Na esteira do caso Carolina Dieckman, dois projetos diferentes – do
tucano Eduardo Azeredo e do petista Paulo Teixeira – tramitam no
Congresso ao mesmo tempo com o mesmo objetivo: definir limites e penas
para os cibercrimes
por Fábio Góis | CONGRESSO EM FOCO, 24/05/2012 07:00
Aprovado na semana passada, o projeto de Paulo Teixeira sobre crimes na internet ultrapassou o de Eduardo Azeredo na tramitação
O
Brasil não tem ainda uma legislação específica para punir crimes
cometidos na internet, mas poderá ter duas distintas com uma diferença
de semanas. A disputa política e de egos entre parlamentares do PSDB e
do PT faz agora com que duas propostas diferentes sobre o mesmo tema – a
punição dos cibercrimes – tramitem ao mesmo tempo no Congresso. A
peleja ganhou ares de corrida, com uma disputa inusitada: ganha quem
chegar por último. O projeto que for aprovado depois revogará pontos do
primeiro. O problema é que a diferença entre uma coisa e outra, caso os
dois projetos sigam o mesmo ritmo em que estão agora, pode ser de apenas
uma ou duas semanas. Assim, poderemos ter uma lei passível de ser
modificada por outra mais recente, posta em vigência dias depois da
primeira.
O
Projeto de Lei 84/1999, de autoria do ex-deputado Luiz Piauhylino
(PTB-PE) e agora relatado pelo deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG),
largou bem na frente, em 1999. Mas, criticado por ser rigoroso demais,
foi ultrapassado na semana passada pelo Projeto de Lei 2793/2011,
apresentado no ano passado pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP) e
subscrito por outros cinco deputados. No calor do caso da atriz Carolina
Dieckman, que teve fotos suas nua indevidamente publicadas na internet,
o projeto foi aprovado na semana passada a toque de caixa, sem
discussão prévia em comissões.
A aprovação gerou reações de
Azeredo. E agora, sob condições que desfiguram o texto original, seu
projeto foi colocado em regime de urgência e aprovado pela Comissão de
Tecnologia e Informática da Câmara na última quarta-feira (23), e
aguarda a apreciação na Comissão de Constituição e Justiça (já há
relatório aprovado em 2008 sobre a proposição na Comissão de Segurança
Pública, de autoria do ex-deputado Régis Oliveira, PSC-SP). Ainda não há
data para deliberação da matéria, que deve ser levada ao plenário o
mais rápido possível por estar em tramitação sob regime de urgência. Por
isso, a matéria pode ir direto ao plenário.
Assim, com a
diferença de dias, dois projetos punindo cibercrimes brigarão para ver
qual será sancionado em segundo lugar pela presidenta Dilma Rousseff.
Regimentalmente, um projeto não poderia ser apensado (anexado) ao outro
depois de ser aprovado em plenário e encaminhado para outra Casa
legislativa. Além disso, as diferenças políticas e ideológicas entre os
dois autores, assim como divergências quanto aos termos da punição a
cibercrimes, não permitiriam um acordo entre Azeredo e Teixeira. Assim, a
solução será a corrida ao contrário entre os projetos.
Marco civil
Na
opinião de alguns, tal disputa acontece porque se colocou o carro na
frente dos bois. Antes de aprovar um projeto punitivo, o Congresso
deveria ter dado prioridade a um outro texto, o Projeto de Lei 2126/2011,
que estabelece o Marco Civil da Internet. Sem caráter punitivo, ele
define os “princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da
internet”, como diz a sua ementa. Bem mais atrasado, o Marco Civil da
Internet segue em fase de audiências públicas na Câmara e em municípios
do país. Enquanto os deputados e seus projetos competem, o Brasil segue
como o quarto país do mundo em práticas criminosas na internet, e o
primeiro da América Latina.
“Eu acho que sempre o marco criminal
deve estar subordinado ao marco civil. Temos de ter um marco fundante,
estruturante, que vai tratar da essência do meio. O criminal vem para
suprir aspectos”, disse ao Congresso em Foco a deputada Luiza Erundina
(PSB-SP), lamentando a pressa da base aliada na Câmara em deliberar
sobre o tema antes da legislação normativa. Uma das signatárias do
projeto aprovado em plenário (de Paulo Teixeira “e outros”), a deputada
acrescenta que “dá pra conviver” com os pontos do projeto relatado por
Eduardo Azeredo, presidente da Comissão de Tecnologia e Informática.
