SANTA MARIA, 27/01/2013
NILSON MARIANO
Quantas vezes já se viu algum motorista falando ao celular enquanto dobrava a esquina, apenas uma das mãos ao volante, e nada se fez? Em quantas oportunidades se encontrou um tablete de margarina com o prazo de validade vencido, exposto no mercado, mas não se chamou o gerente para recolher o alimento?
Quantas vezes já se atravessou uma avenida fora da faixa de segurança?
Ainda sob o impacto da tragédia que matou pelo menos 236 jovens em Santa Maria, especialistas consultados por ZH apontam que falta atitude ao brasileiro. Não sugerem, é óbvio, que cada pessoa se invista em fiscal do vizinho. Mas a passividade pode ser fatal. Abdicar do exercício da cidadania é compactuar com a negligência, o desapego à lei, a corrupção. É estimular a burla dos gananciosos que descumprem normas na busca do lucro fácil, como forrar a boate com uma espuma barata e de baixa qualidade, que expele fumaça venenosa se pegar fogo.
Um dos mais destacados antropólogos, Roberto DaMatta alerta que a sociedade brasileira não é proativa – no sentido de exigir seus direitos e defender as causas públicas. Define-a como “reativa”, age de forma solidária e emocionada quando sobrevém a destruição e o luto.
– Deixa que chegue ao pior para tomar uma medida, as quais são sempre insatisfatórias – lamenta.
DaMatta diz que o Brasil contraiu um pacto com o ente apelidado de Sobrenatural de Almeida, segundo o qual “não vai dar nada”, “nada acontecerá de ruim” e pequenas transgressões serão perdoadas. É por isso que se dirige acima do limite de velocidade, não se é cordial nas filas, solta-se sputniks em uma boate superlotada com arquitetura de gaiola.
– Eu, que já estou no terceiro tempo da vida (76 anos), fico abismado com a atração dos jovens pelo perigo – comenta.
Estado recebe toda a responsabilidade
Autor de livros como Carnavais, malandros e heróis, DaMatta indaga: o que aconteceria, diante do conjunto de irresponsabilidades que precedeu o incêndio em Santa Maria, se a boate Kiss estivesse num país como o Japão? Aposta que haveria suicídios, conforme o código de honra dos samurais. Na Argentina, após o fogo que matou 194 jovens na República Cromañón em 2004, funcionários e fiscais públicos foram condenados à prisão. Para o antropólogo, os desdobramentos aqui são imprevisíveis: a impunidade é outro mal brasileiro.
– Como pode ter um megaevento desses, com banda num espaço fechado, e com pirotecnia? – questiona.
À indulgência do brasileiro, o sociólogo Francisco de Oliveira agrega outro componente de risco. É a mania de se esperar que governos resolvam tudo. Professor emérito da Universidade de São Paulo, adverte que o Estado “está despreparado”, não se renovou para atender a uma sociedade que evoluiu de rural para urbana e industrial.
– O Estado está desaparelhado, o único que faz é correr atrás do prejuízo – ressalta.
Um dos fundadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Chico Oliveira, como é chamado entre os seus pares, desanima-se com as perspectivas. Não vislumbra o que denomina de “remédio” a curto prazo. A inércia do cidadão e a inépcia das autoridades cimentaram uma montanha pesada demais para ser removida.
– Infelizmente, a passividade é uma característica da sociedade, enquanto as instituições estão superadas. Temos um governo que não atua, não tem caráter preventivo, e isso vai continuar assim – diz Oliveira.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O pior é que a sociedade brasileira NÃO reage. É questão de tempo e tudo é esquecido. A história mostra que o brasileiro nunca foi um povo passivo, mas se transformou em passivo diante de uma legislação arcaica e benevolente, de cobrança de impostos abusivos, de maus exemplos de autoridades públicas, da impotência diante de poderes omissos e de medidas absolutistas que calam a voz dos "atrevidos" com indenizações absurdas.
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