A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

sábado, 2 de março de 2013

POR QUE OS PROTESTOS QUE DOMINAM A INTERNET NÃO SE REPETEM NAS RUAS?

ZERO HORA ONLINE - 02/03/2013 | 15h31

Indignação virtual. Engajamento via redes sociais ainda é frágil, mas alguns protestos são virtuais por natureza


Aos 64 anos, Beppe Grillo conquistou a juventude usando as redes sociais e um blogFoto: FILIPPO MONTEFORTE / AFP



Juliano Rodrigues


Na hora de aderir à petição online que defendia o impeachment do presidente do Senado,

Renan Calheiros (PMDB-AL), 1,6 milhão de canetas virtuais se juntaram e transformaram o abaixo-assinado em uma das maiores manifestações políticas já vistas no Brasil pela internet.

Mas, no momento de entregar o "documento", apenas 60 pessoas deixaram as suas casas para protestar em frente ao Congresso.

O fracasso do movimento nas ruas colocou em xeque a eficiência das mobilizações gestadas na internet e despertou uma questão candente: qual o real nível de engajamento dos internautas com as causas compartilhadas de forma viral na rede?

Especialistas ouvidos por ZH avaliam que, por trás da fraqueza da mobilização na sua transposição da internet para o mundo real, está certa superficialidade na relação de alguns internautas com movimentos online.

— Assinar uma petição na internet demora quanto tempo? Cinco, 10 segundos... Então, movimentos desse tipo acabam não se expressando em outras arenas, o que mostra que a intensidade de apoio do internauta por essa questão é bastante baixa — opina o sociólogo e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Leonardo Avritzer.

O cientista político Bruno Wanderley Reis reforça que existe uma diferença entre o número de simpatizantes a uma ideia e o quanto essas pessoas estão dispostas a se dedicar a ela:

— O que a internet mede é a receptividade de uma causa e, no caso do "Fora, Renan", ela se mostrou elevada. Mas a força desse engajamento, a energia que as pessoas estavam dispostas a gastar com esse assunto, sugere que a causa não era tão saliente para elas, já que, depois, a manifestação foi um fiasco. O que as pessoas estavam dispostas a fazer por isso? Pelo visto, pouco.

Compartilhar valores

Embora alguns pesquisadores apontem essa suposta superficialidade na relação dos internautas com as causas, há um consenso sobre a importância crescente da internet na política a partir da disseminação de informações que devem auxiliar na formação de opinião dos eleitores. Cada vez mais, a rede se torna um local de debates de temas públicos.

— A internet abarca o mundo. Esses milhões que se mobilizam pela internet são o cimento para a ação política, porque estão formando opinião e compartilhando valores comuns — pondera o sociólogo Cândido Grzybowski, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

Para garantir apoios, ação precisa ter foco

Potencializada pelas redes sociais, a insurgência em países do Oriente Médio e norte da África resultou na deposição de regimes autoritários em países como o

Egito e a Líbia, entre 2011 e 2012, e em mudanças políticas em outras nações, como Jordânia, Iêmen e Bahrein.

Os movimentos alimentados pela falta de liberdade de expressão e pelas más condições de vida, além de problemas socioeconômicos, tornaram-se exemplo de uso eficaz da rede para mobilizações sociais e políticas e se reproduziram, em menor intensidade, em outros episódios espalhados pelo mundo, inclusive no Brasil.

— Essas mobilizações raramente são de indivíduo para indivíduo, são de grupos sociais. Na Primavera Árabe, isso ficou muito claro. Havia grupos sociais, alguns religiosos, alguns laicos, alguns de orientação política, outros de orientações bem diversificadas, mas eram sempre grupos sociais que ajudavam a mobilizar — explica o sociólogo e professor da PUCRS Emil Sobottka.

No Brasil, os protestos anticorrupção têm sido os principais exemplos de mobilizações sociais. No entanto, os brasileiros demonstram um comportamento diferente na esfera online, onde são incisivos e participativos, enquanto nas ruas os movimentos perdem força e reúnem poucas pessoas. Para o sociólogo Cândido Grzybowski, esse comportamento sinaliza uma mudança no perfil dos eleitores e na forma como eles expressam opinião. Mas o pesquisador pondera que esses grupos não podem prescindir do protesto presencial.

