O ESTADO DE SÃO PAULO, 28 de maio de 2012 | 3h 05
CARLOS ALBERTO DI FRANCO, DOUTOR EM COMUNICAÇÃO, É PROFESSOR DE ÉTICA E DIRETOR DO MASTER EM JORNALISMO.
Em decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal barrou os candidatos ficha-suja nas eleições deste ano. "Uma pessoa que desfila pelo Código Penal ou pela Lei de Improbidade Administrativa não pode se apresentar como candidato", afirmou o ministro Carlos Ayres Britto.
Quem quiser ser candidato não pode, por exemplo, ter sido condenado por um colegiado da Justiça ou por órgão profissional, como a Ordem dos Advogados do Brasil e o Conselho Federal de Medicina, mesmo que ainda possa recorrer da decisão. Tampouco pode ter renunciado ao mandato para escapar da cassação. Também ficam impedidos de participar da eleição os políticos que tiveram contas rejeitadas e os demitidos do serviço público.
A decisão evidencia a importância do trabalho da imprensa no combate à corrupção. É difícil encontrar um ficha-suja cuja nudez não tenha sido iluminada pelos holofotes da imprensa de qualidade. Reportagens consistentes estão na origem de inúmeros processos judiciais. É o papel inestimável dos jornais nas sociedades democráticas.
Rebelam-se os políticos contra a divulgação rigorosa dos fatos. As denúncias da imprensa séria não são uma abstração. Sustentam-se em evidências. E os leitores têm o direito de receber tal informação. Trata-se de elementar prestação de serviço à cidadania. Qual é o problema? Qual o motivo da revolta?
O que se pretende é que a imprensa oculte informações desfavoráveis aos políticos, que o jornalismo se transforme em agente do marketing. Não, caro leitor, não somos coadjuvantes do teatro político. Nosso compromisso é com a verdade e com os leitores. E ponto final. O jornalismo de qualidade, ao contrário do que desejam certos políticos, deve dizer quem é ficha-suja.
A informação não é um enfeite. É o núcleo da missão da imprensa. Políticos manifestam crescente desconforto com o que representa os pilares da democracia: a liberdade de imprensa e o direito à informação. Não admitem críticas. Só aceitam aplausos. Mas o mais espantoso é que começam a ficar ouriçados com a simples exposição dos fatos. Investe-se não apenas contra a opinião, mas também contra a própria informação.
É dever ético da imprensa promover uma ampla conscientização popular da relevância que os cargos públicos têm e da importância de que pessoas absolutamente idôneas os ocupem. O eleitor tem o direito de conhecer os antecedentes dos candidatos, sua evolução patrimonial, seu desempenho em cargos anteriores, etc. Impõe-se, também, um bom levantamento das promessas de campanha. É preciso mostrar eventuais descompassos entre o discurso e a realidade. Trata-se, no fundo, de levar adiante um bom jornalismo de serviço.
Agora, completando os bons prognósticos da Lei da Ficha Limpa, entrou em vigor a Lei de Acesso à Informação Pública. A partir de agora, qualquer cidadão tem o direito de solicitar, sem precisar explicar sua motivação, todo e qualquer documento público, como arquivos, planos de governo, auditorias, prestação de contas e informação de entidade privada que recebe recursos do poder público.
O poder público pode negar, quando o material estiver classificado como reservado, secreto ou ultrassecreto, documentos que ficarão guardados por 5, 15 ou 25 anos, respectivamente. Mas quem pede um documento classificado poderá requerer sua desclassificação. Ou seja, poderá solicitar ao órgão que reavalie se o documento deve ou não ser mantido em segredo.
União e Estados têm o dever de publicar - espontaneamente e de forma fácil e objetiva - todos os dados elementares sobre despesas, receitas, contratos, licitações e recursos humanos. No Executivo, a Controladoria-Geral da União (CGU) assegurou que os rendimentos brutos de todos os servidores serão públicos.
A conquista é importantíssima. Mas a sua eficácia vai esbarrar na presumível resistência dos que cresceram à sombra da cultura do secretismo. A transparência não faz parte dos nossos costumes. Segundo o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas Fabiano Angélico, em entrevista ao jornal O Globo, mais que produzir resultados imediatos, a nova Lei de Acesso à Informação Pública é um marco para um regime de transparência pública e de democratização.
Vale a pena festejar? Claro. Mas com os pés bem plantados na realidade. O problema não se resolve com a entrada em vigor da nova lei, mas com sua implementação. Autor de estudos sobre lei de acesso no mundo, o cientista social canadense Gregory Michener mostrou certa dose de ceticismo. Em entrevista ao jornal O Globo, direta e objetiva, Michener foi ao ponto: "Implementar uma lei com abrangência de três níveis de governo e em três Poderes em seis meses é impossível. Especialmente pelos recursos que o governo brasileiro está alocando. A CGU tem 11 pessoas trabalhando, o Instituto Federal de Acesso à Informação do México, por exemplo, tem mais de cem numa instituição independente do governo. No Brasil, além de não ter competência específica para tratar do acesso à informação pública, a CGU é vinculada diretamente ao governo e à Presidência".
Uma primeira análise produz pessimismo. Tem-se a sensação de que a autoridade tenta contornar a demanda de transparência da cidadania com um jogo de faz de conta. Pode ser. Mas é algo. E o sucesso de toda lei de acesso é o seu uso. Cabe aos cidadãos, a todos nós, não deixar a peteca cair. E cabe à imprensa não desviar o foco. Duas leis podem mudar cara do Brasil: a Lei da Ficha Limpa e a Lei de Acesso à Informação Pública. Você, amigo leitor, exercendo seus direitos, pode colaborar para que a lei pegue. Vale a pena!
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