"Os gaúchos estão felizes, mas por acomodação", afirma Jorge Gerdau Johannpeter. Presidente do Grupo Gerdau faz diagnóstico gestão no país e não foge do espinhoso tema da Petrobras
por Maria Isabel Hammes,
Gerdau diz que o pleno emprego não obriga mais ser amigo de alguém para conseguirFoto: Fernando Gomes / Agencia RBSUm dos mais conhecidos empresários brasileiros, Jorge Gerdau Johannpeter tem receitas claras para o país. Algumas são dolorosas e exigem mudanças bruscas. Sem papas na língua, tem diagnóstico preciso do que deve ser feito, confessa estar um pouco cansado de discussões e diz que já está na hora de buscar soluções.
Mas o presidente do conselho de administração do Grupo Gerdau, um império siderúrgico que reúne 45 mil colaboradores e fatura R$ 40 bilhões, vai em frente e diz, taxativo, que seu propósito é cuidar do “Brasil SA”. Com qualquer candidato – Aécio Neves (PSDB), Eduardo Campos (PSB) ou Dilma Rousseff (PT), de quem já foi interlocutor frequente e hoje está um pouco mais distanciado em decorrência da campanha eleitoral.
Na entrevista que se estendeu por uma hora e meia no sóbrio e silencioso prédio do conselho de administração da Gerdau, na Capital, em uma manhã de sol tímido, ele não fugiu do espinhoso tema da Petrobras.
Na estatal que está na mira da oposição, ocupava uma cadeira no conselho na época da compra da refinaria de Pasadena. Durante a entrevista, criticou os gaúchos que estão felizes, mas por “acomodação”, e também revelou um pouco como é viver com tanto poder, o que faz com a paparicação, às vezes excessiva, com que é tratado e como “foge” dos bajuladores.
No comando de um grupo que tem operações em 14 países, como o senhor avalia as vantagens e desvantagens do Brasil frente aos demais?
Não tem uma resposta absoluta, cada povo, país, grupo empresarial tem peculiaridades e características próprias. Mas o brasileiro tem habilidades de relacionamento e comunicação que o diferenciam, é cultural. Nenhum país tem mais habilidade na condução do problema do Haiti do que o Brasil, por meio do Exército. A ONU e todo mundo querem o Brasil lá, é uma habilidade nata, talvez pelos fluxos culturais – portugueses, influência africana, do próprio índio e depois dos imigrantes. A miscigenação dá uma característica valiosa, com impacto no processo. Mas também analiso outro aspecto: a mudança no cenário mundial e a necessidade de nos adaptarmos. Temos a aptidão humana, mas talvez não as estruturas institucionais que garantam. Esse é o tema mais complexo.
Qual seria esse tema?
As mudanças que aconteceram na globalização, processo muitas vezes não muito bem entendido. A real globalização provoca temor porque exige mudanças. Mas o mais interessante é que o grande fator de tecnologia fez a globalização acelerar.
No Brasil, não temos muitos think tanks (centros de debates de ideias), a matéria não é muito trabalhada e tem outro tema que me preocupa mais: a distância entre o empresariado, mundo político e acadêmico.
Por preconceito?
Quando a coisa é complicada, os três (empresariado, mundo político e acadêmico) têm e conversar. Tem preconceito de tudo que é lado. Nem sei quem tem mais, nem interessa. Solto minhas angústias pessoais e globais em relação ao país e ao Estado porque sinto a inteligência de ajustamento que as empresas têm de fazer com as mudanças. Mas é uma região, um Estado e um problema do país. São três níveis de núcleos sociais estruturados institucionais, que devem debater e propor. Sem pretensão de um saber mais do que outro, mas com humildade para trabalhar sobre os temas. Acho que esse tema em relação ao Rio Grande do Sul é um dos mais complexos e delicados que existem e, se eu tomar o Brasil, da mesma forma.
A questão é que o Rio Grande do Sul está com situação financeira muito delicada. Existe a possibilidade de a arrecadação do próximo governador só servir para pagar funcionários.
