ROTINA NO PLENÁRIO. Por dentro da Câmara ocupada
Quem são, o que pensam e quais são as reivindicações dos manifestantes que invadiram o Legislativo da Capital no dia 10 de julho
Em frente à mesa do presidente, com o plenário da Câmara lotado – são centenas se espremendo nas galerias, no piso acarpetado e nas bancadas antes ocupadas pelos vereadores da Capital –, uma jovem de camisa de flanela e calça jeans assume o microfone: – Pessoal, tem muita gente aqui ficando doente. Não temos janelas, o ar quase não chega, os ácaros se proliferam. Estamos dividindo pratos e copos há bastante tempo. Por favor, tragam seus próprios talheres. E gostaríamos de pedir à comissão de comunicação que inclua álcool gel nos pedidos.
A garota integra a comissão de alimentação. Ou seja, é uma das responsáveis pelo preparo da comida das centenas de manifestantes que tomaram as dependências do Legislativo há oito dias. Já a comissão de comunicação, à qual ela pede ajuda, tem como atribuição divulgar nas redes sociais o que o grupo precisa para se manter. A partir da divulgação, entidades como Cpers, DCE da UFRGS e outros sindicatos se mobilizam para entregar os mantimentos.
É assim que o Bloco de Luta pelo Transporte Público se organiza. Cada comissão tem entre 10 e 15 integrantes. A de recepção, por exemplo, controla quem pode – e quem não pode – entrar no prédio. Não é permitido, por exemplo, ingresso de repórteres da chamada imprensa tradicional. Com as restrições, chama atenção o cartaz afixado no pórtico, alardeando condição do grupo para desocupar a Casa: “Passe livre”.
– Deixaram entrar um monte de gente esses dias, e um coquetel molotov apareceu em cima de um carro. São vândalos que se infiltram para desgastar a imagem do movimento. É a turma da direita, os skinheads, os brigadianos à paisana – protesta um rapaz.
Composto por movimentos sociais, sindicatos, grupos anarquistas, organizações estudantis e militantes de PSTU, PSOL e PT, o Bloco realiza diariamente audiências para decidir qualquer passo do movimento. O discurso é de que não existem líderes, mas é inegável que alguns ativistas se tornaram referências.
Matheus Gordo, coordenador do DCE da UFRGS e candidato a vereador pelo PSTU na última eleição; Rodrigo “Briza” Brizolla, da Frente Autônoma (organização com viés anarquista); e Lorena Castillo, da Federação Anarquista Gaúcha, compõem a linha de frente.
– Queremos uma sociedade em que as decisões sejam tomadas não por 36 vereadores, mas pela participação direta da população, com suas necessidades reais e urgentes – dizia Briza Brizolla em discurso ontem à tarde, do lado de fora da Câmara, enquanto Gordo e Lorena se sobressaíam na audiência de conciliação no Foro Central, que acabou em acordo que previa a saída de parte do grupo ontem à noite e do restante na manhã de hoje.
Embora anarquistas tenham força no movimento, trata-se de um grupo minoritário se comparado à presença de PSTU e PSOL no Bloco.
– Não temos líderes oficiais porque é importante, ao perseguirmos uma causa revolucionária, que todos se sintam protagonistas. Mas é evidente que algumas pessoas, pela retórica, pelo preparo e pela história de vida, se destacam mais – diz um militante.
Vereadores de oposição apoiam a ocupação como forma de desgastar o prefeito José Fortunati, maior alvo de críticas ao lado do presidente da Casa, o também pedetista Thiago Duarte. Pedro Ruas e Fernanda Melchionna, vereadores do PSOL, auxiliaram o grupo na redação do projeto de lei que institui o passe livre para desempregados e estudantes. Sofia Cavedon e Carlos Comassetto (ambos do PT) também cederam seus gabinetes, com computadores e impressoras, e emprestaram seus assessores. Mesmo com apoio dos petistas, a maior parte dos manifestantes protesta também contra o governo federal.
CARLOS ANDRÉ MOREIRA E PAULO GERMANO
Cartazes, discursos e assembleias
Embora possam ser vistos símbolos do anarquismo em cartazes aqui e ali, anarquia é tudo o que não se encontra na Câmara de Vereadores ocupada. Os corredores estão limpos, e comissões gerem o cotidiano da Casa, que tem incluído assembleias, oficinas, cursos e apresentações artísticas. Imprensa não, uma vez que apenas veículos considerados justos pelo movimento tiveram sua permanência aceita.
