ENTREVISTA
REVISTA ISTO É N° Edição: 2279 | 19.Jul.13
"Quem faz a revolução é a classe média"
O poeta, de 82 anos, diz que questões como esquerda e direita estão superadas e que as pessoas que vão às ruas hoje não têm as benesses dos ricos nem dos pobres, mas lucidez para não aceitar os políticos
ISTOÉ - Para o sr., que é poeta, é mais alto o custo de concluir que o mundo pragmático é melhor que o ideológico?
FERREIRA GULLAR - Lamento que não tenha mais utopia. Mas prefiro não ter do que ter falsa utopia. Porque não é por acaso que a utopia da esquerda acabou, não é? Alguém invadiu a União Soviética? Não. Ela faliu economicamente. Porque estava errada. O socialismo fez avançar a luta dos trabalhadores, as conquistas. O século XIX era uma ignomínia, a situação dos trabalhadores era uma coisa horrível, o cara não tinha aposentadoria, morria de velho na sarjeta. Não tinha jornada de trabalho, não tinha direitos. A luta a partir do marxismo mudou o mundo, e isso foi uma conquista extraordinária. E se deve a Marx (Karl,1818-1883) e aos outros que seguiram o caminho. Quem faz a revolução é a classe média. Marx era da classe média. Fidel (Castro, líder governista de Cuba) é. Lenin (Vladimir, revolucionário russo, 1870/1924) também era. Quem está nas ruas, hoje, igualmente. Ela não tem as benesses da classe dominante, mas tem a lucidez, porque estudou.
ISTOÉ - A filósofa Marilena Chauí falou, recentemente, que a classe média é “fascista” e “ignorante”.
FERREIRA GULLAR - E a classe dela qual é? Média! Ela é de esquerda, é uma revolucionária, e é da classe média. Como Marx, Lenin, Fidel, todos. O equivocado é ela ser classe média e dizer isso. Todo indivíduo defende seus interesses, quer melhoria de vida, isso é natural. Agora, dizer que só a classe média quer preservar seus interesses é um equívoco.
ISTOÉ - E a elite brasileira, melhorou?
FERREIRA GULLAR - Os sinais que a gente percebe não indicam que a classe rica tenha se tornado generosa. A burguesia brasileira não é generosa. Pode ter exceção. Mas como classe social, não.
ISTOÉ - Que camada social teria melhorado, em sua opinião, nos últimos anos?
FERREIRA GULLAR - A classe mais pobre, em função do Bolsa Família, da melhoria do salário mínimo. Os setores menos favorecidos tiveram melhoria, isso foi o que o governo do Lula fez. Realmente, foi uma coisa positiva. O que eu critico é que isso foi feito com objetivo eleitoral. E que o caminho correto para beneficiar as pessoas não é esse, é dar escolas, dar condições de trabalho. Isso só faz com investimento no crescimento do País. O Bolsa Família dá muito pouco, mas, para quem não tem nada, é muito. Melhora, claro. Só que não é o caminho correto.
ISTOÉ - O que o sr. acha do plebiscito?
FERREIRA GULLAR - Acho que é para tapar o sol com a peneira. Não há tempo para esclarecer as pessoas sobre o que vai ser votado. Acho que o referendo é o recurso correto: o Congresso faz e eu decido se aprovo ou não. E no plebiscito o povo autoriza o Congresso a fazer.
ISTOÉ - Não é grande o risco de o Congresso fazer e o povo discordar?
FERREIRA GULLAR - Sim, mas a democracia é isso. O Congresso vai propor e vai ser discutido. O eleitorado vai decidir.
ISTOÉ - Quem representaria a esquerda hoje?
FERREIRA GULLAR - Acho que isso de direita e esquerda já era.
ISTOÉ - E a identificação com o pensamento mais preocupado com o povo?
FERREIRA GULLAR - Então é o PT, que é preocupado com o povo. Mas o PT não é esquerda. Essa nomenclatura não tem a definição que tinha no passado. Claro que há pessoas mais abertas para mudanças e pessoas mais conservadoras. Isso existe.
ISTOÉ - O sr. se considera um conservador?
