A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

sábado, 1 de outubro de 2011

UMA NOVA UTOPIA DEMOCRÁTICA

JOÃO MOTTA, Secretário de Planejamento, Gestão e Participação Cidadã, e VINÍCIUS WU, Chefe de Gabinete do Governador e coordenador do Gabinete Digital

Refletir sobre participação cidadã, hoje, é também procurar respostas à crise da representação, que perturba regimes democráticos em todo o mundo. Crise essa que está na base dos protestos e revoltas que marcam o ano de 2011. O impasse entre representantes formais e representados, cada vez mais distantes dos processos políticos tradicionais, manifesta-se nitidamente nas ruas de Madri, Santiago ou Londres.

Talvez o grande desafio da agenda democrática neste início de século seja exatamente o de abrir as estruturas do Estado aos novos protagonistas sociais, originários das profundas mutações vividas pela sociedade global nas últimas décadas.

No Brasil, a Constituição de 1988 ampliou a presença na cena pública das representações tradicionais do mundo do trabalho. Através de conselhos, conferências e outros instrumentos foi possível absorver a participação política de setores organizados, que antes não possuíam os atuais canais de interlocução com o Estado. No entanto, os novos atores sociais não se enxergam nesse processo.

As mudanças processadas no tecido social brasileiro indicam que atravessamos um período de transição; muito mudou e ainda vai mudar em termos de participação política. Afinal, como se expressarão politicamente os jovens da periferia beneficiados pelo ProUni? Com que grupos sociais se identificarão, no futuro, os brasileiros atendidos pelo Bolsa-Família? Para onde caminhará a nova classe média?

Assim, um sistema de participação atual deve ser sofisticado, multifacetado e priorizar o compartilhamento, ampliando o acesso aos códigos do Estado e reconhecendo diversas formas de mobilização e participação. Não há por que definir um instrumento mais ou menos importante. A participação presencial deve combinar-se com a virtual.

E compartilhar decisões, numa sociedade fragmentada, é também reconhecer identidades, o que torna as decisões mais complexas. Decidir sobre saúde, hoje, não significa decidir apenas sobre o orçamento da saúde, por exemplo. Temos uma grande diversidade de problemas a enfrentar e também uma enorme gama de sujeitos a atender e ouvir.

O sistema estadual de participação popular e cidadã, proposto pelo governo gaúcho, deve enfrentar esses temas, ampliando o caráter deliberativo sobre os investimentos públicos e priorizando os programas de desenvolvimento regional. Essa metodologia envolve o reforço de instrumentos como o Orçamento Participativo e a Consulta Popular, além da adoção de novas tecnologias de consulta e deliberação. Controle social sobre o Estado e participação devem associar-se ainda mais. Tornar acessível o monitoramento das ações de governo é fundamental.

Trata-se, enfim, de contribuir com a renovação da agenda democrática em escala global. Não é uma tarefa simples, que se realize sem um certo apelo utópico. Se conseguiremos avançar até aí, não é possível saber agora, mas que essa utopia ao menos nos leve a caminhar em sua direção.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Realmente, precisamos "refletir sobre participação cidadã" e "procurar respostas à crise da representação, que perturba regimes democráticos em todo o mundo." Entretanto, este "impasse entre representantes formais e representados" não só ocorre nas ruas de Madri, Santiago ou Londres, mas também aqui no Brasil. A diferença está no poder que atualmente governa o Brasil e que sempre liderou sindicatos e movimentos sociais e estudantis, ambos militantes preparados para levantes e reivindicações. A hoje oposição abandonou estes segmentos, certos da manutenção do poder via direita e centro. A participação cidadã atualmente tem sido utópica, pois é dirigida e com cartas marcadas. Qualquer contrariedade é abortada por vários recursos e estratégias. Apesar de serem ótimas ideias, na prática, o processo não representa a totalidade dos comunas e os resultados só avalizam o que o governante e seus dirigentes desejam. Isto sem falar que a farta distribuição de dinheiro público não tem contrapartida para aqueles que pagam impostos: o povo. Sem controles, sem deveres a cumprir e sem prestação a fazer, os beneficiados passam a viver do recurso público, fazendo tudo para manter e aumentar os requisitos, e assim continuar a receber sem trabalhar (indicados para o bolsa-família) ou encerrar com vantagens futuras (formandos em universidade pública).

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