ZH esteve na Câmara na tarde de terça-feira. Também conversou, por telefone, com pessoas que têm ido ao local, para montar o panorama cotidiano da ocupação. As entradas têm sido controladas por um grupo que até o último dia 16 era chamado de “de segurança”, e que mudou de nome para “de recepção”. Para quem passa pelo controle, os corredores estão basicamente como antes da ocupação, com exceção de cartazes espalhados pelas paredes. Alguns deles incentivam a separação do lixo (há lixeiras para material orgânico e seco na entrada do plenário) e a cuidar do espaço. As orientações para preservação do patrimônio público também são reforçadas nas assembleias.
Apesar das resoluções tomadas em grupo, nem todos têm acatado as determinações. Houve tentativas de arrombamento em gabinetes, o que levou a coordenação do movimento a realizar rondas pelos corredores. Quadros dos vereadores e ex-presidentes da Casa vêm sendo alvo de brincadeiras. Nos primeiros dias da ocupação, o retrato de José Fortunati na galeria dos presidentes do Legislativo (entre 2002 e 2003) foi retirado da moldura e transformado em um alvo para jogo de dardos.
Na tarde de terça-feira, vereadores e ex-vereadores que tiveram suas imagens viradas do avesso na galeria incluíam, além de Fortunati, Margarete Moraes (PT), Manuela D’Ávila (PC do B) e Luiz Fernando Záchia (PMDB). Na porta do gabinete de Thiago Duarte (PDT), o atual presidente, uma placa com a inscrição “Entre sem bater” ganhou companhia de um cartaz: “Se tu não bater, ele inventa que bateu”, em referência à declaração do presidente de que teria sido agredido por ativistas no último dia 12.
Simpatizantes têm mantido uma rede de colaboração para garantir a permanência. O grupo de comunicação tem feito pedidos no Facebook. As mais recentes incluem álcool gel, verduras, temperos e frutas. Como a ocupação se desenrola há mais de uma semana em pleno inverno e o plenário não tem janelas, muitos manifestantes se griparam – a equipe de comunicação também solicitou, via rede, remédios.
Ao longo do dia, o número de ocupantes varia de acordo com as atividades. As assembleias, que vêm sendo realizadas no início da manhã e no final da tarde, congregam de 300 a 400 pessoas. Fora desses horários, o fluxo se reduz, nunca a menos de 50 pessoas – nem sempre as mesmas, uma vez que há um revezamento voluntário para que os demais possam ir para casa.
Os manifestantes têm dormido principalmente no plenário, tomado de cartazes e faixas com slogans, palavras de ordem e identificação dos movimentos. Há cartazes contra a proposta de internação compulsória para dependentes de drogas, críticas à imprensa (à RBS, principalmente) e a políticos, nominalmente (dos vereadores Thiago Duarte e Mônica Leal ao governador Tarso Genro e à presidente Dilma). Nas bancadas dos vereadores, cartazes indicam o local ocupado por grupos de trabalho. Há música no intervalo das assembleias, manifestações poéticas penduradas em uma das paredes do corredor do plenário, no mesmo lugar em que há um tapete com livros à venda (como os três volumes da biografia de Trotski por Isaac Deutscher).
O QUE PEDEM. Os ativistas prometeram desocupar a Câmara sob as seguintes condições
- Passe livre para estudantes e desempregados
- Transparência sobre as planilhas usadas para calcular o valor da tarifa
- Quebra do sigilo bancário e fiscal das empresas de ônibus
Acordo prevê a desocupação
Após cinco horas de debate acalorado entre a presidência da Câmara e representantes do Bloco de Luta, um acordo mediado pelo Judiciário e Ministério Público encaminhou o fim da ocupação do Legislativo, que já dura oito dias. Vereadores e manifestantes deixaram a audiência satisfeitos. Os parlamentares poderão retomar as sessões, e os ativistas conseguirão protocolar dois projetos de lei: o do passe livre e o de transparência das planilhas das empresas de transporte público.
Transferida para o auditório do Foro Central devido à presença de dezenas de pessoas, a audiência se arrastava com discursos inflamados do presidente da Casa, Thiago Duarte, e dos representantes do movimento e seus advogados, sem qualquer perspectiva de que a discussão chegasse a um denominador comum. A partir da intervenção da promotora Maria Cristina de Lucca, da Fazenda Pública da Capital, o acordo começou a nascer. Os ativistas levaram ao Judiciário seis exigências, que incluíam, além dos projetos do passe livre e da transparência das planilhas, o fim do recesso parlamentar para as votações, a quebra das empresas de ônibus, a não criminalização da ocupação e uma retratação pública do presidente do Legislativo. Conseguiram dois de seus objetivos.