FERREIRA GULLAR - Não. Imagina! Nunca fui conservador. Não existe mais a história de se for de esquerda é bom e se for de direita é ruim. Se você apaga isso, vai examinar cada proposta, cada problema, independentemente da nomenclatura que está por trás da qualificação que se faça. Ver o que está sendo proposto, se está certo ou errado. É de interesse do País ou não?
ISTOÉ - O sr. tem feito poesia?
FERREIRA GULLAR - Depois do último livro que publiquei, em 2010, nunca mais escrevi poesia.
ISTOÉ - Por quê?
FERREIRA GULLAR - Não sei. Poesia não se decide escrever. Eu não vou escrever só porque faz tempo que não escrevo. Poesia é movida por espanto, alguma coisa que você não controla. Inesperadamente. Meu filho está comendo tangerina, eu sinto o cheiro que já senti mil vezes, mas naquele momento foi uma coisa especial. O cheiro, a cor... e assim nasce o poema. Mas eu não provoquei nada. Mas se isso não acontece mais, se não me surpreendo mais com as coisas, não vou escrever mais. Porque não vou escrever besteira só para dizer que estou escrevendo.
ISTOÉ - Nada mais o espanta?
FERREIRA GULLAR - Nada. Estou com 82 anos e nada mais me espanta. Me ocupo fazendo colagens, pintando, coisas que faço como hobby, já que não me considero artista plástico. Faço para ocupar meu tempo, e com prazer.
ISTOÉ - A poesia está desaparecendo?
FERREIRA GULLAR - Não é unanimidade. Nem precisa. Outro dia, eu estava saindo de um restaurante, veio uma menininha de uns 12/13 anos de idade e perguntou se eu era o Gullar. Confirmei e ela disse: “Queria agradecer ao senhor pela felicidade que trouxe para a minha vida.” Isso basta. Não é preciso que todo mundo goste. Aquela menininha gostou, é suficiente.
ISTOÉ - A tecnologia o surpreende? A forma como a sociedade está dependente do fluxo veloz de informação não é espantosa?
FERREIRA GULLAR - Fico até preocupado com o que pode acontecer com essa quantidade de informação sem controle. Essas passeatas têm causas reais na sociedade, mas elas não se realizariam, no grau de mobilização que tiveram, se não fossem as mídias sociais. Então, sob esse aspecto, é positivo, as pessoas se mobilizam. Mas na rede não só tem grande quantidade de informação como também há muita informação falsa. Aliás, eu não preciso de tanta informação. E, pior, a informação necessária muitas vezes não é difundida na escala que deveria, e a desnecessária é a que toma conta de tudo.
ISTOÉ - Acredita que vamos desembocar em um país melhor?
FERREIRA GULLAR - Sim. A história não caminha linearmente. Tem idas e vindas, avanços e recuos, mas de maneira geral avança. Claro que é a educação, a cultura, isso é que vai melhorando. Quanto mais atrasado o país, melhor para os picaretas. A vida é inventada. Então, cabe a nós inventar
uma melhor.
REVISTA ISTO É N° Edição: 2279 | 19.Jul.13
Ferreira Gullar
"Quem faz a revolução é a classe média"
O poeta, de 82 anos, diz que questões como esquerda e direita estão superadas e que as pessoas que vão às ruas hoje não têm as benesses dos ricos nem dos pobres, mas lucidez para não aceitar os políticos
por Eliane Lobato
SEM INSPIRAÇÃO
Gullar diz que não se surpreende mais com nada. Por isso, não faz mais poemas
A figura muito magra do poeta maranhense Ferreira Gullar quase se perde em meio aos quadros, a maioria pintada por ele, e livros que tomam praticamente todo o espaço da sala de seu apartamento, em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro. Aos 82 anos, ele mora sozinho, embora mantenha união estável desde 1997 com a poeta Claudia Ahimsa, 35 anos mais nova, que mora em outro endereço. Gullar é um sobrenome inventado, uma corruptela de Goulart herdado da mãe, que ele achou que combinava melhor com o Ferreira de seu pai, deletando para sempre os primeiros nomes, José Ribamar. Autor de “Poema Sujo” (1975), ele tem um histórico de coragem e protestos (foi um dos organizadores da Passeata dos Cem Mil, em 1968), de luta contra a ditadura, prisão, resistência e exílio. Hoje, é abertamente contra o Partido dos Trabalhadores e defensor da classe média, a verdadeira força revolucionária, segundo ele, de todos os tempos. Essa camada social, acredita, deflagrou as manifestações que tomaram o Brasil recentemente, insatisfeita com os políticos em geral. O poeta identifica uma nova geração de políticos não ideológicos, pragmáticos, e aplaude. Há três anos não lança livro e diz, nesta entrevista à ISTOÉ, que talvez não o faça mais por ter perdido a capacidade de se espantar, algo fundamental para fazer os versos nascerem.
