A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

JOVENS UNIDOS POR UMA CAUSA

ZERO HORA 03 de abril de 2013 | N° 17391

AUMENTO DA PASSAGEM

Porto Alegre viveu na segunda-feira à noite um histórico dia de efervescência social com o protesto que reuniu milhares de pessoas nas ruas do Centro contra o aumento da passagem de ônibus para R$ 3,05.

Em tempos de mobilizações que triunfam nas redes sociais, mas fracassam na hora de colocar o pé na rua, o Bloco de Luta pelo Transporte Público provou que ainda persiste uma chama de inconformismo na parcela jovem da população. E, para fazê-la incendiar, é preciso uma causa concreta e que toque o bolso da sociedade, como o custo do transporte coletivo.

Fundado em janeiro de 2012, quando a tarifa em Porto Alegre subiu para R$ 2,85, o bloco iniciou a atuação com participação majoritária de jovens ligados ao PSOL, PSTU e PT, além de ativistas de orientação anarquista e os chamados coletivos, ensejando o surgimento de grupos paralelos, como o Pula Roleta. No ano passado, a mobilização trouxe dor de cabeça à prefeitura, mas nada comparável ao marco estabelecido no dia 1º de abril de 2013, quando os manifestantes fizeram tremer a elevada que conduz ao Viaduto da Conceição.

“Quem não pula quer aumento”, cantavam, pulavam e transpiravam, seguindo em direção à Rua Sarmento Leite e, literalmente, causando sacolejos na ponte. Conforme a Brigada Militar, 5 mil pessoas participaram do ato, que durou aproximadamente três horas, arrebanhando para a causa cidadãos sem vínculo partidário.

A crise dos partidos tradicionais é um dos fatores que explicam o crescimento dos movimentos sociais. Jovens de legendas socialistas, caso de PSOL e PSTU e seus braços sindicais, com o acréscimo de anarquistas, conseguiram ocupar o espaço deixado pela falta de credibilidade das instituições.

Outro segredo do bloco é uma espécie de pacto de tolerância. Entre anarquistas e socialistas, há pensamentos distintos. Eles, no entanto, concluíram que precisam uns dos outros para dar mais peso à marcha. Por isso, se concentram no ponto de convergência: a revogação do decreto que elevou a passagem e redução do valor da tarifa. Quanto às divergências, não deixam de expressá-las.

No protesto de segunda-feira, os anarquistas, com os rostos cobertos, iam à frente e, por vezes, estouravam rojões. Uma lixeira foi destruída na Borges de Medeiros. Os demais ativistas, em maioria, alguns portando faixas em defesa do pacifismo, vaiavam os companheiros mais exaltados. A resposta não tardou a vir: anarquistas chegaram a chamar os outros manifestantes de “burgueses que dizem ser socialistas”. A união em torno da causa, com altercações nas relações, atribui vivacidade ao bloco. Qualquer detalhe gera debate, contestação e retórica.

No último protesto, havia uma clara preocupação em rechaçar a pecha de “movimento violento”, algo que ganhou corpo após os manifestantes terem depredado o prédio da prefeitura na semana passada. Na saída do túnel da Conceição, na Sarmento Leite, ativistas se apressaram para abrir caminho em meio à multidão. Queriam permitir a passagem de uma ambulância. Com esse espírito, o bloco colheu mais apoios do que atos de repúdio por onde passou. Na Júlio de Castilhos e na Borges de Medeiros, alguns faziam sinais de apoio. Outros apenas olhavam. Das sacadas, aplausos. Foram poucos os xingamentos. As pichações, feitas pelo caminho, não sofreram reprovação.

Estimativa de 3 mil participantes a mais

As adesões ao bloco cresceram de forma tão exponencial – estima-se que o protesto da semana passada tenha reunido 2 mil pessoas, ante as 5 mil de segunda-feira – que os integrantes de partidos políticos e dos coletivos, que costumam tomar a frente dos atos, estão com um problema para resolver. Muitos dos ativistas, ao chegarem ao Largo Zumbi dos Palmares, onde foi encerrado o ato, passaram a gritar palavras de ordem: “Abaixa a bandeira”, “quinta-feira é sem partido”, “o povo unido não precisa de partido”. Eram manifestações de indivíduos sem vínculo político – ou anarquistas –, que não se sentem representados por PSOL, PSTU e PT.

