“O poder está nas redes sociais” diz Vandana Shiva
Ambientalista e física indiana se diz cética sobre acordos entre governos na Rio+20, mas aposta na mobilização dos indivíduos e dos grupos na internet
SÃO PAULO — Por conta das redes sociais da internet, a física e
ambientalista indiana Vandana Shiva não está totalmente pessimista com a
conferência Rio+20, da qual participará a partir de 17 de junho, em
painéis sobre segurança alimentar e energética e eventos na Cúpula dos
Povos. Para ela, a força que os movimentos sociais e indivíduos ganharam
com as redes tem grande potencial transformador e pode pressionar os
governos. Em São Paulo, depois de integrar em Porto Alegre a série de
conferências "Fronteiras do Pensamento", a vencedora do prêmio Right
Livelihood, conhecido como o "Nobel alternativo", falou ao GLOBO sobre
sua fé nas mulheres e sua crença de que elas podem liderar um modelo ao
qual chamou de "economia de cuidado", mais sustentável.
O GLOBO: Depois de participar da Rio 92, o que você espera da Rio+20?
VANDANA SHIVA: Minha expectativa é zer4. Nada sério, nada realmente significativo sairá da Rio+20. Nesses 20 anos, tivemos o advento da globalização. Com isso, todas as conquistas da Rio 92 foram deixadas de lado, um enorme retrocesso. Afinal, a tônica da globalização é a desregulamentação. Oficialmente, os acordos da Rio 92 não serão enterrados nem retomados na Rio+20, mas as grandes corporações tentarão impor uma nova agenda, a chamada economia verde, que já está sendo fortemente contestada — tanto por movimentos sociais, como por alguns governos, que já perceberam que isso pode significar uma perda total de controle de recursos naturais. Mas não sou pessimista. Acredito que grupos e indivíduos, com a ajuda das redes sociais, têm o potencial de mostrar as falhas neste modelo e de buscar novos caminhos verdadeiramente sustentáveis.
Qual é a sua definição de globalização e por que você a vê negativamente?
SHIVA: Globalização foi a terceirização da destruição ecológica e do custo de produção. Todas as manufaturas mudaram-se para a China. Toda a mineração passou a ser feita nos países emergentes. São indústrias muito poluidoras, fechadas no mundo desenvolvido e reabertas na Índia e no $. Mesmo quando eles têm uma crise econômica para lidar, seus recursos naturais estarão intactos. O problema é quando nós tivermos que encarar a crise, o que inevitavelmente vai acontecer, pois esse modelo econômico é insustentável. Nesse processo ilusório de crescimento, países emergentes estão devorando o que garantiria seu futuro.
Quais são suas ressalvas ao modelo de economia verde?
SHIVA:A indústria do petróleo e o agronegócio encontraram na economia verde uma maneira de defender seus próprios interesses, subvertendo o conceito. Infelizmente, governos do mundo emergente ainda não perceberam que economia verde não se trata de tecnologia e sua transferência, e sim da exploração de recursos naturais. Trata-se de um modelo aparentemente sustentável que fará com que os governos percam cada vez mais controle sobre seus recursos naturais, entregando-os nas mãos das grandes corporações. São elas que hoje dão às cartas.
Como o feminismo, do qual você é uma importante defensora, tem relação com a questão ambiental?
SHIVA: Não sou uma defensora do feminismo tradicional, à moda de Margaret Thatcher. Acredito que são as mulheres que historicamente se preocupam com sustentabilidade. São elas que cuidam da família, da comunidade, e quando dependem dele, do ecossistema. Por causa da divisão de trabalho, mulheres são mais $áveis quando se trata de cuidar. Elas são menos ambiciosas e tendem a se preocupar com os outros e a pensar em médio e longo prazo, o que também tem relação com exclusão, com seres muitas vezes considerados cidadãos de segunda classe. É por isso que as mulheres estão no que eu chamo de "economia do cuidado", a única que deveríamos ter.
Como sua formação em física quântica e filosofia da ciência a preparou para o ativismo?
SHIVA: A primeira coisa que minha formação como física me ensinou foi a pensar em termos de sistemas, não de fragmentos. Foi por isso que estudei física quântica, que não é mecanicista, nem determinista. Pude aplicar estes pa$em agricultura e ecologia. Outra coisa que minha formação me deu é sempre procurar a próxima camada, nunca me focar na superfície. A filosofia nos leva a questionar.
É possível equilibrar medidas de sustentabilidade com crescimento e promoção da justiça social?
SHIVA: Sustentabilidade e justiça social são inseparáveis, não teremos uma sem outra. Quando pensamos em injustiça, pensamos nas pessoas que não têm comida, água, terra. Tudo o que lhes falta vem da natureza. Sem sustentabilidade, não teremos justiça social. Sistemas de exploração, tais como os modelos de agronegócio, são insustentáveis em termos de exploração de recursos naturais e são injustos, $privar as pessoas de direitos fundamentais como comida e água.
No Brasil, o debate sobre a construção de Usina Hidrelétrica de Belo Monte teve como argumentos a favor a geração de empregos e desenvolvimento da região. É uma justificativa válida?
SHIVA: Não. Quando falamos de geração de empregos, nunca levamos em conta meios de subsistência. Muitas comunidades têm meios de subsistência, não empregos. Tivemos um debate acalorado quando a rede varejista Walmart tentou entrar na Índia. Eles iriam destruir 50 milhões de pequenos negócios, sendo que cada um deles servia para sustentar uma média de dez pessoas. Essa linguagem de empregos é obsoleta, ainda mais em tem$de crise. Não faz sentido destruir o que permite a existência de economias sustentáveis a longo prazo, em troca de lucros a curto prazo. Uma grande represa foi construída no rio Ganges, perto da minha região natal. Houve a promessa não realizada de gerar mais eletricidade para as comunidades locais. Centenas de casas foram cobertas pela água, todo o ecossistema foi danificado. Só 10% da energia prometida estão sendo gerados. Nenhuma das promessas foram cumpridas. Os benefícios sobre a construção de usinas hidrelétricas costumam ser exagerados, enquanto os custos são minimizados. Não devemos tratar esses erros como se fosse a primeira vez que eles acontecem. Já aconteceram antes e deveríamos aprender com eles.