“Fernando Henrique (foto), Serra e Lula pertencem
a uma geração que lutou contra a ditadura,
que tinha formação de esquerda. Essa acabou"
"O Bolsa Família dá muito pouco, mas, para quem não tem
nada, é muito. Melhora, claro. Só que não é o caminho correto”
ISTOÉ -Como o sr. define o que está acontecendo no País?
FERREIRA GULLAR - Quem deflagrou tudo isso foi a classe média. Depois, outros setores foram se juntando. Acho que é resultado do populismo do Lula (ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva), que dirigiu as benesses, o assistencialismo para as camadas mais pobres da população. Isso resultou, para o resto da população, em problemas crescentes. Há uma insatisfação com os políticos de modo geral, porque a corrupção passa por todos os partidos. Tanto que os manifestantes não aceitavam políticos nas passeatas. Nem os antigos nem a nova geração que está surgindo.
SEM INSPIRAÇÃO
Gullar diz que não se surpreende mais com nada. Por isso, não faz mais poemas
A figura muito magra do poeta maranhense Ferreira Gullar quase se perde em meio aos quadros, a maioria pintada por ele, e livros que tomam praticamente todo o espaço da sala de seu apartamento, em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro. Aos 82 anos, ele mora sozinho, embora mantenha união estável desde 1997 com a poeta Claudia Ahimsa, 35 anos mais nova, que mora em outro endereço. Gullar é um sobrenome inventado, uma corruptela de Goulart herdado da mãe, que ele achou que combinava melhor com o Ferreira de seu pai, deletando para sempre os primeiros nomes, José Ribamar. Autor de “Poema Sujo” (1975), ele tem um histórico de coragem e protestos (foi um dos organizadores da Passeata dos Cem Mil, em 1968), de luta contra a ditadura, prisão, resistência e exílio. Hoje, é abertamente contra o Partido dos Trabalhadores e defensor da classe média, a verdadeira força revolucionária, segundo ele, de todos os tempos. Essa camada social, acredita, deflagrou as manifestações que tomaram o Brasil recentemente, insatisfeita com os políticos em geral. O poeta identifica uma nova geração de políticos não ideológicos, pragmáticos, e aplaude. Há três anos não lança livro e diz, nesta entrevista à ISTOÉ, que talvez não o faça mais por ter perdido a capacidade de se espantar, algo fundamental para fazer os versos nascerem.
“Fernando Henrique (foto), Serra e Lula pertencem
a uma geração que lutou contra a ditadura,
que tinha formação de esquerda. Essa acabou"
"O Bolsa Família dá muito pouco, mas, para quem não tem
nada, é muito. Melhora, claro. Só que não é o caminho correto”
ISTOÉ -Como o sr. define o que está acontecendo no País?
FERREIRA GULLAR - Quem deflagrou tudo isso foi a classe média. Depois, outros setores foram se juntando. Acho que é resultado do populismo do Lula (ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva), que dirigiu as benesses, o assistencialismo para as camadas mais pobres da população. Isso resultou, para o resto da população, em problemas crescentes. Há uma insatisfação com os políticos de modo geral, porque a corrupção passa por todos os partidos. Tanto que os manifestantes não aceitavam políticos nas passeatas. Nem os antigos nem a nova geração que está surgindo.
ISTOÉ - Há diferenças nessa nova geração de políticos?
FERREIRA GULLAR - É pragmática. Ao contrário da anterior, que era ideológica. Fernando Henrique (Cardoso), (José) Serra e Lula pertencem a uma geração que lutou contra a ditadura, que tinha formação de esquerda, que pretendia a revolução. Essa acabou. Embora eles tivessem composições diferentes em certos aspectos, tinham a mesma ideologia. A que está surgindo aí é a geração não ideológica. Do Aécio (Neves, senador, do PSDB), do Sérgio Cabral (governador do Rio de Janeiro, do PMDB), essa geração não tem as mesmas características. Está muito mais interessada em resolver as questões, com objetivo. Pode até fazer demagogia, mas não é mais com a visão da esquerda.
