REVISTA ISTO É Edição: 2319 | 03.Mai.14
Um estudo inédito revela o que os brasileiros pensam do País: um lugar desonesto, violento e ruim para se viver
Um estudo inédito revela o que os brasileiros pensam do País: um lugar desonesto, violento e ruim para se viver
Amauri Segalla e Paula Rocha
Se o Brasil fosse uma pessoa, como ela seria? Alegre? Confiável? Distinta? Para uma parcela considerável da população, nenhum desses atributos traduz a verdadeira alma brasileira. Se o Brasil fosse alguém de carne e osso, a principal característica, aquela que se vê logo de cara, seria a desonestidade. Um estudo inédito realizado pela consultoria BrandAnalytics, empresa ligada à Millward Brown Optimor, um dos maiores grupos de pesquisa do mundo, revela o que os brasileiros pensam do País. Obtidos com exclusividade por ISTOÉ, os resultados são espantosos. Os entrevistados receberam uma lista com 24 palavras e tiveram que apontar quatro delas que definissem com exatidão a nação onde vivem. Metade das pessoas declarou que a palavra “desonesto” descreve a personalidade nacional. E mais: apenas 18% das pessoas afirmaram que o Brasil é o lugar ideal para viver, praticamente o mesmo percentual (17%) que apontou o Japão como o país preferido. Trata-se do índice mais baixo entre quatro nações pesquisadas.
Se o Brasil fosse uma pessoa, como ela seria? Alegre? Confiável? Distinta? Para uma parcela considerável da população, nenhum desses atributos traduz a verdadeira alma brasileira. Se o Brasil fosse alguém de carne e osso, a principal característica, aquela que se vê logo de cara, seria a desonestidade. Um estudo inédito realizado pela consultoria BrandAnalytics, empresa ligada à Millward Brown Optimor, um dos maiores grupos de pesquisa do mundo, revela o que os brasileiros pensam do País. Obtidos com exclusividade por ISTOÉ, os resultados são espantosos. Os entrevistados receberam uma lista com 24 palavras e tiveram que apontar quatro delas que definissem com exatidão a nação onde vivem. Metade das pessoas declarou que a palavra “desonesto” descreve a personalidade nacional. E mais: apenas 18% das pessoas afirmaram que o Brasil é o lugar ideal para viver, praticamente o mesmo percentual (17%) que apontou o Japão como o país preferido. Trata-se do índice mais baixo entre quatro nações pesquisadas.
Segundo o estudo, 52% dos americanos, 30% dos ingleses – pessimistas por natureza, lembre-se – e 26% dos chineses escolheram seu próprio país como o lugar perfeito para viver. Não é preciso muito esforço para entender o que a pesquisa evidencia. Os brasileiros estão, afinal, desencantados. “O levantamento mostra um índice de insatisfação surpreendente”, diz Isa Telles, associada da BrandAnalytics e coordenadora do estudo. A mesma descrença é confirmada pela pesquisa ISTOÉ/Sensus, tema da reportagem de capa desta edição. Neste caso, 50,2% dos brasileiros não consideram que o País está no rumo certo.
O que explica tanta desilusão? Basta dar uma espiada no noticiário para conhecer a incivilidade que permeia a vida de cada um de nós. Em São Paulo, alguém esquarteja o corpo de um motorista de ônibus e espalha partes dele pela cidade. No Rio, amarram um negro num poste e o espancam. Em Brasília, presos graúdos passam o tempo vendo jogos de futebol em tevês de plasma, enquanto no resto do País os cárceres são depósitos humanos degradantes. Em Belo Horizonte, hospitais públicos recusam atendimento a uma criança à beira da morte. No Nordeste, faltam professores. Em quase todo o Brasil há escassez de água, e os governos, sejam eles de qualquer cor partidária, atribuem a culpa sempre aos outros, sem jamais assumir responsabilidades. Por onde se anda as pessoas reclamam do preço de tudo o que se consome, do tomate na feira, do iPhone na loja da Apple, da passagem de ônibus, do carro esportivo. A economia não anda. As obras da Copa não saíram como o prometido. Os políticos querem o poder apenas pelo poder. O trânsito é horrível. A violência bate à nossa porta. Como ser feliz em um lugar assim? “Os resultados da pesquisa demonstram que grande parte da população não confia nem no País nem no seu semelhante”, diz Dulce Critelli, professora de filosofia da PUC de São Paulo. “É a representação concreta da ideia de que é preciso se defender não só dos outros, mas também de seus governantes.”