Já é assim, mas o atual (governo) conseguiu fazer a ampliação de empréstimos. Quanto aumentou o nível de endividamento do Estado nos últimos anos? Isso é fruto de questões estruturais, históricas, não é um problema deste governo. Tenho uma pesquisa recente sobre o Rio Grande do Sul: o índice de pessoas que sabem o que tu estás falando é mínimo. Estamos festejando que tivemos um crescimento econômico fantástico, mas que, somado ao do ano anterior, nos deixa na média histórica.
É o problema da falta de avanço sustentado?
Foi o mesmo quando o Brasil cresceu 7,5% em 2010, no ano anterior foi negativo, ou seja, voltamos à média. Se tomo a média de crescimento do Brasil nos últimos 30 anos, foi 2,6%. Nos anos 2000, com o Plano Real, melhorou um pouco, para 3%. Mas, se deduzir o crescimento demográfico em 30 anos, tenho expansão média de 1,1%. Isso significa que, para dobrar a renda do brasileiro, precisa cem anos. A notícia é desagradável, mas se vincula ao meu conceito e preocupação de que devemos ter humildade para dialogar sobre a nossa realidade e fazer a pergunta: qual o nosso propósito?
O propósito não é uma sociedade mais justa?
O propósito da arrecadação no Rio Grande do Sul é remunerar bem os seus funcionários. Acho que tem de ser bem remunerado, mas precisa sobrar um dinheirinho para investimento. Na análise do Banco Mundial e da Fundação Getulio Vargas, tem um número muito simples. Quem não poupa 20% do PIB não cresce mais de 2% ao ano. E, no Brasil, o investimento fica em 17%, 18%. Assim, crescemos cerca de 2%, e bate o desespero. Nos últimos 10, 15 anos, a média do Estado é sempre 0,5 ponto percentual inferior à do país. Temos uma pequena vantagem, pois nosso crescimento demográfico é menor, ou seja, o saldo per capita melhora um pouco. A questão é analisar a estratégia.
Não precisamos refletir sobre a mudança de perfil da economia do Estado, para não depender de São Pedro?
O perfil entra aí, de novo, na macroanálise das políticas ou propósitos. Não se discute onde chegar, mas o terrível é que, se você pergunta ao cidadão médio do Rio Grande do Sul, você verá que ele está feliz. Não comparamos direito as coisas: se olharmos a logística de São Paulo e a nossa, é irritante. E como São Paulo fez? Com concessões, mas nós as suspendemos. A presidenta Dilma faz os leilões com boas condições de juro e de competitividade, mas um Estado falido e sem dinheiro festeja estatização das estradas. E é a própria Zero Hora que nos informa: os primeiros sinais de buracos já estão começando a aumentar. O nível de poupança define o de investimento, até para atrair empréstimos externos. Estamos estagnados. Tenho uma brincadeira.
Qual é essa brincadeira?
O welfare state (Estado do bem-estar social) da Europa foi construído antes da concorrência da Ásia, mas o do Rio Grande do Sul também foi construído antes da nova realidade. Com o dólar a R$ 3, quase R$ 4, todas as ineficiências se escondiam na competitividade cambial, mas com o dólar do jeito que está hoje, tudo vem à tona. Tenho uma frase muito agressiva, mas vou dizer: o rei está nu, a verdade está à tona. Isso exige uma profunda humildade de ouvir e debater. As estruturas do Estado estão fora da realidade do mundo. Temos a pior situação de custo de previdência do país, menor índice de investimento em tecnologia e, quando o país não tem novas fronteiras nem crescimento demográfico, só tem um caminho: tecnologia. O orçamento estadual só investe, porém, 0,3% em tecnologia, quando em qualquer lugar é 3%, até 5%. Os gaúchos estão felizes, mas por acomodação. Afinal, se comparar a qualidade de vida daqui, o churrasquinho do final de semana, um baita desafio que é o Gre-Nal...
Mas seu time (Grêmio) não anda muito bem...
Somos o primeiro no ranking nacional da CBF em 2014. O teu time (Inter) está em sexto lugar. Mas estamos entrando no maior pecado brasileiro: ficar discutindo futebol em vez de discutir desenvolvimento. Falando sério, é preciso olhar onde a Previdência é autossustentável. Aqui, 56% da folha é para pagar aposentados. Minha visão é empresarial e não dá voto, os números não querem saber de voto. Se a Previdência fosse autossustentável, o custo deveria ser um terço. Mas tem testamento e privilégio de tudo quanto é jeito.
