A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

terça-feira, 8 de maio de 2012

DO TRAUMA À LUTA

A frente gaúcha contra violência. Encontro hoje na Assembleia Legislativa marca o início de movimento em defesa de vítimas da criminalidade no Estado - CAUE FONSECA, ZERO HORA 08/05/2012

Em 1997, o assassinato de Ives Ota, em São Paulo, comoveu o país. Sequestrado na casa do empresário Masataka Ota e da mulher Keiko Ota no dia 29 de agosto, o menino de oito anos foi morto na mesma noite após reconhecer um dos sequestradores – um vigia que frequentava a loja dos pais. Ainda assim, eles negociaram durante 11 dias o pagamento do resgate antes de serem presos. Dos três criminosos, dois eram policiais militares que fingiam auxiliar nas investigações.

Desde então, Keiko Ota trabalha pelos direitos de famílias traumatizadas pelo crime e pela reformulação do Código Penal, em especial o amparo do Estado às vítimas da violência e o aumento das penas máximas (de 30 para 40 anos) e mínimas (de seis para 10 anos) para crimes hediondos.

Eleita deputada federal em 2010 pelo PSB, ela representa a Frente Parlamentar Mista em Defesa das Vítimas de Violência. Hoje, ela estará na Assembleia Legislativa para lançar, ao lado da deputada estadual Zilá Breitenbach (PSDB) e da ONG Brasil sem Grades, um braço gaúcho da frente parlamentar. Em um primeiro momento, a comissão gaúcha discutirá ações de proteção à mulher e à infância.

Vestindo a camiseta com a foto de Ives, como faz em eventos públicos há 15 anos, ela conversou ontem com ZH.

keiko ota - Deputada federal - "Nós não podemos assistir a milhares de pessoas perderem a vida por ano no Brasil e não fazer nada. E nós acreditamos também na recuperação. Se nós investirmos na prevenção, no auxílio a crianças, todo esse trabalho parlamentar será poupado no futuro.

“Nossa luta é por Justiça, não por vingança”. Keiko Ota, deputada federal que teve o filho morto

Zero Hora – O que aconteceu com os assassinos do Ives?

Keiko Ota – Eles foram presos e condenados a 44 anos anos de prisão. Mas cumpriram apenas seis anos e se beneficiaram pela progressão de regime. Estão os três livres hoje, mesmo tendo sido comprovado nas investigações que eles já haviam cometido crimes semelhantes (sequestros com mortes).

ZH – Hoje será inaugurada a Frente Parlamentar Gaúcha em Defesa das Vítimas da Violência. Alguma peculiaridade no Rio Grande do Sul te chama a atenção?

Keiko – Esse mapeamento do que é mais necessário em cada região vai surgir a partir de agora, com a descentralização da frente. Mas o que nos chama a atenção é justamente os problemas serem muito semelhantes. Hoje tivemos contato com uma família de Sapucaia do Sul que a mãe perdeu um filho assassinado, sofre de epilepsia e, desde então, não consegue tomar conta dos três outros filhos. A família que é vítima de violência precisa de auxílio médico, financeiro e jurídico. Esse direito está previsto na Constituição Federal, no artigo 245, que nós queremos regulamentar.

ZH – O que prevê essa regulamentação?

Keiko – Nós reivindicamos a criação de uma secretaria nacional de atendimento multidisciplinar para esse tipo de público. Hoje, uma família sob o trauma de um crime depara com um delegado à sua frente e não sabe o que fazer, quem procurar... Ninguém explica. Essa família gaúcha trocou o carro por um mais barato para poder contratar um advogado.

ZH – Por que somente passados 13 anos do assassinato do Ives a senhora resolveu ingressar na política, em 2010?

Keiko – No mesmo ano em que o crime aconteceu, nós montamos o Movimento da Paz e Justiça Ives Ota e coletamos mais de 3 milhões de assinaturas para um projeto que pedia mudanças no Código Penal. Pois o projeto estava parado lá no Congresso até hoje. Como é uma bandeira de vida minha, a minha missão, vou estar lá para dar andamento a essas demandas.

ZH – Endurecer o Código Penal foi o centro da sua campanha?

Keiko – Eu digo que não fiz campanha, que eu fui levada por uma corrente do bem. Foram 213 mil votos de pessoas que espontaneamente passaram umas às outras a nossa mensagem. É uma causa que sensibiliza muita gente. É preciso fazer alguma coisa.

ZH – A senhora não teme, ao defender o endurecimento do Código Penal, topar de frente com defensores dos direitos humanos?

Keiko – Nós não queremos que criminosos tenham violado qualquer direito. O que nós queremos é que a legislação seja cumprida. Nós não podemos assistir a milhares de pessoas perderem a vida por ano no Brasil e não fazer nada. E nós acreditamos também na recuperação. Se nós investirmos na prevenção, no auxílio a crianças, todo esse trabalho parlamentar será poupado no futuro.

ZH – Que avanços a frente parlamentar já fez em Brasília?

Keiko – As mudanças no Código Penal que propomos estão sob a análise de 16 juristas, antes de ser submetida a Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Depois, o projeto precisa tramitar nas Casas (Senado e Câmara) antes de ser submetido à presidente. Como o código é de 1940, não são poucas as atualizações.

ZH – Em todo o material da sua ONG, a senhora salienta que perdoou os criminosos do seu filho. Não soa contraditório perdoar e lutar por uma legislação mais rígida?

Keiko – De fato, as pessoas têm dificuldade de entender. Eu perdoo, mas, mesmo curada da minha dor, eu não me conformo. O perdão serve para nos libertar do ódio, para não querer mais o mal do outro, para seguir a nossa vida em frente. Eu tenho certeza de que, se eu não tivesse perdoado eles, eu não teria condições de representar essas milhares de vítimas de violência. A nossa luta é simplesmente por Justiça, não por vingança.

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