Talvez isso explique por que cada vez mais brasileiros achem que a melhor saída é o aeroporto internacional. Moradores do Rio de Janeiro, o publicitário Pedro Henrique Ramos, 31 anos, e a produtora cultural Liana Saldanha, também 31, estão aprontando as malas para mudar para Portugal, em julho. Na terra dos antepassados, acreditam, terão melhores condições para criar os futuros filhos. “Comparo a vida de meus amigos que moram em Portugal com a dos que vivem no Brasil e vejo que lá fora há mais perspectivas”, diz o publicitário. “Aqui não temos serviços públicos decentes nem escola e hospitais.” O que impressiona é que, profissionais de certo sucesso no Brasil, eles vão largar tudo para se aventurar mundo afora. Mesmo diante das incertezas de lá, acham que vale a pena fugir das certezas desagradáveis daqui.
Se você nunca foi enganado, pergunte a um parente ou amigo se já sofreu algum golpe e a resposta provavelmente será sim. As mazelas nacionais estão aí, em qualquer área ou atividade, tão visíveis quanto um assalto à luz do dia. A secretária Daiane Alves de Lima, 20 anos, foi convencida a pagar R$ 80 – sim, apenas isso – por mês para comprar a casa própria. Era uma mentira, um golpe deslavado. “Não desconfiei de nada”, diz. “Só quando compareci a uma reunião do projeto é que passei a questionar a validade dele.” Daiane perdeu dinheiro e pediu a ajuda do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor do Sistema Financeiro para checar se deveria continuar no projeto. Na saúde, os golpes se sucedem. A securitária Luciane de Paula e Silva, 41 anos, decidiu fazer, em abril de 2013, uma cirurgia para colocação de um balão intragástrico em uma clínica particular. Pagou R$ 12.712 pelo serviço. Um dia antes da operação, foi informada que ela havia sido cancelada. “Naquele momento, decidi desistir da cirurgia, pois perdi a confiança na clínica”, diz ela. O que Luciane não sabia é que ali começaria uma batalha que se arrasta até hoje. “Fiz um acordo com a clínica em que eles me devolveriam parte do dinheiro da cirurgia”, conta. “Para o meu espanto, os cheques da clínica voltaram, pois não tinham fundos.”
A pesquisa da BrandAnalytics confirma o que outros estudos já sugeriram: o descrédito profundo nas instituições, quaisquer que sejam elas. Segundo o levantamento, 81% dos entrevistados disseram que, para realizar seus sonhos, dependem essencialmente de esforços individuais. Só 13% responderam que precisam do suporte do governo. João Bico de Souza, 47 anos, é dono da Tecnolamp, uma empresa de iluminação com 40 funcionários diretos e 400 colaboradores temporários. “Abrir a empresa foi uma dificuldade”, diz. “Foram pelo menos dois meses de protocolos e burocracias.” João é o que se pode chamar de empreendedor nato. Filho de operário e de dona de casa, começou a trabalhar aos 15 anos, como balconista. Aos 22, já era empresário. O que o Brasil ofereceu para que seguisse em frente? Pouca coisa. “Falta apoio ou retorno do governo”, afirma. Tudo o que conseguiu, assegura ele, foi graças ao seu brutal esforço.
No clássico “Raízes do Brasil”, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, ao falar do homem cordial como uma marca indestrutível do caráter brasileiro (cordial não quer dizer para ele bondoso, mas retrata principalmente os que agem movidos pela emoção e não pela razão), desdobra-se também sobre o que chama de “personalismo” do cidadão brasileiro. No Brasil, diz Holanda, as pessoas cultuam o mérito pessoal (é o popular “cada um por si”), em vez do trabalho coletivo. O individualismo exacerbado se reflete, na análise do historiador, em organizações sociais e governos frágeis. “A nossa pesquisa revela que o brasileiro não tem uma visão de País”, diz Isa Telles, da BrandAnalytics. Seria isso resultado da conjuntura ou de um processo histórico? Provavelmente, as duas coisas. Se o individualismo contribuiu para a formação do que se pode chamar de psique brasileira, nos dias atuais ganhou alento graças ao desgosto com os rumos do País.
