ZERO HORA 17 de março de 2015 | N° 18104
MARCELO RECH*
Menos pela surpreendente envergadura e mais pelo ineditismo ideológico, assistiu- se em 15 de março de 2015 à maior novidade em praça pública do Brasil nos últimos 38 anos. Desde a retomada dos protestos estudantis contra o regime militar, em 1977, as ruas do Brasil eram um território delimitado pelas tintas da esquerda. De facções de linha trotskista a partidos que flertavam com o socialismo europeu, convencionara-se que apenas os matizes esquerdistas poderiam mostrar abertamente sua face país afora.
À “direita” – um carimbo em quem não se alinhasse com a esquerda –, estava reservada a vergonha de aparecer em público e enunciar seu nome em voz alta. Era compreensível. Foi a esquerda a sufocada pelos anos de chumbo, e sua reaparição no cenário político equivalia ao ar aspirado com sofreguidão pelo afogado ao retornar à superfície. A partir de 1980, muito por mérito dos barbudos do PT, a esquerda que já havia arquivado a luta armada foi avançando das ruas, dos sindicatos e dos veículos de comunicação em direção às urnas. Entre seu primeiro prefeito de capital eleito, Maria Luisa Fontenele, em 1985 (que acabaria expulsa dois anos depois), à posse do quarto mandato presidencial consecutivo, o PT e seus satélites nos movimentos sociais governaram as ruas.
Goste-se ou não, esta era acabou no domingo. Em 2013, houve um ensaio de que a esquerda tradicional perdia espaço nas ruas, mas aquelas massas não tinham rumo claro nem amálgama político, e logo o fenômeno se dissolveu. As multidões de 15 de março exibiram um posicionamento distinto. Os milhões que ocuparam as cidades formam uma frente contra o PT e o que ele, em uma sequência de erros, passou a simbolizar no imaginário de parte considerável do Brasil: corrupção e privilégios, originados na explosiva receita de partido, aparelhamento do Estado e sede incontrolável de poder.
Que Brasil emergirá desta salada ideológica nas ruas tingidas de vermelho e agora de verde-amarelo não se sabe. O fato é que, à esquerda, ao centro ou à direita, a praça deixou de ser reserva de mercado de uma corrente de pensamento. E esta é mais uma das belezas da democracia.
*JORNALISTA DO GRUPO RBS
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