A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

domingo, 3 de junho de 2012

CALADÍSSIMOS!

ZERO HORA, 03 de junho de 2012 | N° 17089. ARTIGOS

Flávio Tavares, jornalista e escritor.


A pergunta é: e se, “no uso de um direito constitucional”, eu me calar e nada escrever aqui? Nas reluzentes regras comportamentais de Brasília, está na moda o “direito a calar-se”. E, já que a moda é lei acima da própria lei, calo-me sobre o pálido cotidiano da política.

Nada direi da CPI que investiga as negociatas entre o mafioso Carlinhos Cachoeira e governantes da área federal ou dos Estados. Nem do exibicionismo de seus membros. Ou dos que adulavam o senador Demóstenes Torres (porta-voz do “chefão”) e, por antecipação, o absolviam de vínculos com o crime, e hoje o acusam daquilo que nele elogiavam antes – a mentira. Calo-me sobre o parlamento que gasta tempo em investigar-se a si mesmo, sem tempo para investigar as profundezas do país.

Calo-me sobre os que aceitam que Demóstenes se escore na Constituição para nada explicar. Mas é lícito um senador calar-se ante seus pares?

Ao assegurar “ampla defesa ao acusado”, a Constituição manda que o preso seja informado de seus direitos, “entre os quais o de permanecer calado”. O senador não está preso, mas, por extensão de tratados internacionais, usufrui desse tratamento para defender-se. Como é um suspeito, porém, se falasse esclareceria dúvidas e indícios. Ao calar-se, aceita o que já aparece contra ele?

Nada comentarei sobre isto. Nem da secreta reunião patrocinada pelo ex-ministro Nelson Jobim, em que o ex-presidente Lula da Silva e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal, trocaram figurinhas sobre o julgamento do “mensalão”.

Limito-me a sofrer pela seca que asfixia o Rio Grande, mesmo amenizada pela chuva noturna do meio da semana ou pelo temporal na fronteira.

Na Capital “nem se nota”. O Rio Guaíba é imenso mar-doce e abrimos a torneira sem pudor, como se a água fosse mágica. Basta cruzar a ponte e ver as marcas d’água nos pilares para medir o desastre: o Jacuí com amplas praias e os afluentes cheios de ilhotas. No norte, a Barragem do Passo Real secou e fez reaparecer o vilarejo submerso há 60 anos.

Em Novo Hamburgo, Caxias, Bagé e nas Missões, a sensação é de tragédia. De bestial tragédia anunciada, ante a qual todos nos calamos. A safra de milho, quebrada; a de soja, sob ameaça. A de trigo, previamente desfeita. O arroz irrigado vira algoz de riachos e rios. E sofre a agricultura familiar, sempre mais exposta.

“Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”, dizia Heráclito num poema, para significar que a água passa e o rio de hoje não é o de ontem nem o de amanhã. Mas a ciência mostrou que a água é circular – vai e volta e é finita. Usamos, hoje, as mesmas águas do homem primitivo e, amanhã, outros usarão as águas de hoje, que se evaporam, caem e, de novo, se dissipam como vapor.

À medida que a tratamos como algo desprezível, poluindo sangas, rios, lagos e mares, ou (na cidade) lavamos calçadas, carros e roupas com produtos químicos, a água vira outra coisa e volta a cair sobre nós como chuva ácida.

Não se “fabrica água” com duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio, nem há máquina que faça chuva. Mas damos a entender o oposto e nos calamos sobre o resto.

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