Márlon Reis
O Brasil está submerso em manifestações. Nas duas últimas semanas as ruas de centenas de cidades foram tomadas por cidadãos motivados por temas diversos como o alto preço das tarifas de ônibus, a liberdade de investigação para Promotores de Justiça, o combate à corrupção e a Reforma Política.
Trata-se de um movimento sem precedentes. Na história da democracia brasileira, ainda recente, vivenciamos grandes momentos de manifestação popular apenas em episódios como a luta pela realização de eleições diretas para Presidente e a mobilização pela cassação do mandato presidencial de Fernando Collor de Melo, deposto em 1992.
Todas as grandes manifestações anteriores tinham como ponto comum a condução por líderes partidários e sindicais. Era uma mobilização piramidal, operada nas formas tradicionalmente presentes na política brasileira.
Agora o que se vê é bem distinto. O movimento que ocupa as ruas não tem líderes. Nem mesmo os administradores dos perfis e páginas dotadas de maior poder de mobilização podem ser considerados líderes capazes de reunir pessoas em torno de causas comuns. Eles operam, na verdade, como catalizadores de uma energia que não parte nem passa por sua capacidade de liderança. Operam como promotores de encontros, não como chefes. As ligações que provocam não são do tipo piramidal, mas conexões melhor descritas simplesmente como “redes”.
Não há líderes a serem identificados. Não existem bandeiras definidas, já que o objetivo não é formar ou substituir os partidos.
Todos têm em comum o mesmo objetivo de demonstrar sua existência e, mais que isso, sua dignidade cívica. Querem ser ouvidos. A rua grita para despertar espaços que, de instrumentos do exercício democrático do poder, foram convertidos em feudos marcados pelo exclusivismo e pela corrupção.
As manifestações sociais no Brasil revelam um novo modo de pensar e de agir. Está caindo por terra a tutela dos partidos políticos, ainda hoje marcados por estruturas caciquistas que responderam bem em tempos passados, mas que não tem qualquer significação contemporânea.
Curioso ver como como alguns partidos, que antes sempre estiveram à frente das mobilizações, não conseguem ver um grupo reivindicando algo sem dar início às suas estratégias hegemônicas.
Lembrei-me do Fórum Social Mundial, justamente concebido como espaço de vocalizações e encontros, e que os partidos de esquerda sempre tentaram em vão transformar em lugares para a conquista de adeptos.
Assim como no Fórum Social Mundial, os manifestantes que invadem as ruas brasileiras sabem perfeitamente que “outro mundo é possível”. Não lhes pergunte qual. Mas certamente concordarão se lhes disserem que certamente não é este que conhecemos.
Indaga-se sobre o futuro desse movimento. O medo maior é que ele desapareça sem deixar conquistas. Mas isso é impossível. Nem me refiro às medidas que o governo e o Parlamento já adotaram para acolher algumas das reivindicações. Romperam-se os paradigmas e isso basta. O povo brasileiro não é mais o universo de comodismo que se pensou.
Em julho de 2012 - há dois anos - o jornal El País perguntava: “¿Por qué los brasileños no reaccionan ante la corrupción de sus políticos?”.
Terá agora que refazer a pergunta.
RECEBIDA POR EMAIL.
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