Antes
da aprovação do projeto de Paulo Teixeira, havia um acordo que
estabelecia a aprovação primeiro do Marco Civil para depois discutir a
legislação sobre punições. Assim, estabelecidos os princípios normativos
consensuais, estaria preparado o terreno para discutir a questão penal.
Mas o acordo foi descumprido, e provocou a inusitada situação de dois
projetos sobre o mesmo tema em plena tramitação, e em estágios
diferentes. Uma situação que irritou Azeredo.
Seu projeto
tramita desde 1999, já passou pelo Senado, já sofreu várias modificações
e via-se agora prejudicado pela aprovação do novo texto de Teixeira. O
problema do projeto de Azeredo é que desde o início ele sofreu duras
críticas nas redes sociais, por ser rigoroso demais. Chegou a ganhar o
apelido de “AI-5 digital” e, por essa razão, foi perdendo velocidade na
tramitação.
Para voltar agora à corrida, Azeredo aceitou um novo
acordo. Para que seu projeto voltasse à pauta em regime de urgência,
Azeredo aceitou retirar diversos artigos de seu texto – dos 22 dispositivos aprovados no Senado em 2008, apenas quatro deles foram mantidos no texto aprovado quarta-feira (23).
A corrida continua
Uma
vez aprovado o texto de Azeredo, ele não segue o caminho do PL 2397.
Volta a ultrapassar o projeto de Teixeira, já que não precisa voltar
mais ao Senado. Aprovado na Câmara, vai à sanção presidencial. O que, na
verdade, pode ser um ponto a mais a favor do projeto de Teixeira. O
departamento jurídico da Câmara informou ao Congresso em Foco que as
matérias tramitarão paralelamente, com efeitos legais que privilegiam o
projeto que for transformado em lei por último – ou seja, mais
recentemente. Assim, se o projeto de Teixeira vier a ser sancionado
depois do de Azeredo, vai prevalecer o que diz o projeto de Teixeira.
“O
projeto do deputado Azeredo tem uma redação com a qual não concordamos.
Ela é muito ampla e, na sua amplitude, pode envolver práticas que não
queremos criminalizar. Por exemplo: se a indústria de música quiser
cobrar criminalmente o garoto que baixa música, o projeto do Azeredo
permite. Algumas práticas comuns na internet seriam criminalizadas”,
disse em entrevista ao Congresso em Foco o ex-líder do PT na Câmara,
Paulo Teixeira, um dos signatários do PL 2793.
“Houve muitos
pedidos para que o projeto fosse votado; ele foi votado por prioridade
de inúmeros partidos.” Invasão de contas de e-mail, transferência não
autorizada de dados, roubo de senha e propagação de vírus para sequestro
de dados e espionagem, entre outros delitos, estão entre os principais
pontos do texto aprovado. Em resumo, o PL 2793/2011 pune com prisão toda
e qualquer prática que, por meio do uso de computadores, viole a
privacidade, resulte em exposição não autorizada ou cause dano material,
financeiro ou moral a terceiros.
Insegurança digital
Baixar
músicas em softwares especializados e reproduzir vírus
involuntariamente (por envio de e-mail, por exemplo), segundo o PL 2793,
não configura crime. Como o próprio Paulo Teixeira admite, o PL 2793
deve ser alterado no Senado. Mas há críticas também ao projeto de Paulo
Teixeira. Especialmente sobre o artigo 2º, que versa sobre “invasão de
dispositivo informático”. Para especialistas, o texto pode punir
profissionais de informática que desenvolvem ferramentas de segurança
para os computadores. Para desenvolver esses mecanismos, tais
profissionais estudam exatamente as fragilidades dos sistemas, e
experimentam formas de atacá-los.
“Com esse tipo de lei, você
vai criminalizar o pessoal que desenvolve o antivírus Norton, por
exemplo”, explica o professor do Departamento de Direito da Universidade
de Brasília, Fernando Viegas, especialista em legislação de internet.
“São pessoas que não sabem nada da matéria e ficam dando palpite”,
criticou o professor, para quem propostas desse tipo deveriam ser
redigidas por uma comissão de especialistas.
Para o professor,
tanto o PL 2793 quanto o projeto de Azeredo são inadequados. “Todos os
projetos pecam porque apresentam uma generalidade muito forte. A questão
da internet é muito complexa”, declarou o acadêmico, criticando ainda o
fato de o Congresso apressar a discussão do tema devido ao vazamento de
fotos íntimas de Carolina Dieckman. “Não se pode aprovar uma lei por
causa da imprensa. O erro começa aí. As coisas têm que ter um tempo
correto [de amadurecimento].”
A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário