ABRÃO SLAVUTZKY, PSICANALISTA - ZERO HORA 26/08/2011
Vivemos tempos de rebelião. O ano de 2011 provavelmente será lembrado como o ano em que algumas ditaduras árabes foram derrubadas por seus povos. Mas a rebeldia também se fez notar em várias cidades da Europa, e por estas bandas passeatas estudantis agitaram Santiago do Chile. O que há de comum entre todas essas manifestações sociais? Talvez a melhor resposta esteja inscrita naquela faixa de protesto carregada por belas jovens de Madri: “Por un futuro mejor/Democracia Real Ya”. Com efeito, a falta de perspectivas da população em geral que vive sob ditaduras ou mesmo em regimes democráticos tem feito eclodir rebeliões mundo afora. O que impressiona nesses movimentos é o entusiasmo pela busca de dias melhores. Essa é a face criativa da rebelião. Entretanto, há também a face destrutiva, como pudemos constatar em Londres, quando grupos movidos pelo ódio aproveitaram-se dos protestos para atacar a cidade.
A rebeldia pode ter caráter político, como vimos, mas também suceder em diversos níveis culturais e sociais. Nas artes e nas ciências, ela impele à criação de novas formas e saberes que muitas vezes se contrapõem aos do passado. Nas famílias, filhos rebeldes contestam o poder dos pais, e nas escolas os professores têm de lidar com a insubordinação de alunos contestadores. O problema da rebeldia não está na rebeldia em si, mas no processo um tanto maniqueísta em que o rebelde ou é visto com olhos benevolentes, ou tomado como subversivo.
A desobediência é a virtude original do homem. O progresso, como escreveu Oscar Wilde, é uma consequência da desobediência e da rebelião. Creio haver igual virtude na obediência e na desobediência, pois ambas são necessárias para se conquistar a liberdade. Como sabemos, não há soluções fáceis para se viver bem: o ser humano é complexo, a ambivalência é constitutiva. Somos criaturas difíceis – uns mais, outros menos –, e a vida em sociedade também é fonte de sofrimento. Apesar de tudo, convém enfrentar essa condição sem perder a graça, a poesia, a alegria de viver. Certa feita, Dom Quixote, o primeiro maluco-beleza da história, disse a seu companheiro Sancho Pança: “Pela liberdade e pela honra se pode e deve aventurar a vida”. Ser rebelde é amar a liberdade, é não se adequar à vida como ela é. É descobrir a excitação de estar sempre em busca de novos desafios e odisseias. Ser rebelde não é estar sempre contra tudo, porquanto se termina numa rebeldia mortífera. O enigma é saber o que deve ser conservado e o que pode ser transformado em nossa existência.
Quanto às rebeliões atuais, sobressaem nas fotos as expressões de alegria e júbilo dos manifestantes. Vemos multidões comemorarem os avanços dos rebeldes na Líbia, e na capital chilena 1 milhão de pessoas aglomerar-se na praça central. Ainda que transitórias, todas essas manifestações expressam a sabedoria de viver com gozo, seguindo a orientação dos Provérbios (8:31): “Divertir-se por toda a superfície da Terra”.
A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.
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