O recado das ruas do planeta
Ativistas que se envolveram em manifestações em vários países antes que a cobrança por mais protagonismo da população chegasse ao Brasil relatam avanços em solidariedade e organização. Em todo o mundo, protestos começaram com mosaicos de reivindicações e também expressam o desencanto da sociedade com os políticos
Os protestos que eclodiram em vários países, por diferentes motivações, oferecem lições que podem servir de reflexão ao Brasil. Da Grécia a Portugal, passando por Estados Unidos e Turquia, existe um aprendizado com as mobilizações. Podem não alcançar tudo o que pretendem, sequer o mínimo, talvez nada, mas pregaram um alerta à porta dos governos: querem ser protagonistas, não expectadores. Sopram da efervescente Turquia os exemplos mais recentes. A ativista turca Fatma Gök, professora da Universidade do Bósforo, confessa que temia pelos olhos sensíveis caso fosse engolfada em nuvens de gás lacrimogêneo. Abandonou o receio ao participar dos atos na Praça Taksim, em Istambul, desde o final de maio. Aprendeu que uma garrafa de vinagre e a solidariedade da multidão dissipam receios.
– As pessoas perderam o medo – diz Fatma, que esteve em Porto Alegre na quarta-feira, a convite da Faculdade de Educação da UFRGS.
Ao enfrentar bombas de gás e balas de borracha da polícia, os turcos instalaram um “sentimento de oposição” – antes invisível – ao autoritarismo do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan. Manifestações pipocaram pelo país. Quanto mais reprimidas, mais intensas se tornaram.
– O gênio saiu da lâmpada – define Fatma.
Outro legado foi a união de grupos antagônicos, os quais ergueram o que Fatma intitula de “plataforma da solidariedade” na Praça Taksim. Antes, nacionalistas turcos, alevitas (influência pré-islâmica) e curdos não conversavam. Atacados pela polícia, compartilharam a mesma trincheira.
As manifestações também revelaram uma arma que não machuca, mas atordoa o inimigo: o humor. Numa das várias intromissões para regular a vida privada dos turcos, Erdogan propôs que os casais tivessem ao menos três filhos. Ouviu uma resposta marota na Praça Taksim, como reproduz Fatma:
– Tem certeza de que quer mais três como nós?
Pluralidade de reivindicações
A convulsão na Turquia começou para evitar o corte de árvores no Parque Gezi, ao lado da Taksim, que seria transformado em shopping center, base militar e condomínios. Foi apenas o estopim – como a passagem de ônibus no Brasil –, para depois aglutinar outras causas, que vão da liberação do álcool a mais democracia. O mosaico de reivindicações também rendeu na Espanha. O músico e historiador Nacho Dueñas, do Movimento Indignados 15-M (15 de Maio), diz que os manifestantes se uniram para enfrentar a crise com projetos de autogestão, como hortas comunitárias, trocas de produtos e bancas de anticonsumismo e ética. A mobilização multiplicou ensinamentos. Nacho avalia que 80% dos espanhóis apoiam os métodos dos indignados. Um dos acertos foi a opção pela não violência, mesmo quando a polícia baixava o porrete.
– Um dos nossos aprendizados é de que o povo consciente, livre e organizado é capaz de construir o seu destino – ressalta Nacho.
Os gregos colheram seus frutos. O ativista Dimitrios Mitrakos conta que os manifestantes cooperaram para ajudar os mais necessitados, inclusive com roupas e comida. Perceberam que nada podiam esperar das autoridades. Que o jeito era se amparar mutuamente diante da crise.
– Com os protestos nas ruas, entendemos que durante anos estivemos sob o controle dos bancos – observa Dimitrios.
Francês nascido no Chile, o sociólogo Alfredo Pena-Vega considera os protestos um fenômeno mundial de contestação espontânea. Podem brotar a qualquer momento, adubados pelo que qualifica de “mal-estar social”, especialmente dos jovens.
Professor do Centro Edgar Morin e Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, Pena-Vega destaca que os protestos são parte da democracia. Ele não arrisca prever o que acontecerá no Brasil após a onda de protestos. Acha que o melhor termômetro serão as próximas eleições.
– Há um desencanto entre a sociedade e o mundo político – analisa o sociólogo franco-chileno.
NILSON MARIANO
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