FERREIRA GULLAR - É pragmática. Ao contrário da anterior, que era ideológica. Fernando Henrique (Cardoso), (José) Serra e Lula pertencem a uma geração que lutou contra a ditadura, que tinha formação de esquerda, que pretendia a revolução. Essa acabou. Embora eles tivessem composições diferentes em certos aspectos, tinham a mesma ideologia. A que está surgindo aí é a geração não ideológica. Do Aécio (Neves, senador, do PSDB), do Sérgio Cabral (governador do Rio de Janeiro, do PMDB), essa geração não tem as mesmas características. Está muito mais interessada em resolver as questões, com objetivo. Pode até fazer demagogia, mas não é mais com a visão da esquerda.
ISTOÉ - Qual é a visão deles?
FERREIRA GULLAR - Não tomam medidas porque é de esquerda ou de direita. Tomam porque é necessário tomar. Claro que apenas isso não garante que sejam bons administradores, sempre haverá o gestor bom e o ruim. Mas ter essa visão é positivo. Mesmo porque acabou esse negócio de direita e esquerda. A União Soviética não acabou? O socialismo não acabou? A China não é capitalista? Então, só louco para continuar nisso...
FERREIRA GULLAR - Não tomam medidas porque é de esquerda ou de direita. Tomam porque é necessário tomar. Claro que apenas isso não garante que sejam bons administradores, sempre haverá o gestor bom e o ruim. Mas ter essa visão é positivo. Mesmo porque acabou esse negócio de direita e esquerda. A União Soviética não acabou? O socialismo não acabou? A China não é capitalista? Então, só louco para continuar nisso...
ISTOÉ - Para o sr., que é poeta, é mais alto o custo de concluir que o mundo pragmático é melhor que o ideológico?
FERREIRA GULLAR - Lamento que não tenha mais utopia. Mas prefiro não ter do que ter falsa utopia. Porque não é por acaso que a utopia da esquerda acabou, não é? Alguém invadiu a União Soviética? Não. Ela faliu economicamente. Porque estava errada. O socialismo fez avançar a luta dos trabalhadores, as conquistas. O século XIX era uma ignomínia, a situação dos trabalhadores era uma coisa horrível, o cara não tinha aposentadoria, morria de velho na sarjeta. Não tinha jornada de trabalho, não tinha direitos. A luta a partir do marxismo mudou o mundo, e isso foi uma conquista extraordinária. E se deve a Marx (Karl,1818-1883) e aos outros que seguiram o caminho. Quem faz a revolução é a classe média. Marx era da classe média. Fidel (Castro, líder governista de Cuba) é. Lenin (Vladimir, revolucionário russo, 1870/1924) também era. Quem está nas ruas, hoje, igualmente. Ela não tem as benesses da classe dominante, mas tem a lucidez, porque estudou.
ISTOÉ - A filósofa Marilena Chauí falou, recentemente, que a classe média é “fascista” e “ignorante”.
FERREIRA GULLAR - E a classe dela qual é? Média! Ela é de esquerda, é uma revolucionária, e é da classe média. Como Marx, Lenin, Fidel, todos. O equivocado é ela ser classe média e dizer isso. Todo indivíduo defende seus interesses, quer melhoria de vida, isso é natural. Agora, dizer que só a classe média quer preservar seus interesses é um equívoco.
ISTOÉ - E a elite brasileira, melhorou?
FERREIRA GULLAR - Os sinais que a gente percebe não indicam que a classe rica tenha se tornado generosa. A burguesia brasileira não é generosa. Pode ter exceção. Mas como classe social, não.
ISTOÉ - Que camada social teria melhorado, em sua opinião, nos últimos anos?
FERREIRA GULLAR - A classe mais pobre, em função do Bolsa Família, da melhoria do salário mínimo. Os setores menos favorecidos tiveram melhoria, isso foi o que o governo do Lula fez. Realmente, foi uma coisa positiva. O que eu critico é que isso foi feito com objetivo eleitoral. E que o caminho correto para beneficiar as pessoas não é esse, é dar escolas, dar condições de trabalho. Isso só faz com investimento no crescimento do País. O Bolsa Família dá muito pouco, mas, para quem não tem nada, é muito. Melhora, claro. Só que não é o caminho correto.
