ARTIGOS
Fábio Luiz Gomes*
Uma das críticas aos protestos das ruas é ausência de objetividade. Seriam erráticos. Na verdade os problemas não cabem em um cartaz. Realmente são muitos. E suficientemente grandes para fazerem as passagens de ônibus lembrar os brioches de Maria Antonieta. E erráticos foram os primeiros movimentos dos políticos. Passado o susto inicial, mostram resistência às mudanças que realmente importam e tiram as miudezas do balaio esperando que o resto fique como está. É claro que os políticos deveriam ter mais facilidade para identificar a causa desses problemas, pois como apontou Foucault, encontraram-se no centro das relações de luta e de poder. Mas são reféns de uma visão estrábica, para lembrar Eisenberg e sua teoria da incerteza. De qualquer forma, trazendo novamente Foucault, agora na esteira de Nietzsche, nada mais bem-vindo do que os protestos, pois o caráter perspectivo do conhecimento decorre da contraposição de forças. Como apontou Boaventura Santos, representam uma dose explosiva de presente jogado na face de um passado que foi indiferente ao futuro.
Fácil a identificação dos problemas imediatos (parece que só se salvaram o Bolsa Família, os financiamentos agrícolas e a eficiência arrecadatória). Difícil a esses políticos é compreender as causas. Primeiro porque a “casta” que aí está é o pior legado de uma ditadura que cortou durante 20 anos a formação de quadros suficientemente capazes de bem gerir a coisa pública, com raras exceções. Segundo, e por via de consequência, o despreparo os impede de perceber que esse sistema político (que não pode ser dissociado do jurídico e do econômico) oriundo de formulações desenvolvidas nos séculos 17 e 18 por Hobbes, Locke, Adam Smith e Rousseau, e que viabilizou a Revolução Francesa e arrancou a humanidade do paradigma medieval, não consegue responder aos imperativos da era do tempo real e da globalização. Este sistema político está falido. Cientificamente falido. Mas nossos garbosos políticos invocam ditames de uma Constituição que nasceu retrógrada, para afastar a ideia de uma Constituinte e de um plebiscito. Há mais de 50 anos os mais respeitados cientistas falam em “refundação” do Estado.
E para não esperarmos as reformas, impotentes aos deboches dos políticos passeando em aviões da FAB e brandindo um decreto presidencial (revogável a qualquer tempo mercê do princípio da legalidade), brademos pelo menos pela efetividade de uma federação, única forma capaz de viabilizar a gestão razoável de um gigante como o Brasil, transferindo-se poder e arrecadação aos Estados e municípios. É inconcebível elegermos um monarca de quatro em quatro anos para concentrar a administração de um país-continente, com a União arrecadando 68,7% dos tributos e em tese responsável pela administração de idêntico percentual da máquina pública. É humana e tecnicamente impossível, como evidencia a realidade brasileira. A situação é agravada por conchavos em nome da “governabilidade”, como fez Lula com Maluf, símbolo maior do que as “ruas” abominam. Os protestos amainaram, mas há um desassossego no ar...*MESTRE E DOUTOR EM DIREITO
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