A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

domingo, 30 de junho de 2013

DO LUTO À LUTA

ZERO HORA 30 de junho de 2013 | N° 17477


FLÁVIO TAVARES*


O título deste artigo é do povo de Santa Maria, não meu. Do luto à luta não é só o estribilho da batalha que lá se trava contra a impunidade ou um jogo fonético digno de um poema, mas uma filosofia de vida. Profunda como ensinamento, a frase vai além da tragédia que, agora, completou cinco meses. Com quatro breves palavras, podemos impedir que tudo caminhe cinicamente para o nada num crime sem autores, como se os únicos culpados fossem as próprias 242 vítimas. (Ou como se o culpado fosse o homem das cavernas por descobrir o fogo, milhões de anos atrás...)

Também o Brasil inteiro saiu do luto para a luta nesses últimos 21 dias.

Espezinhados pela surdez de governantes que usufruem do poder pelo gozo pessoal de mando e enriquecimento financeiro, milhões de jovens e não jovens transformam em luta o luto a que foram submetidos pelo engano. Protestam contra a corrupção do setor político. Tudo começou em Porto Alegre, no movimento contra o aumento das passagens de ônibus, e se estendeu. Ao chegar a São Paulo, as chamas se alastraram na palha seca de um Brasil que só pensa em cerveja, só fala em futebol e obedece à Fifa como um submisso cãozinho de circo, gastando bilhões em suntuosos estádios ou difusas “obras para a Copa do Mundo”.

O novo estádio de Brasília custou o equivalente a 150 hospitais de porte médio, equipados com todas as modernidades que não existem sequer nas cidades-satélites da Capital Federal!

A presidente Dilma viu no “clamor das ruas” o protesto “contra a corrupção e o uso indevido do dinheiro público”. Mas quem usa o dinheiro público?

O país confiou em que as palavras da presidente levariam a ações concretas e urgentes para – pelo menos – sanar os horrores visíveis na degradação política, mas eis que ela se reúne prioritariamente com os próprios políticos e propõe atos futuros de superfície, anódinos ou de efeitos distantes, como a necessária “reforma eleitoral”. Nada de concreto contra a corrupção! Nem um pio sobre o balcão de negócios que reúne mais de uma dezena de partidos na base alugada chamada de “base aliada”! Pode ser dinâmico um governo com 39 ministérios, em boa parte compostos por medíocres que nada sabem das próprias funções?

A presidente é refém de um esquema de troca de favores que, ao lidar com dinheiro público e se repetir, torna-se obsceno. E se ela se apoiasse no “clamor das ruas” para libertar-se da armadura que a imobiliza como refém?

Pelo “clamor das ruas”, os deputados rejeitaram a imoral PEC 37 (que ampliaria a impunidade) e os senadores catalogaram a corrupção como “crime hediondo”. Nesse mesmo dia, porém, o governo negou-se a revelar os gastos do “cartão corporativo” de Rosemary Noronha (ex-chefe do gabinete presidencial em São Paulo e protegida de Lula da Silva) solicitados pelo jornal O Globo. Demitida pela presidente Dilma, Rosemary foi denunciada à Justiça por falsidade ideológica e corrupção, mas a Controladoria-Geral da União sustenta que revelar em que ela gastou o que gastou “põe em risco a segurança da presidente e do vice-presidente e respectivos cônjuges e filhos”! Estupendo, não?

Por tudo isto, a proposta de um plebiscito sobre a reforma político-eleitoral só protela ou evita medidas para sanar o caos da política brasileira. É como se, em vez de socorrer e salvar quem se afoga num rio, mandássemos que fosse aprender a nadar! Temos 30 partidos, num entrevero de siglas que se vendem ou se alugam em época eleitoral em função dos minutos da propaganda gratuita na TV e no rádio. Existem só para isto e, com isto, ocupam ministérios ou similares e mandam em nossas vidas.

Liberte-se, presidente Dilma. Saia do luto para a luta!

*Jornalista e escritor

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