A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

A MÁSCARA DO PROTESTO



ZERO HORA 26 de junho de 2013 | N° 17473

NO ANONIMATO



Com inúmeras bandeiras de reivindicações, as multidões que desfilam pelas ruas do país se identificaram com uma face. A de um grupo que age no anonimato na internet e arrebata seguidores com um discurso crítico.

OWikileaks ganhou um parceiro de peso em vazamentos de segredos na internet. É o Anonymous, que é um grupo e também pode ser ninguém. Ele não tem rosto, mas sua máscara virou viral nos protestos que galvanizam o país. Ele só se comunica pelo YouTube e Facebook, está cheio de cópias falsas pelas ruas e nem mesmo se sabe se é um sujeito, um evento ou um holograma. Tudo que se conhece dele é que imita a fisionomia de Guy Fawkes, o herói do filme V de Vingança. Baseado num personagem real, um rebelde vingativo anti-monarquista, é a inspiração do grupo de ciberativistas que quer mudar à força a política no planeta – e no Brasil.

Para uns, o Anonymous é uma organização direitista disfarçada e preocupada em atacar a esquerda no poder e o governo Dilma em particular. É verdade que não tem economizado em críticas à presidente brasileira. Mas os conservadores também têm queixas: o Anonymous, para eles, é a figura do anarquismo e do caos, pregando a desordem nas ruas e partilha de lucros de alguns empresários, como os do transporte coletivo. O certo é que, nas passeatas, o mascarado com pseudônimo virou cult entre crianças e velhos, que desfilam com sua face plástica e o bigodinho de mosqueteiro, e seus argumentos estão na boca de jovens que estão indo às ruas.

A figura é simpática, mas não inofensiva. Isso porque o Anonymous bisbilhota e usa táticas de hacker, na tentativa de divulgar suas causas. O site anonymousbrasil.com divulgou, semana passada, dados privados do governador do Rio, Sérgio Cabral, do secretário da Segurança Pública (o gaúcho José Mariano Beltrame), do polêmico pastor e deputado federal Marco Feliciano e dos jogadores Ronaldo Nazário e Pelé. Exibiu telefones, CPFs, listas de empresas, dados de faturamento. Em outros posts, expôs relatórios confidenciais das PMs brasileiras, incluindo e-mails pessoais de oficiais, pirateados, locais de blitze, contabilização de despesas. Quando um homem atropelou manifestantes em Ribeirão Preto, há pouco mais de uma semana, o Anonymous logo postou informações pessoais sobre ele no seu site. A tática em tudo imita o Wikileaks do proscrito Julian Assange, e o Anonymous faz questão de confirmar isso.

O que é o Anonymous? Quem são seus integrantes? Zero Hora perguntou isso aos organizadores do site, mas não obteve resposta. É certo que não se trata de um simples grupo de amadores a improvisar uma revolta via mídias sociais. Foi em junho de 2011 que o primeiro vídeo dessa organização, com nítida inspiração anarquista, vazou no YouTube, em meio a protestos na Europa. É coisa de profissional, tem qualidade publicitária. Abre com uma vinheta caprichada, um globo, sugerindo a universalidade do grupo. Logo depois vem o emblema da ONU, encimado por um ponto de interrogação. Surge finalmente na tela o protagonista, um mascarado, com voz modulada, ao estilo locutor de rádio, masterizada e dublada no idioma do público-ouvinte: português, quando no Brasil, ou inglês com tradução.

Especialista define como “o rosto da manifestação”

A voz do mascarado é séria, às vezes feminina, hipnótica, lembra algo do filme 1984 e do Grande Irmão (Big Brother) descrito por George Orwell, aquele que controla a tudo e a todos. Mas a mensagem é o oposto disso: prega descontrole, rebelião, ao estilo “contra tudo que está aí”. O homem sem rosto e com linguajar refinado fala que um dia acordou e decidiu lutar. Seu campo de batalha é o ciberespaço. Seu recado é para “multidões que não têm voz, oprimidas pelos detentores de poderes públicos e privados”. Slogans que lembram os anarquistas do século 19, mas impulsionados por tecnologia do século 21.

Especialista e estudioso de mídias sociais, o professor na Unisinos Felipe de Oliveira explica que a falta de identidade é proposital no Anonymous, para poder realizar ações clandestinas, como a invasão de sites governamentais ou privados. O que espanta o pesquisador é que o mascarado anônimo imprimiu sua cara nos protestos, literalmente. Organizado dentro da internet e dali saindo para as ruas, o grupo é sucesso de mídia (1,6 milhão de acessos numa resposta ao colunista global Arnaldo Jabor).

– É o rosto dessa mobilização, gostem ou não – diz Oliveira.

HUMBERTO TREZZI

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