O grau de insatisfação dos brasileiros começou a ser escancarado em julho do ano passado, quando milhares de pessoas foram às ruas gritar contra as coisas erradas do País. Mas é um equívoco dizer que tudo ficou ruim de repente. De certo modo, o desencanto tem a ver com o próprio despertar dos brasileiros. É inegável que o Brasil avançou em muitas áreas nos últimos anos. A miséria diminuiu, a classe C teve acesso a bens como jamais tivera, a renda dos trabalhadores aumentou. Mas será apenas isso que buscamos? Com o avanço da economia, os brasileiros passaram a conhecer outras realidades. Viajaram, foram morar fora e com a internet tiveram maior acesso à informação. Descobriram, enfim, que há muitos mundos por aí – e realidades mais amigáveis que a nossa. O economista alemão Albert Hirschman desenvolveu uma teoria psicológica que explica a baixa tolerância das pessoas com o seu próprio destino quando se deparam com outro melhor. Ele chamou isso de “efeito túnel.” Se você está num congestionamento e a pista ao lado começa a andar, logo se enche de esperança e imagina que seu carro vai se movimentar também. Se a expectativa é frustrada, você fica furioso: “Por que eu não estou na outra pista?”
Falar mal do Brasil é um dos esportes preferidos da nação. Sempre foi assim. Sobre o País, o jurista, político e escritor Ruy Barbosa disse o seguinte lá no século XIX: “De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar diante da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.” O que Barbosa disse não é muito diferente do sentimento de desencanto revelado pelos brasileiros na pesquisa da BrandAnalytics. “Se para a corrupção não há punição, a sociedade acaba se acostumando com as transgressões diárias das leis”, diz o economista Gil Castello Brasil, da Ong Contas Abertas. “Mudar essa cultura depende de um longo processo de educação. Nesse sentido, mostrar-se insatisfeito e indignado é bastante positivo.” O cientista político Fernando Weltman, da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, acha que o resultado do estudo expõe a baixa autoestima do brasileiro, consagrada por Nelson Rodrigues na expressão “complexo de vira-latas.” “As características apontadas na pesquisa reforçam o estereótipo de que os brasileiros são simpáticos e charmosos, mas podem te passar a perna”, diz Weltman.
Isso realmente corresponde à realidade? Olhe para o lado e pense bem: a maioria das pessoas de seu convívio é desonesta? Elas querem levar vantagem sobre você? Não teria sido a impressão generalizada de desonestidade apontada na pesquisa um reflexo da má imagem que temos de nossos governantes? Não seria resultado dos índices chocantes de violência? Segundo a BrandAnalytics, hoje a maior preocupação dos brasileiros diz respeito justamente à segurança – segundo a ONU, 11 das 30 cidades mais violentas do mundo são brasileiras. É desnecessário dizer que, por mais que o Brasil tenha alimentado uma lamentável escola do crime nos últimos anos, as pessoas de bem, claro, representam larga maioria. O interessante da pesquisa é que os brasileiros julgam o Brasil um país desonesto, mas avaliam a si mesmos de maneira positiva. “É natural atribuir a si qualidades, mas achar que os outros não as têm”, diz Weltman, da FGV. Se metade dos entrevistados acredita que a principal característica do País é a desonestidade, 58% se dizem dignos de confiança. Ou seja, o meu vizinho é mau, mas eu sou bacana. No fundo, o que a pesquisa revela é que o Brasil tem um milhão de problemas para resolver e é só com a indignação – e o desencanto – que dá para sonhar com um país verdadeiramente melhor.
Foto: Felipe Varanda, Pedro Dias, João Castellano/Ag. Istoé, Pablo Jacob / Agência O Globo; MARCOS BIZZOTTO; Rogério Cassimiro/Folha Imagem
O que explica tanta desilusão? Basta dar uma espiada no noticiário para conhecer a incivilidade que permeia a vida de cada um de nós. Em São Paulo, alguém esquarteja o corpo de um motorista de ônibus e espalha partes dele pela cidade. No Rio, amarram um negro num poste e o espancam. Em Brasília, presos graúdos passam o tempo vendo jogos de futebol em tevês de plasma, enquanto no resto do País os cárceres são depósitos humanos degradantes. Em Belo Horizonte, hospitais públicos recusam atendimento a uma criança à beira da morte. No Nordeste, faltam professores. Em quase todo o Brasil há escassez de água, e os governos, sejam eles de qualquer cor partidária, atribuem a culpa sempre aos outros, sem jamais assumir responsabilidades. Por onde se anda as pessoas reclamam do preço de tudo o que se consome, do tomate na feira, do iPhone na loja da Apple, da passagem de ônibus, do carro esportivo. A economia não anda. As obras da Copa não saíram como o prometido. Os políticos querem o poder apenas pelo poder. O trânsito é horrível. A violência bate à nossa porta. Como ser feliz em um lugar assim? “Os resultados da pesquisa demonstram que grande parte da população não confia nem no País nem no seu semelhante”, diz Dulce Critelli, professora de filosofia da PUC de São Paulo. “É a representação concreta da ideia de que é preciso se defender não só dos outros, mas também de seus governantes.”