O GLOBO: Depois de participar da Rio 92, o que você espera da Rio+20?
VANDANA SHIVA: Minha expectativa é zer4. Nada sério, nada realmente significativo sairá da Rio+20. Nesses 20 anos, tivemos o advento da globalização. Com isso, todas as conquistas da Rio 92 foram deixadas de lado, um enorme retrocesso. Afinal, a tônica da globalização é a desregulamentação. Oficialmente, os acordos da Rio 92 não serão enterrados nem retomados na Rio+20, mas as grandes corporações tentarão impor uma nova agenda, a chamada economia verde, que já está sendo fortemente contestada — tanto por movimentos sociais, como por alguns governos, que já perceberam que isso pode significar uma perda total de controle de recursos naturais. Mas não sou pessimista. Acredito que grupos e indivíduos, com a ajuda das redes sociais, têm o potencial de mostrar as falhas neste modelo e de buscar novos caminhos verdadeiramente sustentáveis.
Qual é a sua definição de globalização e por que você a vê negativamente?
SHIVA: Globalização foi a terceirização da destruição ecológica e do custo de produção. Todas as manufaturas mudaram-se para a China. Toda a mineração passou a ser feita nos países emergentes. São indústrias muito poluidoras, fechadas no mundo desenvolvido e reabertas na Índia e no $. Mesmo quando eles têm uma crise econômica para lidar, seus recursos naturais estarão intactos. O problema é quando nós tivermos que encarar a crise, o que inevitavelmente vai acontecer, pois esse modelo econômico é insustentável. Nesse processo ilusório de crescimento, países emergentes estão devorando o que garantiria seu futuro.
Quais são suas ressalvas ao modelo de economia verde?
SHIVA:A indústria do petróleo e o agronegócio encontraram na economia verde uma maneira de defender seus próprios interesses, subvertendo o conceito. Infelizmente, governos do mundo emergente ainda não perceberam que economia verde não se trata de tecnologia e sua transferência, e sim da exploração de recursos naturais. Trata-se de um modelo aparentemente sustentável que fará com que os governos percam cada vez mais controle sobre seus recursos naturais, entregando-os nas mãos das grandes corporações. São elas que hoje dão às cartas.
Como o feminismo, do qual você é uma importante defensora, tem relação com a questão ambiental?
SHIVA: Não sou uma defensora do feminismo tradicional, à moda de Margaret Thatcher. Acredito que são as mulheres que historicamente se preocupam com sustentabilidade. São elas que cuidam da família, da comunidade, e quando dependem dele, do ecossistema. Por causa da divisão de trabalho, mulheres são mais $áveis quando se trata de cuidar. Elas são menos ambiciosas e tendem a se preocupar com os outros e a pensar em médio e longo prazo, o que também tem relação com exclusão, com seres muitas vezes considerados cidadãos de segunda classe. É por isso que as mulheres estão no que eu chamo de "economia do cuidado", a única que deveríamos ter.
Como sua formação em física quântica e filosofia da ciência a preparou para o ativismo?
SHIVA: A primeira coisa que minha formação como física me ensinou foi a pensar em termos de sistemas, não de fragmentos. Foi por isso que estudei física quântica, que não é mecanicista, nem determinista. Pude aplicar estes pa$em agricultura e ecologia. Outra coisa que minha formação me deu é sempre procurar a próxima camada, nunca me focar na superfície. A filosofia nos leva a questionar.
É possível equilibrar medidas de sustentabilidade com crescimento e promoção da justiça social?
SHIVA: Sustentabilidade e justiça social são inseparáveis, não teremos uma sem outra. Quando pensamos em injustiça, pensamos nas pessoas que não têm comida, água, terra. Tudo o que lhes falta vem da natureza. Sem sustentabilidade, não teremos justiça social. Sistemas de exploração, tais como os modelos de agronegócio, são insustentáveis em termos de exploração de recursos naturais e são injustos, $privar as pessoas de direitos fundamentais como comida e água.
No Brasil, o debate sobre a construção de Usina Hidrelétrica de Belo Monte teve como argumentos a favor a geração de empregos e desenvolvimento da região. É uma justificativa válida?
SHIVA: Não. Quando falamos de geração de empregos, nunca levamos em conta meios de subsistência. Muitas comunidades têm meios de subsistência, não empregos. Tivemos um debate acalorado quando a rede varejista Walmart tentou entrar na Índia. Eles iriam destruir 50 milhões de pequenos negócios, sendo que cada um deles servia para sustentar uma média de dez pessoas. Essa linguagem de empregos é obsoleta, ainda mais em tem$de crise. Não faz sentido destruir o que permite a existência de economias sustentáveis a longo prazo, em troca de lucros a curto prazo. Uma grande represa foi construída no rio Ganges, perto da minha região natal. Houve a promessa não realizada de gerar mais eletricidade para as comunidades locais. Centenas de casas foram cobertas pela água, todo o ecossistema foi danificado. Só 10% da energia prometida estão sendo gerados. Nenhuma das promessas foram cumpridas. Os benefícios sobre a construção de usinas hidrelétricas costumam ser exagerados, enquanto os custos são minimizados. Não devemos tratar esses erros como se fosse a primeira vez que eles acontecem. Já aconteceram antes e deveríamos aprender com eles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário