ZERO HORA 26 de fevereiro de 2015 | N° 18085
RODRIGO SACCONE* RBS BRASÍLIA
RODOVIAS CAMINHÕES PARADOS. GOVERNO FEDERAL ATENDE DOIS PEDIDOS de caminhoneiros para tentar encerrar movimento de protesto, mas não reduz valor do combustível, o que dificulta entendimento em reunião ontem
Após um dia intenso de negociações com caminhoneiros, o governo federal apresentou propostas (veja quadro) para encerrar os bloqueios de rodovias no país. A principal reivindicação dos motoristas autônomos – a redução do preço do diesel –, no entanto, não será atendida. A negativa praticamente emperrou entendimento que poderia resultar no fim das manifestações. Foi dada a garantia de que a Petrobras não aumentará o combustível nos próximos seis meses.
Valdemar Raupp, presidente da cooperativa dos caminhoneiros de Três Cachoeiras, disse que as propostas não atendem as demandas e os bloqueios serão mantidos no Estado. Participantes da reunião saíram do encontro com o entendimento de que até pode haver acordo com grandes sindicatos, mas sem o apoio de autônomos, que encabeçam o protesto.
À frente do Comando Nacional dos Transportes, o caminhoneiro Ivar Schmidt não foi autorizado a entrar na reunião. Um dos líderes do movimento, Schmidt, radicado no Rio Grande do Norte, considerou as medidas “sem peso” para encerrar os protestos:
– A paralisação continua – disse.
Sobre pedágios, o governo oferece que caminhões vazios e com o eixo suspenso fiquem isentos da cobrança. Apesar de não pretender intervir no valor dos fretes, o Planalto informou que tentará mediar a criação de uma tabela de valores.
Apresentadas pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Miguel Rossetto, que conduziu o dia de reuniões em Brasília, as medidas só entram em vigor se houver o fim dos bloqueios:
– Interessa aos caminhoneiros e ao país a suspensão das manifestações para continuarmos o diálogo.
*Com agências de notícias
Efeito imediato em estoques e preços
Além dos transtornos nas estradas, os gaúchos já começaram a ver o efeito da paralisação dos caminhoneiros nos postos de combustíveis e nos supermercados. Em diferentes municípios, há falta de gasolina. Supermercados no Interior apresentam gôndolas e prateleiras vazias, e hortigranjeiros que chegaram estão mais caros.
A paralisação representa um aumento no custo do transporte. Um caminhão carregado de frutas e legumes saiu de São Paulo ontem para abastecer o box de Célio Veronese na Ceasa de Caxias do Sul. Se chegar no prazo, o motorista receberá um bônus. Mesmo assim, traz 20% menos produtos: de 50 itens da lista, conseguiu carregar apenas 40.
UMA DIREÇÃO, MUITOS CONDUTORES
MARCELO GONZATTO
O protesto de caminhoneiros que interrompe estradas, paralisa indústrias e provoca desabastecimento pelo país guarda semelhanças com o movimento que sacudiu o Brasil em junho de 2013.
A onda de bloqueios nas rodovias se agigantou sem o protagonismo de sindicatos expressivos, a exemplo das marchas que tomaram as ruas há quase dois anos. De seis entidades nacionais da categoria ouvidas por Zero Hora, nenhuma afirmou liderar a organização.
O vice-presidente da Federação dos Caminhoneiros Autônomos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina (Fecam), André Costa, diz que tomou conhecimento das mobilizações quando ganharam força no Mato Grosso, depois viu se espalharem por outros Estados até pipocarem no RS com líderes locais e quase sempre anônimos.
– Não há uma organização clara. Por isso, a situação é preocupante, mas era uma tragédia anunciada – desabafa Costa.
Entidades de cunho local, como o Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos de Ijuí, têm relação mais próxima com os protestos.
– Quando eclodiu, fui para a pista junto do movimento, mas não fomos nós que organizamos. Em cada cidade, alguns motoristas decidem quando e onde vão parar – afirma o presidente do sindicato de Ijuí, Carlos Dahmer, que troca informações com colegas de São Sepé, Santa Rosa e Uruguaiana.