— Qualquer mobilização tem como objetivo incluir o assunto na pauta do debate público. O resultado das mobilizações pela internet é exatamente o mesmo, de influir, de criar agenda, de gerar mídia. Mas, a participação na rua continua sendo fundamental, ela é o grande ato cidadão por excelência. Na Tunísia, os protestos reuniram quase 15% da população do país — lembra.

Sobottka acredita que a principal diferença entre os movimentos que ocorrem em outros países e no Brasil é o nível de indignação das pessoas diante de situação que as incomode. Além disso, destaca que as características de Brasília, onde deveriam ocorrer os protestos com maior intensidade, amenizam as mobilizações.

— Fora do Brasil, os movimentos não têm sido muito descolados entre o que se apresenta na internet e o protesto na rua. Até na China tem havido mobilizações. Há uma outra questão: Brasília continua sendo fora de centro. Queira ou não, as pessoas que vivem em Brasília têm uma outra cultura política, mais próxima do poder, do que as pessoas de outras regiões — aponta.

Grzybowski avalia que o ponto chave para que as mobilizações atinjam os seus objetivos na migração da internet para as ruas é o uso da criatividade por parte dos manifestantes:

— Para essas mobilizações terem efeito, têm de ser cada vez mais diferentes e criativas.

Na Itália, fenômeno nas redes virou força política

Um brado, com poucas variações, é repetido por Beppe Grillo, 64 anos, diante de milhares de jovens e indignados reunidos nas praças da Itália:

— Eles nos atacam, morrem de medo, sabem que estamos obtendo algo excepcional.

Num estilo corrosivo e histriônico, por vezes vulgar, o "profeta Grillo", como foi apelidado pelo jornal La Stampa, tornou-se o maior fenômeno eleitoral da história recente da Itália ao conquistar 8,7 milhões de votos na eleição parlamentar de domingo e segunda-feira passados. Seu partido, o Movimento Cinco Estrelas (M5S), tornou-se a terceira maior força do país, com 107 deputados e 54 senadores, a maioria jovens.

Grillo está revolucionando a política italiana com propostas como redução do número de parlamentares e responsabilização dos bancos pelas perdas de clientes. O mago dos meios de comunicação e rosto mordaz da TV nos anos 70 e 90, até ser silenciado e censurado, denuncia agora as intrigas da velha política, critica seus privilégios e o capitalismo selvagem — alcançando enorme popularidade.

O mais interessante é que a campanha de Grillo guardou distância dos debates televisivos. Ele prefere se comunicar através das redes sociais e de seu famoso blog, que se converteu em tempo recorde no mais consultado e influente da Itália. Seu projeto inclui, além de internet grátis para todos, a implementação de uma economia verde e a redução da semana de trabalho a 20 horas.

O fenômeno Grillo tem um ideólogo: o guru digital Gianroberto Casaleggio, um milanês de 58 anos dedicado à consultoria na área de web e redes sociais. Na primeira entrevista que concordou em conceder a um jornal — o escolhido foi o britânico The

Guardian —, em janeiro, disse que encontrou Grillo pela primeira vez havia "uns 10 anos" e que se tornou responsável pela manutenção do blog do ex-comediante na internet.

Na época, Casaleggio era um bem-sucedido executivo de tecnologia da informação, ex-diretor de operações na Itália da companhia britânica Logica. Em 2004, ele fundou sua própria empresa, a Casaleggio Associati.

O primeiro passo foi a criação do blog de Grillo, que em 2007 havia se tornado o sétimo mais popular do mundo, mesmo sediado num país em que menos de 40% das residências têm computador.

— Sem a rede, Beppe e eu não teríamos conseguido nada. Foi a rede que alterou todos os balanços — diz Casaleggio.

Enquanto muitos veem no movimento italiano uma manifestação passageira de descontentamento com políticos tradicionais, Casaleggio tem convicção de estar assistindo a algo mais profundo: a erosão de todas as formas de mediação.

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