O documento assinado determinou a saída de metade do grupo na noite passada, incluindo crianças, e que os projetos do passe livre e da transparência nas planilhas sejam protocolados na manhã de hoje. A outra metade do movimento deve sair do prédio após o registro dos projetos.
– Nossa ocupação foi vitoriosa. Conseguimos atingir o nosso objetivo, que era protocolar os projetos – resumiu a integrante do bloco Lorena Castillo.
Durante o encontro, Thiago Duarte se mostrou irredutível.
– Estamos aqui em respeito ao Judiciário. Não aceitamos intromissão na liberdade de livre legislar – afirmou.
Com o desenrolar da audiência, aconselhado por vereadores da base aliada e pressionado pela juíza e pela promotora, Duarte cedeu. No fim da reunião, disse que o acordo selado era o que esperava, mas que “faltou sensibilidade ao bloco”. Hoje, a juíza responsável pelo caso, Cristina Marquesan, a promotora e dois oficiais de Justiça irão à Câmara para acompanhar o desfecho da ocupação. A pedido do movimento, seriam realizadas duas inspeções para verificar eventuais danos à Casa, uma na noite passada e outra hoje.
Após cinco horas de debate acalorado entre a presidência da Câmara e representantes do Bloco de Luta, um acordo mediado pelo Judiciário e Ministério Público encaminhou o fim da ocupação do Legislativo, que já dura oito dias. Vereadores e manifestantes deixaram a audiência satisfeitos. Os parlamentares poderão retomar as sessões, e os ativistas conseguirão protocolar dois projetos de lei: o do passe livre e o de transparência das planilhas das empresas de transporte público.
Transferida para o auditório do Foro Central devido à presença de dezenas de pessoas, a audiência se arrastava com discursos inflamados do presidente da Casa, Thiago Duarte, e dos representantes do movimento e seus advogados, sem qualquer perspectiva de que a discussão chegasse a um denominador comum. A partir da intervenção da promotora Maria Cristina de Lucca, da Fazenda Pública da Capital, o acordo começou a nascer. Os ativistas levaram ao Judiciário seis exigências, que incluíam, além dos projetos do passe livre e da transparência das planilhas, o fim do recesso parlamentar para as votações, a quebra das empresas de ônibus, a não criminalização da ocupação e uma retratação pública do presidente do Legislativo. Conseguiram dois de seus objetivos.
O documento assinado determinou a saída de metade do grupo na noite passada, incluindo crianças, e que os projetos do passe livre e da transparência nas planilhas sejam protocolados na manhã de hoje. A outra metade do movimento deve sair do prédio após o registro dos projetos.
– Nossa ocupação foi vitoriosa. Conseguimos atingir o nosso objetivo, que era protocolar os projetos – resumiu a integrante do bloco Lorena Castillo.
Durante o encontro, Thiago Duarte se mostrou irredutível.
– Estamos aqui em respeito ao Judiciário. Não aceitamos intromissão na liberdade de livre legislar – afirmou.
Com o desenrolar da audiência, aconselhado por vereadores da base aliada e pressionado pela juíza e pela promotora, Duarte cedeu. No fim da reunião, disse que o acordo selado era o que esperava, mas que “faltou sensibilidade ao bloco”. Hoje, a juíza responsável pelo caso, Cristina Marquesan, a promotora e dois oficiais de Justiça irão à Câmara para acompanhar o desfecho da ocupação. A pedido do movimento, seriam realizadas duas inspeções para verificar eventuais danos à Casa, uma na noite passada e outra hoje.
Um programa pouco conhecido oferece até 9 mil gratuidades no transporte para alunos de escolas municipais, estaduais e federais. Para ter direito ao benefício, o usuário deve cumprir uma série de requisitos. O benefício existe há 13 anos e, hoje, tem 7.785 mil usuários ativos.
O alerta da existência do benefício, que cobre todo valor de duas passagens de ônibus por dia, veio do prefeito José Fortunati em entrevista a Zero Hora na noite de segunda-feira. Indagado sobre a possibilidade de instituir o passe livre para estudantes na Capital, ele respondeu:
– Temos passe livre para os alunos das escolas municipais e estaduais. As pessoas não sabem, mas já existe.
Trata-se do projeto Vou à Escola, que concede transporte gratuito aos estudantes, quando não há vaga em escola pública próxima à residência. Idade, distância e renda familiar também são itens observados. O município executa o projeto e arca com os custos das passagens concedidas aos estudantes do Ensino Fundamental. O Estado paga os benefícios aos alunos do Ensino Médio, que oferece 2 mil vagas e tem 1.386 usuários ativos. Pelos dados atuais, há 1.215 mil passes livres disponíveis.
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