Talvez isso explique por que cada vez mais brasileiros achem que a melhor saída é o aeroporto internacional. Moradores do Rio de Janeiro, o publicitário Pedro Henrique Ramos, 31 anos, e a produtora cultural Liana Saldanha, também 31, estão aprontando as malas para mudar para Portugal, em julho. Na terra dos antepassados, acreditam, terão melhores condições para criar os futuros filhos. “Comparo a vida de meus amigos que moram em Portugal com a dos que vivem no Brasil e vejo que lá fora há mais perspectivas”, diz o publicitário. “Aqui não temos serviços públicos decentes nem escola e hospitais.” O que impressiona é que, profissionais de certo sucesso no Brasil, eles vão largar tudo para se aventurar mundo afora. Mesmo diante das incertezas de lá, acham que vale a pena fugir das certezas desagradáveis daqui.
Se você nunca foi enganado, pergunte a um parente ou amigo se já sofreu algum golpe e a resposta provavelmente será sim. As mazelas nacionais estão aí, em qualquer área ou atividade, tão visíveis quanto um assalto à luz do dia. A secretária Daiane Alves de Lima, 20 anos, foi convencida a pagar R$ 80 – sim, apenas isso – por mês para comprar a casa própria. Era uma mentira, um golpe deslavado. “Não desconfiei de nada”, diz. “Só quando compareci a uma reunião do projeto é que passei a questionar a validade dele.” Daiane perdeu dinheiro e pediu a ajuda do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor do Sistema Financeiro para checar se deveria continuar no projeto. Na saúde, os golpes se sucedem. A securitária Luciane de Paula e Silva, 41 anos, decidiu fazer, em abril de 2013, uma cirurgia para colocação de um balão intragástrico em uma clínica particular. Pagou R$ 12.712 pelo serviço. Um dia antes da operação, foi informada que ela havia sido cancelada. “Naquele momento, decidi desistir da cirurgia, pois perdi a confiança na clínica”, diz ela. O que Luciane não sabia é que ali começaria uma batalha que se arrasta até hoje. “Fiz um acordo com a clínica em que eles me devolveriam parte do dinheiro da cirurgia”, conta. “Para o meu espanto, os cheques da clínica voltaram, pois não tinham fundos.”
A pesquisa da BrandAnalytics confirma o que outros estudos já sugeriram: o descrédito profundo nas instituições, quaisquer que sejam elas. Segundo o levantamento, 81% dos entrevistados disseram que, para realizar seus sonhos, dependem essencialmente de esforços individuais. Só 13% responderam que precisam do suporte do governo. João Bico de Souza, 47 anos, é dono da Tecnolamp, uma empresa de iluminação com 40 funcionários diretos e 400 colaboradores temporários. “Abrir a empresa foi uma dificuldade”, diz. “Foram pelo menos dois meses de protocolos e burocracias.” João é o que se pode chamar de empreendedor nato. Filho de operário e de dona de casa, começou a trabalhar aos 15 anos, como balconista. Aos 22, já era empresário. O que o Brasil ofereceu para que seguisse em frente? Pouca coisa. “Falta apoio ou retorno do governo”, afirma. Tudo o que conseguiu, assegura ele, foi graças ao seu brutal esforço.