Por telefone e redes sociais, atividades são organizadas quase que em tempo real em todo o país.
Assim como ocorreu em junho de 2013, grupos tentam fazer uso político das ações. Na página de caminhoneiros do Espírito Santo no Facebook, uma das principais bandeiras é a saída de Dilma Rousseff do governo – o que não integra a pauta da categoria. Membros do Movimento Brasil Livre divulgam fotos em bloqueios nas estradas pedindo que Dilma deixe o cargo.
Um dos principais líderes de protestos da categoria no passado e atual presidente do Movimento União Brasil Caminhoneiro, Nélio Botelho defendeu voto em Aécio Neves na eleição passada. Porém, preferiu não encampar a interrupção das estradas neste momento:
– O bloqueio das rodovias coloca o usuário contra nós. Só deve ser utilizado quando não há mais qualquer solução.
Entidades de classe sem protagonismo
TAÍS SEIBT | Tabaí
O bloqueio de ontem no quilômetro 385 da BR-386, em Tabaí, que ainda não havia registrado protestos, refletia a descentralização na liderança e aticulação do movimento. Por trás da aparente organização do grupo com cerca de 20 caminhões, que já projeta uma nova ação para a manhã de hoje, na entrada do polo petroquímico, não há um sindicato ou associação. A maioria dos motoristas que conversaram com a reportagem afirma não pertencer a qualquer entidade de classe.
A combinação foi basicamente por telefone: um ligou para o outro, que chamou mais um e assim por diante. Uma vez na estrada, a fila de caminhões foi aumentando espontaneamente, conforme colegas de outras regiões foram chegando. O grupo decidiu liberar o trânsito de veículos de carga a cada meia hora, os demais tinham passagem livre em meia-pista.
O dinheiro para as faixas foi arrecadado numa vaquinha. Para amenizar o calor, garrafas de água gelada foram compradas com dinheiro doado por vizinhos da comunidade – o motorista de um Mercedes largou R$ 100 na mão de um deles de manhã cedo, para ajudar com comida e água.
O mesmo se repete em Muçum, onde a ERS-129, no trevo de acesso ao município do Vale do Taquari, tem tido bloqueios há três dias. Tamir Azevedo, 35 anos, de Encantado, fica sabendo dos pontos de manifestação – inclusive fora do Estado – pelas publicações de colegas no Facebook. Jean Cleber Artico, 35 anos, de Paraí, usa o mesmo meio. Ontem, saiu às 3h de casa para carregar o caminhão de brita e foi direto para a fila. Formado em Ciências Contábeis, ele justifica a decisão com números:
– Para transportar grão de Passo Fundo a Nova Bassano, cerca de 100 quilômetros, a empresa queria me pagar R$ 19 a tonelada. Carrego 15 toneladas no meu caminhão, são R$ 285. Com o diesel a esse preço, ida e volta, gasto isso só no combustível, sem contar pneu, pedágio, seguro (veja a planilha).
O almoço do grupo foi ao redor de uma churrasqueira na beira da via – “salsipão”, servido pela Associação de Motoristas de Muçum. Embora tenham fornecido comida e bebida aos manifestantes desde o primeiro dia de protesto, os líderes da associação evitam a posição de organizadores do movimento.
NA MESA |
Propostas do Palácio do Planalto apresentadas na reunião com empresários e caminhoneiros |
-Sanção sem vetos da Lei dos Caminhoneiros. O projeto prevê a isenção de pedágio para quem estiver com o caminhão vazio. A legislação também permite que a jornada de trabalho dos caminhoneiros seja de 12 horas diárias. |
-Um ano de carência para o pagamento dos contratos de financiamentos firmados em programas do governo, como o Pro-Caminhoneiro, para aquisição de caminhões. |
-Mesa de negociação entre empresas e caminhoneiros para a criação de uma tabela com valores mínimos para o frete. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário