e não dá voto, os números não querem saber de voto. Se a Previdência fosse autossustentável, o custo deveria ser um terço. Mas tem testamento e privilégio de tudo quanto é jeito.


O senhor tem tantas ideias, por que nunca se candidatou ao governo do Estado?


Não quero entrar em política, sou mais útil como empresário. Com a minha idade (77 anos), nem posso mais pensar em entrar na política. O processo político é doloroso.


A política atrapalha a gestão?


Muito. Quando se troca um ministro em um país civilizado, ele põe quatro, cinco pessoas. Aqui, o governo federal nomeia 22 mil ou 23 mil. Que pessoas são essas, são profissionais de administração?


Seriam amigos?


Com o país em pleno emprego, não precisa ser amigo de ninguém. Existem funções de Estado, de políticas de governo e administração. Tudo que funciona bem em administração no Brasil é o que não tem ingerência política na administração. Que órgãos funcionam melhor? São os que têm estrutura de carreira na administração e não ingerência de políticos com interesses para empregar amigos ou coisas que é melhor nem falar.


Quais são? BNDES, Banco do Brasil, Exército?


O Itamaraty e a Caixa Econômica também.


E a Petrobras?


Tem estrutura profissionalizada, mas tem alguma influência forte na indicação de diretores com vínculos com políticos.


O senhor se arrepende de ter participado do conselho de administração da Petrobras, que autorizou a compra da refinaria de Pasadena?


Não.


Mas o senhor teve de dar explicações sobre a compra, que será alvo de uma CPI. Como o senhor se sente? A CPI é a saída?


As CPIs... Eu faço uma outra pergunta. Alguma CPI deu resultado? Em termos de melhoria, não. A transparência, sim, é importante. É importante trabalhar tecnicamente a análise dos problemas ou até de pesquisa se houve falhas ou até malfeitos. Fui convidado para entrar no conselho da Petrobras ainda no governo do Fernando Henrique Cardoso, quase dois anos antes do governo Lula. O pessoal achou válida a minha contribuição para continuar. Mas eu tenho uma visão muito clara desse processo.


Qual?


Não só esse episódio, que é complexo e nem está esgotado. Já me posicionei em público, por escrito, logo no início do debate. Não tenho muito a acrescentar, mas, na realidade, o processo tem uma soma de pequenos incidentes que tornam a análise complexa. A decisão, naquele período, foi válida.


O senhor não se arrepende de ter aprovado a compra da refinaria? Foi legal?


A palavra legal que você usa é no termo popular?


Não, de acordo com a legislação.


A decisão tomada, na época, foi válida.


O senhor e os demais conselheiros não sabiam das cláusulas que obrigavam a compra do restante da refinaria americana, que acabaram provocando prejuízo à Petrobras?


Não, o conceito era do atendimento da demanda do excesso de petróleo, tinha o álcool suprindo, não havia falta de refinarias, o Brasil tinha perspectiva de crescimento em petróleo e precisava exportar. O Brasil tem petróleo pesado, refinando, tem preços finais melhores. Então, tinha a sua lógica, está certo? Agora, se você entra hoje nos detalhes, a decisão foi tomada dentro de uma sistemática normal na Petrobras e que deu margens a falhas na avaliação.


Os senhores não receberam as informações que deviam ter chegado da equipe técnica antes de darem o aval ao negócio?


É aquele ponto que a presidenta colocou. Tem duas cláusulas que, isoladamente, são clássicas, mas que, de forma conjugada e em decorrência do tipo de negócio, levavam a risco do negócio.


Mas o presidente da Petrobras na época, José Sérgio Gabrielli, disse que ninguém pode fugir da responsabilidade, nem a presidente.


Não vou entrar neste debate porque eu acho que já dei minha posição. Não tenho interesse de continuar debatendo Petrobras.


O senhor deixou o conselho agora porque pensou: “Nesse ambiente não vou continuar”?


Não, foi um processo de eleição dos minoritários, eu era representante desses acionistas. Estava há 11 anos lá, era a hora do rodízio. Vamos ver se um outro representante dos minoritários faz um trabalho melhor do que eu fiz.


No que melhorou a prestação de serviços ao cidadão com a Câmara de Gestão?


A Câmara de Gestão trabalha como um conselho, não é um órgão executivo. Damos apoio tecnológico ou orientação. Mas temos trabalhos importantes já feitos e que continuam em execução, como a melhoria de gestão no Ministério dos Transportes, com mapa estratégico e desdobramento. E fizemos levantamentos em 35 ministérios na pré-construção de um mapa estratégico, além do fato de que agora estamos atuando em conjugar essa visão com os processos críticos de melhorias.


Aponta a redução de ministérios?


Não, a redução é um problema de gerenciamento e de governança, mas as atividades que existem se conjugam ou se separam. Têm de ser trabalhadas da mesma forma. Com gestão, em uma empresa privada, em três, cinco anos, você faz a mudança, rompe culturas. No setor público, precisa de cinco ou até 10 anos. Mas o mundo caminha rapidamente, os nossos concorrentes também. Há cinco áreas que fazem a população ir para as ruas: educação, saúde, segurança, logística e mobilidade urbana.


Os brasileiros se cansaram de maus serviços?


Todos nós. Não enfrento isso, mas me preocupo como os meus colaboradores do Brasil são atendidos. Tenho consciência de responsabilidade social. Só há um caminho: melhoria de gestão. Vivemos em um mundo de competição, que exige gente educada. Quando tenho de competir com um país que dá 12 anos de educação, como faço? Aprendi o valor da educação por necessidade competitiva. Não posso me conformar com o Rio Grande do Sul, que foi o primeiro em educação do país, e hoje está pior do que Santa Catarina e Paraná.


Esse é um motivo de preocupação?


Ninguém debate, está todo mundo satisfeito. Os pais estão satisfeitos porque as crianças estão no colégio. Mas elas têm de aprender e saber. E não pode acabar com os exames, como aqui no Rio Grande do Sul. É preciso avaliar, não empurrar o problema escondido. Tem de estudar, recuperar nas férias. Uma criança que perdeu o bonde na quarta série não pega mais depois, e o índice de analfabetismo funcional é muito alto.


O senhor mantém conversas com candidatos da oposição sobre gestão e redução de ministérios mesmo no governo?


Para mim, isso é uma missão de vida. Estou com 77 anos, a estrutura da empresa está bem encaminhada.


A sua missão é o Brasil, então?


Eu só cuido do Brasil SA. Não interessa se é Dilma, Aécio, Eduardo, porque tenho convicção de que o único modo de melhorar o país é com melhoria de gestão. Então, levo minhas ideias de gestão a eles. Se quiserem ouvir, ótimo, se não, ok. Tem amigos que dizem: “Jorge, tu tentas ajudar nesse negócio, mas não adianta nada”. Mas tem melhora a partir das concessões.


Como está a sua relação com a presidente? O senhor ainda dá conselhos, votará nela?


Meu voto é secreto, nunca abri. E continuo (próximo), não com a mesma intensidade, porque o processo hoje é outro.


A política os afastou?


Não, a política, não, mas o processo eleitoral.


Alguém lhe chama a atenção, diz que o senhor não deveria ter falado algo?


Eu me submeto a críticas. Uso minha equipe para dizer, pergunto aos meus amigos se passei do ponto. E eles falam. Tem uma frase bem simples que uso com meus clientes: amigo fala, inimigo cala. Quem é amigo, tem de falar a verdade. Faço força para que todos tenham abertura comigo. Aprendi que abertura e transparência cada vez aumentam mais e todos querem mais. Publicamente e individualmente. Se você não aprender a se movimentar assim, fica fora da realidade.


Como é viver com tanto poder? O senhor é paparicado, tem forte presença na vida econômica do país. Isso o envaidece ou o constrange?


Tento não me deixar contagiar por qualquer fator de poder, ser objetivo e útil no que faço, mas a coisa mais importante é a autoanálise de humildade. É complicado, mas tento. Tenho meus defeitos, não os confesso publicamente, mas sei das minhas limitações. Todo mundo tem limitações. Então, trabalho nesse sentido. Mas vem de educação de casa: não perder a simplicidade.


E a bajulação excessiva não o incomoda?


Não me afeta de jeito algum. Não gosto e faço de conta que não noto. A minha preocupação é procurar manter a simplicidade com as pessoas, pois é isso que me dá prazer. É convicção filosófica, que vem da família.