A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

A BATALHA FORA DO ESTÁDIO


ZERO HORA 01 de julho de 2013 | N° 17478

ITAMAR MELO | RIO DE JANEIRO/ENVIADO ESPECIAL

NO RIO. Pouco antes do jogo entre Brasil e Espanha, no Rio de Janeiro, o entorno do estádio Maracanã virou uma zona de guerra. Manifestantes atiraram pedras e bombas de fabricação caseira, enquanto policiais revidaram com gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral.

Às 18h30min de ontem, o celular de Leonardo Justino, 17 anos, tocou na Avenida São Francisco Xavier, a 150 metros do Maracanã lotado. Horas antes, o estudante de Ensino Médio saíra escondido de casa, na Ilha do Governador, munido de máscara e óculos de mergulhador, com a esperança de protestar contra a Copa ao lado do estádio. Quando chegou ao local, no meio de uma marcha que reuniu milhares de descontentes, Leonardo deparou com o estádio isolado por uma megaoperação de segurança. Eram 6 mil policiais militares, cinco vezes o efetivo que costuma ser empregado no Réveillon do Rio.

O momento era de calma, com os manifestantes reunidos em grupinhos junto às barreiras policiais, quando o telefone do estudante tocou. Do outro lado da linha, o pai de Leonardo queria saber onde ele estava.

– Estou perto do Maracanã, pai. Mas está tudo tranquilo – garantiu o rapaz.

Quando desligou, o estudante contou:

– Ele disse que vai me dar um castigo. Acho que vai tirar minha guitarra. É alienado. Só começou a achar as manifestações positivas quando a TV começou a falar a favor.

No momento seguinte, Leonardo estava correndo em meio à fumaça.

– É gás! É gás! – avisavam os manifestantes.

Um confronto iniciado na Avenida Maracanã, via de acesso à entrada principal do estádio, transformou o entorno da final da Copa das Confederações em zona de guerra. Manifestantes próximos à linha de PMs atiraram pedras e bombas de fabricação caseira nos soldados – um deles ficou com a calça em chamas. O revide veio na forma de gás e de bombas de efeito moral.

Enquanto a torcida via os times entrarem em campo, a poucas centenas de metros das arquibancadas manifestantes estavam no conflito. O gás caía no meio da massa gerando corre-corre e pânico. Lágrimas jorravam dos olhos, e pessoas se arrastavam, sem conseguir respirar.

– Não vai ter Copa! Não vai ter Copa! – gritavam, teimosos, durante o recuo.

Contra helicóptero, ativista usa funda

Os mais exaltados, com máscaras e panos ao redor do rosto, tentavam fazer frente aos PMs, arremessando pedras, disparando sinalizadores, bombas de fabricação caseira e fazendo fogueiras no meio da pista com o que houvesse à mão. Um manifestante combatia o helicóptero da polícia atirando com uma funda.

O momento mais aterrorizante da batalha ocorreu depois de 20 minutos de confronto, quando outro grupo da polícia de choque apareceu no lado oposto da rua, deixando centenas de manifestantes no meio de fogo cruzado. A única maneira de escapar, por ruas laterais, era atravessando a nuvem espessa de gás. A partir dali, os manifestantes se dividiram em vários grupos pequenos, espalhando-se por bairros próximos. Cerca de 500 deles fugiam por uma rua paralela à Avenida Maracanã, perseguidos pelas bombas, quando o Brasil fez seu primeiro gol. Moradores apareceram nas janelas para comemorar e foram recebidos com vais e xingamentos.

Naquele instante, o protesto já estava disperso em dezenas de pequenos grupos acuados pela polícia. Um foi perseguido pelas bombas até a Praça Saenz Peña, a cerca de um quilômetro do Maracanã, onde a marcha começara. Em uma travessa que dá acesso à praça, alguns manifestantes depredaram um banca de revistas e uma vidraça da Igreja Universal. Fizeram menção de atacar bancas de flores, mas foram contidos.

– Não quebra! Não quebra. É de trabalhador! – gritaram manifestantes.

Na praça, ao perceber que um grupo do batalhão de choque seguia pela travessa, os manifestantes se dispersaram de vez. Dezenas correram para a entrada do metrô, que era fechada naquele instante por motivos de segurança. Por toda a região da Tijuca, restaurantes cerravam as portas, deixando na mão os clientes que haviam se acomodado para assistir ao jogo do Brasil.


Com o megafone, mas abandonado

Os manifestantes haviam se concentrado na Saenz Peña a partir das 16h, para reclamar da remoção de moradores para a realização de obras da Copa de 2014 e contra a privatização do Maracanã. Durante a concentração, policiais militares circulavam pelo meio da multidão, distribuindo panfleto em que pediam paz e orientavam os manifestantes a denunciar vândalos. Organizadores do protesto entregaram folhetos explicando como agir em caso de confronto.

A marcha, com milhares de manifestantes, saiu às 17h e começou com uma situação insólita. Era puxada por um pequeno grupo apartidário, acusado por alguns de direitista. Ao megafone, o líder, com o rosto pintado de verde e amarelo, cometeu um erro do qual se arrependeria imediatamente:

– Pessoal, vamos por aqui, que a polícia já organizou nossa traçado.

– Como assim? Então é a polícia que decide onde a gente vai? – começou a questionar quem vinha atrás.

– Temos de respeitar o direito de ir e vir das pessoas. Quem quer seguir caminho diferente é baderneiro – respondeu o homem do megafone.

As milhares de pessoas que vinham atrás deram meia volta e tomaram outra via. O grupo do megafone ficou só e abandonado. Após meia hora, a marcha chegou ao Maracanã.

Era segunda vez que o roteiro era percorrido ontem. Outro grupo, menor e capitaneado por partidos e organizações de esquerda, também se mobilizara na Saenz Penã e seguira para o estádio ao meio-dia. Todas as vias próximas estavam tomadas pela segurança. Os manifestantes resolveram ir embora.

Nenhum comentário: