ZERO HORA 12 de julho de 2013 | N° 17489
ANTES E DEPOIS
O despertador da cidade parecia desligado na manhã de ontem. Com a população entocada em casa, o comércio de portas cerradas e os escritórios vazios, o dia avançava sem nenhum vestígio da metrópole agitada que foi dormir na noite anterior. O contraste entre o movimento de quarta e de quinta-feira ficou evidente em pontos tradicionais da Capital, como mostram as fotos
Nem no feriado mais preguiçoso Porto Alegre veria coisa do tipo. Imagine uma fonte d’água, imponente e elegante, lançando esguichos a dois metros de altura enquanto um espelho se cristaliza na base – e você só ouve o ruído macio da água, três passarinhos cantando, o sopro da brisa suave e todo aquele sossego bucólico de praças do Interior.
Um clichê mamão com açúcar, mas imprevisível às 8h de uma quinta-feira em frente à prefeitura da Capital. Imprevisível até para um domingo, porque havia mais pombas bicando o chão do que gente caminhando ali, na região mais movimentada da cidade – e em um dos horários mais agitados do dia.
– Porto Alegre não acordou – resumiu José Fernando dos Santos, proprietário de uma banca de revistas à margem do Largo Glênio Peres, único estabelecimento aberto (e ainda assim com a porta de ferro pela metade) no coração da cidade.
Não havia ônibus, não havia trem e, por consequência, não havia comércio nem multidão. As principais avenidas da Capital – a Ipiranga, a Mauá, a Independência, a Assis Brasil – se desenrolavam vazias de norte a sul, e um ar mais puro percorria a cidade ensolarada. Porto Alegre exalava serenidade, mas quase ninguém a desfrutava. E os que estavam na rua se sentiam acuados – era o caso do dono da banca – porque a segurança parecia mais frágil com aquela desocupação geral.
Um caso desagradável era o de André Luís Alves, 33 anos, atendente de uma lancheria na região central. No dia anterior, seu chefe anunciara folga para todos os funcionários devido à paralisação no transporte público, então ele deixou o trabalho e foi dançar com a namorada. Saracoteou até a meia-noite, faceiro com a festa em plena quarta, levou a companheira até o ônibus dela, depois foi atrás da própria condução na Praça Rui Barbosa. Quando chegava à parada, viu seu ônibus partindo.
E André mora em Gravataí. De qualquer forma, o fiscal garantiu que ainda haveria transporte na madrugada, que a paralisação só começaria de manhã.
– Estou esperando desde a 1h – gemeu ele em frangalhos, às 9h30min de ontem, em meio a uma Praça Rui Barbosa deserta.
Durante a madrugada, ele até tentara dormir, abraçou os joelhos e recostou-se na parede fria, mas foi acordado por um berreiro: assalto a duas meninas. Era melhor ficar acordado. Na rodoviária também havia gente assim, meia dúzia de pessoas esperando horas e horas por uma passagem – a venda fora cancelada depois que o Daer suspendeu o serviço –, mas o que chamava a atenção era o Rodobar fechado.
Em 43 anos de atividade, a mais célebre lancheria da rodoviária, aberta sempre 24 horas, jamais havia fechado nem por um minuto, nem mesmo quando o proprietário e fundador morreu, três anos atrás. Como nunca foi usada, a porta de ferro emperrou, ninguém conseguia cerrá-la na manhã de ontem: os funcionários, então, compraram três fitas de isolamento, daquelas em amarelo e preto, e improvisaram um ziguezague no entorno da loja.
– Nem para reforma a gente fechava. Mas hoje decidimos aderir às manifestações. Transporte, saúde, educação, está tudo muito ruim – protestava Sérgio Machado, gerente do Rodobar.
Só a farmácia funcionava na rodoviária – passageiros desavisados, que chegaram na madrugada e precisavam viajar para o Interior, reclamavam de fome.
Mas em qualquer canto, em qualquer serviço, a quantidade de gente que faltara ao trabalho era gritante. Nos postos de saúde, por exemplo. O Santa Marta, na Rua Capitão Montanha, tinha cinco médicos na manhã de ontem (em um dia normal, teria 30). A sorte é que apenas 20 pacientes haviam chegado ao local até as 11h, número que passa dos 300 diariamente.
– Em 17 anos trabalhando aqui, nunca vi movimento tão baixo. Aliás, nunca vi movimento tão baixo na cidade inteira – concluiu a coordenadora de especialidades clínicas do Santa Marta, Letícia Vasconcellos Tonding.
No dia 11 de julho, em Porto Alegre, a madrugada invadiu o dia.
PAULO GERMANO
Ônibus parados e cautela elevam efeito de protesto
A paralisação do transporte público foi a principal estratégia das centrais sindicais e dos movimentos sociais para parar Porto Alegre. Mas o receio de atos de vandalismo contribuiu para esvaziar as ruas, dando um clima de feriado. Os sindicalistas tentarão no próximo mês repetir a mobilização em Brasília para pressionar o governo federal a aceitar as reivindicações
Embora o ato final no Centro da capital gaúcha tenha reunido um número bem menor de pessoas do que algumas manifestações de junho, a mobilização convocada pelas centrais sindicais conseguiu parar Porto Alegre durante o dia inteiro. Além de aglomerações e bloqueios espalhados pela cidade, o feito teve como fatores preponderantes a paralisação quase completa do transporte público e o receio de repetição de atos de vandalismo.
Sem ônibus e com o trauma recente das depredações em protestos, a opção foi pela cautela. Grande parte do comércio fechou as portas, escolas não tiveram aulas e bancos, em sua maioria, deixaram de abrir.
– Parar o transporte é elemento essencial neste tipo de greve. É uma estratégia clássica e histórica – ressalta José Dari Krein, diretor do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp, de Campinas.
Além de os ônibus não saírem das garagens, o receio de novos quebra-quebras contribuiu para o clima de feriado, avalia Loiva dos Santos Leite, presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul.
– Manifestações são importantes para a democracia, e as massas têm força para mudar o curso da história de um país. Mas as cenas de vandalismo também assustaram muito, mesmo quem estava nas ruas por uma causa. Em parte, também se deve a isso. Há essa tensão – observa Loiva.
Temor e adesão no comércio
Apesar de, na quarta-feira, as entidades de classe orientarem o comércio a abrir, ameaças e falta de meios para que funcionários chegassem ao trabalho levaram diversos pontos, principalmente do Centro, a decidir não trabalhar ontem, sustenta o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas da Capital, Gustavo Schifino.
– Pessoas não identificadas passaram ontem (quarta-feira) nas lojas dizendo que se não fechassem as portas seriam quebradas. Então, foi receio pelos últimos incidentes e dificuldade de deslocamento de equipes – diz Schifino, que calcula em 2,5% a perda do comércio do Centro em relação ao faturamento esperado para julho devido à paralisação de ontem.
Líder experimentado em greves da categoria, o presidente do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, Mauro Salles, avalia que o movimento ganhou força por fatores encadeados, como a adesão de trabalhadores, a paralisação dos ônibus e o fechamento do comércio. Nos bancos, observa, diversas agências não abriram porque não tinham vigilantes – que aderiram ou não conseguiram chegar ao trabalho –, e porque a legislação proíbe o funcionamento sem pelo menos duas pessoas fazendo a segurança. Apesar do temor de vandalismo, não houve qualquer registro de depredação de lojas da Capital.
Após o encerramento do chamado Dia Nacional de Lutas, as centrais preparam agora uma nova marcha a Brasília no próximo mês para voltar a pressionar o governo federal e o Congresso a destravar pautas de interesse dos trabalhadores, como a redução da jornada de trabalho, fim do fator previdenciário e mais investimentos em saúde e educação. Para Krein, a mobilização conseguiu recolocar na pauta temas empurrados com a barriga na capital federal:
– O resultado ainda vai depender dos desdobramentos destas mobilizações. Mas há uma certa sensibilização das instituições. O Congresso votou várias coisas, a Dilma se mexeu, o Judiciário deu celeridade a julgamentos que estavam parados.
O momento psicológico após os protestos de junho, reforça Loiva, indica maior propensão do Executivo e do Legislativo a dar respostas a pleitos populares, a exemplo da retirada da tramitação do projeto da chamada “cura gay” e da PEC 37, que restringia o poder de investigação do Ministério Público.
CAIO CIGANA
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