O fato é que o movimento não teria atingido essa proporção sem a atuação de grupos vinculados a partidos. Embora não haja lideranças constituídas, existem os mentores. São os membros das siglas, dos coletivos e dos DCEs que montaram uma eficiente engrenagem para organizar os atos, inclusive com o auxílio de advogados que entram em ação em caso de detenção de algum manifestante. Assembleias ocorrem semanalmente ou quinzenalmente, sempre em lugares diferentes e não divulgados. Lá são decididos o foco dos protestos, os roteiros a serem seguidos e outras pautas relacionadas. O comitê de organização providencia as ferramentas da marcha – como a Kombi que amplificou o som do microfone na segunda-feira.

O grupo de divulgação propagandeia os atos e busca atrair simpatizantes com peças publicitárias nas redes sociais e, sobretudo, na UFRGS e PUCRS. Também há o núcleo de segurança, onde são empregadas táticas que lembram uma guerrilha sem armas, com a definição de caminhos mais seguros a serem percorridos e observação de movimentos das autoridades da segurança pública.

Em meio a um processo de retomada de ebulição social, algo adormecido por anos, há uma certeza: o movimento transcendeu a esfera partidária e ganhou as ruas. Os ativistas devem voltar ao centro de Porto Alegre às 18h de amanhã.

– Quinta-feira vai ser maior – prometeram, em cânticos.

CARLOS ROLLSING




Os grupos

Levante Popular da Juventude – Tem conexões nacionais e, em Porto Alegre, está focado em acompanhar as obras da Copa para evitar prejuízos à população pobre. Conta com simpatizantes do PT, da Via Campesina e do legado de Hugo Chávez.

Coletivo Juntos – Integrado, em maioria, por militantes do PSOL e estudantes da UFRGS e da PUC. Um dos seus líderes é Lucas Maróstica, estagiário do gabinete da vereadora Fernanda Melchionna.
Coletivo Vamos à Luta – Tem como uma de suas lideranças Luany Barros, coordenadora-geral do DCE da UFRGS. Ela faz parte da militância do PSOL.

Defesa Pública da Alegria – Coletivo que ganhou notoriedade por ter liderado o ato que resultou na derrubada do tatu-bola, símbolo da Copa do Mundo de 2014, no Largo Glênio Peres. Também é integrado por artistas populares.

Anel (Assembleia Nacional de Estudantes Livres) – Grupo de atuação que abrange o país sob liderança do PSTU, surgiu como oposição à UNE, que, na avaliação dos manifestantes, capitulou diante do governo federal. Dentre os seus líderes no Estado, estão Lucas Fogaça e Matheus Gordo.

Anarquistas – Enquanto os socialistas defendem a passagem a R$ 2,60, eles reivindicam o “passe livre”. São os mais exaltados, vão às marchas com os rostos cobertos e com bandeiras vermelhas e pretas, atadas no alto de taquaras.

A CUT Pode Mais – Faz oposição à direção do Sindicato dos Rodoviários de Porto Alegre. Uniu-se aos protestos também para pedir melhores condições de trabalho. Embora a CUT seja ligada ao PT, essa ala não poupa governos do partido de críticas.

Assentamento Urbano Utopia e Luta – Prédio na escadaria da Avenida Borges de Medeiros em que residem simpatizantes do socialismo e de partidos de esquerda. O local já sediou algumas reuniões dos blocos e coletivos.

DCE PUC – Também integrado por militantes das siglas de identificação socialista, mas com a participação de apartidários. Na semana passada, a Avenida Ipiranga, em frente à universidade, foi trancada pelos manifestantes.

DCE UFRGS – É comandado por uma aliança que envolve jovens do PSTU, PSOL, PT e alguns anarquistas. A universidade é um dos principais centros de efervescência do movimento.

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