No clássico “Raízes do Brasil”, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, ao falar do homem cordial como uma marca indestrutível do caráter brasileiro (cordial não quer dizer para ele bondoso, mas retrata principalmente os que agem movidos pela emoção e não pela razão), desdobra-se também sobre o que chama de “personalismo” do cidadão brasileiro. No Brasil, diz Holanda, as pessoas cultuam o mérito pessoal (é o popular “cada um por si”), em vez do trabalho coletivo. O individualismo exacerbado se reflete, na análise do historiador, em organizações sociais e governos frágeis. “A nossa pesquisa revela que o brasileiro não tem uma visão de País”, diz Isa Telles, da BrandAnalytics. Seria isso resultado da conjuntura ou de um processo histórico? Provavelmente, as duas coisas. Se o individualismo contribuiu para a formação do que se pode chamar de psique brasileira, nos dias atuais ganhou alento graças ao desgosto com os rumos do País.
O grau de insatisfação dos brasileiros começou a ser escancarado em julho do ano passado, quando milhares de pessoas foram às ruas gritar contra as coisas erradas do País. Mas é um equívoco dizer que tudo ficou ruim de repente. De certo modo, o desencanto tem a ver com o próprio despertar dos brasileiros. É inegável que o Brasil avançou em muitas áreas nos últimos anos. A miséria diminuiu, a classe C teve acesso a bens como jamais tivera, a renda dos trabalhadores aumentou. Mas será apenas isso que buscamos? Com o avanço da economia, os brasileiros passaram a conhecer outras realidades. Viajaram, foram morar fora e com a internet tiveram maior acesso à informação. Descobriram, enfim, que há muitos mundos por aí – e realidades mais amigáveis que a nossa. O economista alemão Albert Hirschman desenvolveu uma teoria psicológica que explica a baixa tolerância das pessoas com o seu próprio destino quando se deparam com outro melhor. Ele chamou isso de “efeito túnel.” Se você está num congestionamento e a pista ao lado começa a andar, logo se enche de esperança e imagina que seu carro vai se movimentar também. Se a expectativa é frustrada, você fica furioso: “Por que eu não estou na outra pista?”
Falar mal do Brasil é um dos esportes preferidos da nação. Sempre foi assim. Sobre o País, o jurista, político e escritor Ruy Barbosa disse o seguinte lá no século XIX: “De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar diante da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.” O que Barbosa disse não é muito diferente do sentimento de desencanto revelado pelos brasileiros na pesquisa da BrandAnalytics. “Se para a corrupção não há punição, a sociedade acaba se acostumando com as transgressões diárias das leis”, diz o economista Gil Castello Brasil, da Ong Contas Abertas. “Mudar essa cultura depende de um longo processo de educação. Nesse sentido, mostrar-se insatisfeito e indignado é bastante positivo.” O cientista político Fernando Weltman, da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, acha que o resultado do estudo expõe a baixa autoestima do brasileiro, consagrada por Nelson Rodrigues na expressão “complexo de vira-latas.” “As características apontadas na pesquisa reforçam o estereótipo de que os brasileiros são simpáticos e charmosos, mas podem te passar a perna”, diz Weltman.
Isso realmente corresponde à realidade? Olhe para o lado e pense bem: a maioria das pessoas de seu convívio é desonesta? Elas querem levar vantagem sobre você? Não teria sido a impressão generalizada de desonestidade apontada na pesquisa um reflexo da má imagem que temos de nossos governantes? Não seria resultado dos índices chocantes de violência? Segundo a BrandAnalytics, hoje a maior preocupação dos brasileiros diz respeito justamente à segurança – segundo a ONU, 11 das 30 cidades mais violentas do mundo são brasileiras. É desnecessário dizer que, por mais que o Brasil tenha alimentado uma lamentável escola do crime nos últimos anos, as pessoas de bem, claro, representam larga maioria. O interessante da pesquisa é que os brasileiros julgam o Brasil um país desonesto, mas avaliam a si mesmos de maneira positiva. “É natural atribuir a si qualidades, mas achar que os outros não as têm”, diz Weltman, da FGV. Se metade dos entrevistados acredita que a principal característica do País é a desonestidade, 58% se dizem dignos de confiança. Ou seja, o meu vizinho é mau, mas eu sou bacana. No fundo, o que a pesquisa revela é que o Brasil tem um milhão de problemas para resolver e é só com a indignação – e o desencanto – que dá para sonhar com um país verdadeiramente melhor.
Foto: Felipe Varanda, Pedro Dias, João Castellano/Ag. Istoé, Pablo Jacob / Agência O Globo; MARCOS BIZZOTTO; Rogério Cassimiro/Folha Imagem
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