O senhor tem tantas ideias, por que nunca se candidatou ao governo do Estado?
Não quero entrar em política, sou mais útil como empresário. Com a minha idade (77 anos), nem posso mais pensar em entrar na política. O processo político é doloroso.
A política atrapalha a gestão?
Muito. Quando se troca um ministro em um país civilizado, ele põe quatro, cinco pessoas. Aqui, o governo federal nomeia 22 mil ou 23 mil. Que pessoas são essas, são profissionais de administração?
Seriam amigos?
Com o país em pleno emprego, não precisa ser amigo de ninguém. Existem funções de Estado, de políticas de governo e administração. Tudo que funciona bem em administração no Brasil é o que não tem ingerência política na administração. Que órgãos funcionam melhor? São os que têm estrutura de carreira na administração e não ingerência de políticos com interesses para empregar amigos ou coisas que é melhor nem falar.
Quais são? BNDES, Banco do Brasil, Exército?
O Itamaraty e a Caixa Econômica também.
E a Petrobras?
Tem estrutura profissionalizada, mas tem alguma influência forte na indicação de diretores com vínculos com políticos.
O senhor se arrepende de ter participado do conselho de administração da Petrobras, que autorizou a compra da refinaria de Pasadena?
Não.
Mas o senhor teve de dar explicações sobre a compra, que será alvo de uma CPI. Como o senhor se sente? A CPI é a saída?
As CPIs... Eu faço uma outra pergunta. Alguma CPI deu resultado? Em termos de melhoria, não. A transparência, sim, é importante. É importante trabalhar tecnicamente a análise dos problemas ou até de pesquisa se houve falhas ou até malfeitos. Fui convidado para entrar no conselho da Petrobras ainda no governo do Fernando Henrique Cardoso, quase dois anos antes do governo Lula. O pessoal achou válida a minha contribuição para continuar. Mas eu tenho uma visão muito clara desse processo.
Qual?
Não só esse episódio, que é complexo e nem está esgotado. Já me posicionei em público, por escrito, logo no início do debate. Não tenho muito a acrescentar, mas, na realidade, o processo tem uma soma de pequenos incidentes que tornam a análise complexa. A decisão, naquele período, foi válida.
O senhor não se arrepende de ter aprovado a compra da refinaria? Foi legal?
A palavra legal que você usa é no termo popular?
Não, de acordo com a legislação.
A decisão tomada, na época, foi válida.
O senhor e os demais conselheiros não sabiam das cláusulas que obrigavam a compra do restante da refinaria americana, que acabaram provocando prejuízo à Petrobras?
Não, o conceito era do atendimento da demanda do excesso de petróleo, tinha o álcool suprindo, não havia falta de refinarias, o Brasil tinha perspectiva de crescimento em petróleo e precisava exportar. O Brasil tem petróleo pesado, refinando, tem preços finais melhores. Então, tinha a sua lógica, está certo? Agora, se você entra hoje nos detalhes, a decisão foi tomada dentro de uma sistemática normal na Petrobras e que deu margens a falhas na avaliação.
Os senhores não receberam as informações que deviam ter chegado da equipe técnica antes de darem o aval ao negócio?
É aquele ponto que a presidenta colocou. Tem duas cláusulas que, isoladamente, são clássicas, mas que, de forma conjugada e em decorrência do tipo de negócio, levavam a risco do negócio.
Mas o presidente da Petrobras na época, José Sérgio Gabrielli, disse que ninguém pode fugir da responsabilidade, nem a presidente.
Não vou entrar neste debate porque eu acho que já dei minha posição. Não tenho interesse de continuar debatendo Petrobras.
O senhor deixou o conselho agora porque pensou: “Nesse ambiente não vou continuar”?
Não, foi um processo de eleição dos minoritários, eu era representante desses acionistas. Estava há 11 anos lá, era a hora do rodízio. Vamos ver se um outro representante dos minoritários faz um trabalho melhor do que eu fiz.
No que melhorou a prestação de serviços ao cidadão com a Câmara de Gestão?
