A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

OCUPAÇÃO E RESPEITO

ZERO HORA 18 de julho de 2013 | N° 17495


A histórica ocupação da Câmara

por José Carlos Moreira da Silva Filho*


Para quem não se lembra, a onda de manifestações que se espalhou pelo Brasil teve início com a consistente mobilização do Bloco de Luta pelo Transporte Público da cidade de Porto Alegre, impedindo que a Prefeitura realizasse o aumento da tarifa.

Passado o histórico mês de junho de 2013 e antecipando a greve geral que parou o país no dia 11 de julho do mesmo ano, os jovens do Bloco de Luta ocuparam a Câmara de Vereadores de Porto Alegre, convidaram os vereadores a se sentarem no chão junto com eles e começaram a questioná-los sobre o porquê da inoperância daquela casa na busca da transparência sobre os custos do transporte público e na luta pelo passe livre para estudantes, idosos e desempregados.

Desde então, o Bloco de Luta tem dado um magnífico exemplo de cidadania e exercício democrático. Contrariando o desconforto de vereadores que veem no povo apenas um partícipe amorfo que comparece às urnas de quatro em quatro anos e nada mais, jovens com dreadlocks, violões, bumbos, berimbaus, sacolas ecológicas, gorros e tocas de lã, além de jaquetas e camisetas coloridas, e muita vontade e disposição de debater com profundidade temas centrais para grande parte da população, ocuparam o Plenário da assim chamada “Casa do Povo” e deram novo alento a uma política viciada no predomínio dos interesses empresariais em detrimento dos interesses populares.

Com o apoio dos vereadores simpáticos às lutas populares e respeitosos no diálogo com a sociedade civil organizada, exercitaram uma mídia alternativa, com transmissão das atividades em tempo real, oferecendo coletivas de imprensa aos veículos tradicionais; questionaram as divisões de gênero e a homofobia no modo como organizaram os banheiros e sua limpeza; questionaram a existência de símbolos religiosos em um ambiente público de um Estado laico; questionaram a produção de alimentos com produtos químicos e o monopólio de grandes empresas alimentícias, consumindo, durante a ocupação, alimentos orgânicos e oriundos da produção de pequenos agricultores; deram aulas de negociação e resistência aos estupefatos vereadores ligados à presidência da Casa, que demonstraram, por sua vez, total despreparo para lidar com o povo organizado e grande receio em vê-los de tão perto; e, por fim, criaram o cenário para a produção de um valioso precedente judicial.

A juíza gaúcha Cristina Luisa Marquesan da Silva, teve a sensibilidade de perceber que, em uma democracia de alta intensidade, os órgãos do Estado não podem tratar os movimentos sociais como criminosos, mas sim como cidadãos que exercem o seu legítimo direito de participação e de resistência.

O que ocorre em Porto Alegre evidencia que a receita básica a ser buscada para a crise política é o diálogo e a abertura dos partidos, sindicatos e autoridades políticas tradicionais aos movimentos sociais, naturalmente mais horizontais, espontâneos e sintonizados com as reais demandas da sociedade em seus mais diferentes setores.

*Vice-presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS



Respeito, mais respeito!
por Jorge Barcellos*

Tenho 30 anos de serviço público na Câmara Municipal e nunca vi alguém agredir o presidente. Até sexta-feira, quando os jovens acampados no plenário o agrediram, além de um fotógrafo. Foi o sociólogo americano Richard Sennet que, em sua obra Respeito, lembrou sua definição: Transmitir respeito significa encontrar as palavras e gestos que fazem com que ele seja sentido e pareça convincente, diz.

Para mim, faltou respeito dos jovens pelo Legislativo. As ideias dos jovens são relevantes, mas suas atitudes não. As agressões só produziram seu distanciamento da política, da opinião pública, da imprensa e dos próprios funcionários da Casa, até então simpatizantes do movimento. Plenário é o solo sagrado da política, ele existe para afirmar a ideia de representação: seus rituais exigem respeito ao espaço, encarnação da cidade como comunidade. O parlamento não é um lugar qualquer, não pode ser ocupado como se fosse frente de fábrica, pois, mais do que um espaço, é um símbolo. O fato de que decisões erradas possam ter sido tomadas ali pelos vereadores não tira a importância da instituição.

Nas redes sociais, há quem defenda o uso da violência dos manifestantes mas isso é um perigo, “ninguém tem carta-branca para delinquir”. Foi Janaina Pascoal, professora de Direito Penal da USP, quem deu o alerta: protestos sem foco e com atos de violência podem ensejar uma situação de estado de defesa e de sítio igual a 64. A casa é do povo, sim, mas não é somente dos jovens. Ela não pode ser refém de um movimento. O direito à resistência não pode justificar tudo, muito menos a agressão a autoridades ou servidores.

Nossos representantes não são perfeitos, mas são os que temos para manter a democracia local. Por isso, os jovens e autoridades precisam cultivar o sentimento de colaboração. As agressões praticadas só encontram precedentes no período autoritário com a invasão do parlamento pelos militares. Se nossos jovens usam os mesmos instrumentos do arbítrio, o que mudou desde então? É uma pena: vi suas mensagens de otimismo nas paredes do plenário, retrato de sua ingenuidade. É hora de sua ocupação terminar no Legislativo, simplesmente porque seus integrantes ainda não conseguiram aprender a lição de respeitar os outros.
*DOUTOR EM EDUCAÇÃO PELA UFRGS

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