A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.
domingo, 22 de abril de 2012
A OPINIÃO PÚBLICA E OS ELEFANTES
RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA - REVISTA ÉPOCA, 19/04/2012 22h31
Foi histórico. Pela primeira vez o monarca pediu desculpas publicamente. “Sinto muito, errei e não voltarei a fazer”, disse o rei Juan Carlos, da Espanha. Ele fraturou o quadril ao caçar elefantes em safári em Botsuana, na África. A aventura foi paga por um empresário saudita. Os espanhóis, endividados e desempregados, não perdoaram a extravagância. Gastam com a monarquia o equivalente a R$ 20 milhões por ano. A opinião pública chiou.
No Brasil, será histórico o dia em que ouvirmos desculpas de um senador, um deputado, um empresário, um governador, um presidente, um juiz. A opinião pública brasileira chia cada vez mais forte, como uma manada de elefantes africanos. Encosta na parede instituições que cantavam e andavam para denúncias. O Brasil está cansado das farsas do Cachoeirão, do Mensalão, do Senadão.
A opinião pública quer uma CPI gigante que desmascare os privilégios na classe política. A força cidadã pode ser percebida nas declarações recentes de poderosos.
Eles têm reclamado menos da mídia e mais da opinião pública. O clamor popular e apartidário por ética assusta. Gorou a tentativa de cercear a mídia. Tapar a boca do povo nas redes sociais é bem mais complicado que tentar controlar a imprensa. E Dilma defende como um mantra a liberdade de expressão.
Tem gente que anda na contramão. O juiz Cezar Peluso deu uma aula magna de como não se deve sair da história. Desembarcou da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) disparando contra todos. Criticou a corregedora Eliana Calmon por insistir em investigar desvios de juízes: “Que legado ela deixou?”. Disse que Dilma “descumpre e ignora” a Constituição por não dar aumento para o Judiciário. Chamou Joaquim Barbosa de “inseguro”, difícil e vulnerável aos afagos da mídia. E alertou: “É preocupante. Há uma tendência dentro da corte em se alinhar com a opinião pública”.
O clamor popular e apartidário por ética assusta os poderosos. Gorou a tentativa de cercear a mídia .
A mesma opinião pública pressiona por um julgamento sério do mensalão. E acredita na promessa do novo presidente do Supremo, Ayres Britto, de julgar logo a denúncia de que o governo Lula tentou comprar o Parlamento em 2005. Britto, que se aposentará em novembro ao atingir a idade máxima, pretende colocar todos os digníssimos para trabalhar até no recesso de julho, se necessário. Não quer correr o risco de deixar prescrever alguns delitos. A opinião pública concorda. E a ministra Cármen Lúcia também. Ao tomar posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Cármen disse: “Nenhuma lei do mundo substitui a honestidade”.
Consciente da onda de moralidade, o Congresso parece disposto a abrir mão dos 14º e 15º salários para deputados e senadores. Mas o objetivo do sacrifício é menos nobre: derrubar a reforma que enxugaria em até R$ 185 milhões a estrutura da Casa.
Como todo mundo sabe – mas é bom lembrar –, deputados e senadores ganham R$ 26.700 brutos por mês e verbas extras de até R$ 170 mil mensais. Cada um. Cada senador dispõe de 77 funcionários, a maioria nomeada sem concurso. O nepotismo é driblado por um expediente solidário. Um contrata os parentes do outro e fica tudo em “famiglia”.
A folha de pagamentos do Senado é de R$ 2,4 bilhões por ano. Como justificar? O que o país ganha em troca?
A opinião pública investe contra as regalias dos congressistas com a persistência de caçadores implacáveis. Nem a CPI de Cachoeira, Demóstenes e companhia acalma esse povo. Quase todos os dias, são espalhados manifestos virtuais com oito sugestões para mudar a Constituição e fazer de um congressista um homem público, e não um potencial lobista. Uma das sugestões mais bem-vindas é que o Congresso deixe de votar seu próprio aumento salarial.
Os magistrados não ficam atrás. Em São Paulo, eles decidiram na quarta-feira receber R$ 29 por dia em auxílio-alimentação. O pagamento será retroativo a 2006. São quase 2.500 juízes. Cada um ganhará R$ 22 mil. A soma total é de R$ 55 milhões. Nós vamos pagar o sopão dos magistrados. Quem vai nos convencer de que os juízes precisam de grana extra para comer?
A opinião pública brasileira se preocupa mais com o Sírio que com a Síria. É natural. No Q.G. do Sírio-Libanês, em São Paulo, Lula e Sarney reúnem políticos aliados no afã de impedir que a cachoeira se transforme num tsunami e inunde o Planalto. Dilma quer muito acreditar em Hillary, que elogiou o combate à corrupção no Brasil. Mas a sétima economia do mundo continua em 73o lugar no ranking da ONG Transparência Internacional.
Ninguém sabe em qual delta todas essas CPIs vão desembocar. A temporada de caça aos elefantes começou, mas, até agora, só uma onça suçuarana foi flagrada no estacionamento do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.
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