A Câmara de Gestão trabalha como um conselho, não é um órgão executivo. Damos apoio tecnológico ou orientação. Mas temos trabalhos importantes já feitos e que continuam em execução, como a melhoria de gestão no Ministério dos Transportes, com mapa estratégico e desdobramento. E fizemos levantamentos em 35 ministérios na pré-construção de um mapa estratégico, além do fato de que agora estamos atuando em conjugar essa visão com os processos críticos de melhorias.
Aponta a redução de ministérios?
Não, a redução é um problema de gerenciamento e de governança, mas as atividades que existem se conjugam ou se separam. Têm de ser trabalhadas da mesma forma. Com gestão, em uma empresa privada, em três, cinco anos, você faz a mudança, rompe culturas. No setor público, precisa de cinco ou até 10 anos. Mas o mundo caminha rapidamente, os nossos concorrentes também. Há cinco áreas que fazem a população ir para as ruas: educação, saúde, segurança, logística e mobilidade urbana.
Os brasileiros se cansaram de maus serviços?
Todos nós. Não enfrento isso, mas me preocupo como os meus colaboradores do Brasil são atendidos. Tenho consciência de responsabilidade social. Só há um caminho: melhoria de gestão. Vivemos em um mundo de competição, que exige gente educada. Quando tenho de competir com um país que dá 12 anos de educação, como faço? Aprendi o valor da educação por necessidade competitiva. Não posso me conformar com o Rio Grande do Sul, que foi o primeiro em educação do país, e hoje está pior do que Santa Catarina e Paraná.
Esse é um motivo de preocupação?
Ninguém debate, está todo mundo satisfeito. Os pais estão satisfeitos porque as crianças estão no colégio. Mas elas têm de aprender e saber. E não pode acabar com os exames, como aqui no Rio Grande do Sul. É preciso avaliar, não empurrar o problema escondido. Tem de estudar, recuperar nas férias. Uma criança que perdeu o bonde na quarta série não pega mais depois, e o índice de analfabetismo funcional é muito alto.
O senhor mantém conversas com candidatos da oposição sobre gestão e redução de ministérios mesmo no governo?
Para mim, isso é uma missão de vida. Estou com 77 anos, a estrutura da empresa está bem encaminhada.
A sua missão é o Brasil, então?
Eu só cuido do Brasil SA. Não interessa se é Dilma, Aécio, Eduardo, porque tenho convicção de que o único modo de melhorar o país é com melhoria de gestão. Então, levo minhas ideias de gestão a eles. Se quiserem ouvir, ótimo, se não, ok. Tem amigos que dizem: “Jorge, tu tentas ajudar nesse negócio, mas não adianta nada”. Mas tem melhora a partir das concessões.
Como está a sua relação com a presidente? O senhor ainda dá conselhos, votará nela?
Meu voto é secreto, nunca abri. E continuo (próximo), não com a mesma intensidade, porque o processo hoje é outro.
A política os afastou?
Não, a política, não, mas o processo eleitoral.
Alguém lhe chama a atenção, diz que o senhor não deveria ter falado algo?
Eu me submeto a críticas. Uso minha equipe para dizer, pergunto aos meus amigos se passei do ponto. E eles falam. Tem uma frase bem simples que uso com meus clientes: amigo fala, inimigo cala. Quem é amigo, tem de falar a verdade. Faço força para que todos tenham abertura comigo. Aprendi que abertura e transparência cada vez aumentam mais e todos querem mais. Publicamente e individualmente. Se você não aprender a se movimentar assim, fica fora da realidade.
Como é viver com tanto poder? O senhor é paparicado, tem forte presença na vida econômica do país. Isso o envaidece ou o constrange?
Tento não me deixar contagiar por qualquer fator de poder, ser objetivo e útil no que faço, mas a coisa mais importante é a autoanálise de humildade. É complicado, mas tento. Tenho meus defeitos, não os confesso publicamente, mas sei das minhas limitações. Todo mundo tem limitações. Então, trabalho nesse sentido. Mas vem de educação de casa: não perder a simplicidade.
E a bajulação excessiva não o incomoda?
Não me afeta de jeito algum. Não gosto e faço de conta que não noto. A minha preocupação é procurar manter a simplicidade com as pessoas, pois é isso que me dá prazer. É convicção filosófica, que vem da família.