ISTOÉ - O que o sr. acha do plebiscito?
FERREIRA GULLAR - Acho que é para tapar o sol com a peneira. Não há tempo para esclarecer as pessoas sobre o que vai ser votado. Acho que o referendo é o recurso correto: o Congresso faz e eu decido se aprovo ou não. E no plebiscito o povo autoriza o Congresso a fazer.
ISTOÉ - Não é grande o risco de o Congresso fazer e o povo discordar?
FERREIRA GULLAR - Sim, mas a democracia é isso. O Congresso vai propor e vai ser discutido. O eleitorado vai decidir.
ISTOÉ - Quem representaria a esquerda hoje?
FERREIRA GULLAR - Acho que isso de direita e esquerda já era.
ISTOÉ - E a identificação com o pensamento mais preocupado com o povo?
FERREIRA GULLAR - Então é o PT, que é preocupado com o povo. Mas o PT não é esquerda. Essa nomenclatura não tem a definição que tinha no passado. Claro que há pessoas mais abertas para mudanças e pessoas mais conservadoras. Isso existe.
ISTOÉ - O sr. se considera um conservador?
FERREIRA GULLAR - Não. Imagina! Nunca fui conservador. Não existe mais a história de se for de esquerda é bom e se for de direita é ruim. Se você apaga isso, vai examinar cada proposta, cada problema, independentemente da nomenclatura que está por trás da qualificação que se faça. Ver o que está sendo proposto, se está certo ou errado. É de interesse do País ou não?
ISTOÉ - O sr. tem feito poesia?
FERREIRA GULLAR - Depois do último livro que publiquei, em 2010, nunca mais escrevi poesia.
ISTOÉ - Por quê?
FERREIRA GULLAR - Não sei. Poesia não se decide escrever. Eu não vou escrever só porque faz tempo que não escrevo. Poesia é movida por espanto, alguma coisa que você não controla. Inesperadamente. Meu filho está comendo tangerina, eu sinto o cheiro que já senti mil vezes, mas naquele momento foi uma coisa especial. O cheiro, a cor... e assim nasce o poema. Mas eu não provoquei nada. Mas se isso não acontece mais, se não me surpreendo mais com as coisas, não vou escrever mais. Porque não vou escrever besteira só para dizer que estou escrevendo.
ISTOÉ - Nada mais o espanta?
FERREIRA GULLAR - Nada. Estou com 82 anos e nada mais me espanta. Me ocupo fazendo colagens, pintando, coisas que faço como hobby, já que não me considero artista plástico. Faço para ocupar meu tempo, e com prazer.
ISTOÉ - A poesia está desaparecendo?
FERREIRA GULLAR - Não é unanimidade. Nem precisa. Outro dia, eu estava saindo de um restaurante, veio uma menininha de uns 12/13 anos de idade e perguntou se eu era o Gullar. Confirmei e ela disse: “Queria agradecer ao senhor pela felicidade que trouxe para a minha vida.” Isso basta. Não é preciso que todo mundo goste. Aquela menininha gostou, é suficiente.
ISTOÉ - A tecnologia o surpreende? A forma como a sociedade está dependente do fluxo veloz de informação não é espantosa?
FERREIRA GULLAR - Fico até preocupado com o que pode acontecer com essa quantidade de informação sem controle. Essas passeatas têm causas reais na sociedade, mas elas não se realizariam, no grau de mobilização que tiveram, se não fossem as mídias sociais. Então, sob esse aspecto, é positivo, as pessoas se mobilizam. Mas na rede não só tem grande quantidade de informação como também há muita informação falsa. Aliás, eu não preciso de tanta informação. E, pior, a informação necessária muitas vezes não é difundida na escala que deveria, e a desnecessária é a que toma conta de tudo.
ISTOÉ - Acredita que vamos desembocar em um país melhor?
FERREIRA GULLAR - Sim. A história não caminha linearmente. Tem idas e vindas, avanços e recuos, mas de maneira geral avança. Claro que é a educação, a cultura, isso é que vai melhorando. Quanto mais atrasado o país, melhor para os picaretas. A vida é inventada. Então, cabe a nós inventar
uma melhor.
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