Brasil nas ruas: O ‘monstro’ pode ser uma hidra
Experiência espanhola mostra que movimentos como o surgido agora no país abrigam várias causas
CHICO AMARAL
CHICO AMARAL
O GLOBO
Atualizado:22/06/13 - 22h51
RIO - A trilha sonora dos protestos que agitam as ruas do país marca uma diferença importante em relação às manifestações que, desde o início da crise econômica, sacudiram o continente europeu, especialmente a Espanha. No Brasil, o Hino Nacional é líder absoluto e indica um caráter menos disruptivo do movimento, vandalismos à parte. Questiona-se o sistema, mas não seus fundamentos.
Como os espanhóis, por aqui se exige transparência e o fim de privilégios de políticos, mas os ibéricos, que andam de ônibus com ar-condicionado, usam bilhete único, têm um sistema de saúde invejável e escola pública em tempo integral, apostam no autogoverno e na dissolução das estruturas políticas tradicionais. São os Indignados ou movimento 15M, que abriga várias plataformas ativistas.
No Brasil, apesar da rejeição aos partidos, a anarquia fica por conta dos vândalos. A pauta brasileira, mais conservadora, expressa nas faixas e nas redes sociais o desejo de um país mais honesto, com qualidade de vida no “padrão Fifa”.
Diferenças na pauta, semelhanças na mobilização. Aqui, como lá, não há líderes. No máximo representantes com funções específicas, pois a identidade é coletiva. Das redes sociais se salta às ruas.
A longevidade e a vitalidade dos Indignados dão singularidade ao movimento, pois o mesmo fenômeno não ocorreu em países com situações parecidas, abalados pela crise, como Grécia, Irlanda e Portugal.
Na Espanha, o uso do ambiente digital como cenário e canal de mobilização ganhou relevância a partir de 2009, quando bloguers, twitters e flickers abriram frentes de resistência contra uma nova lei de propriedade intelectual implantada pelo socialista José Luiz Zapatero. Somada a esse movimento, a defesa da cultura livre e da neutralidade na internet transformou-se numa crítica ao bipartidarismo PSOE-PP e ao sistema político, cuja expressão máxima foi a campanha #Nolesvote, dando origem ao movimento Democracia Direta Ya.
No dia 15 de maio de 2011, após uma manifestação que terminou na madrilenha Plaza Del Sol, 40 pessoas, sem motivo aparente, pernoitaram na praça. Pensaram nos manifestantes egípcios da Praça Tahir, mas não imaginavam que o mesmo poderia ocorrer, segundo relato de Miguel Arana, um dos fundadores. Naquela noite, criaram uma ação digital que levou as pessoas de volta às ruas para seguir com um protesto tão difuso como os o que ocorrem hoje no Brasil. Dois dias depois, a polícia desalojou a praça com violência, provocando adesão maciça ao movimento, que se espalhou pelo país e causou picos nos servidores das redes sociais.
Um estudo do DatAnalysis 15M demonstra esta adesão ao analisar a migração entre os tweets com hashtags de apoio ao movimento. Por meio das redes sociais, há um entrelaçamento de plataformas novas e já existentes, como Democracia Directa Ya, Contra Lei Sinde, No les Vote, Okupa e Plataforma dos Afetados pelas Hipotecas — PAH, formando um guarda-chuvas para distintas frentes de lutas.
Os Indignados nasceram com prática acumulada em redes sociais. Já haviam superado o clickativismo, que se limita a assinar petições virtuais e compartilhar enlaces. Desde o início, exercitam a tecnopolítica: usam a rede e o ciberespaço para ter efeitos dentro e fora dele, alterando o estado de ânimo das pessoas. Esse é o segredo de sua vitalidade, explica Javier Toret, do DatAnalyis 15M.
E as ações no mundo real vêm se multiplicando: a PAH enfrenta bancos com proposta de lei por iniciativa popular que muda as regras dos sistema hipotecário; a Candidatura d’Unitat Popular, CUP, conseguiu eleger três deputados no parlamento catalão; e, recentemente, foi lançado um partido sem rosto ou liderança, o Partido X, que pretende, em breve, tomar o poder.
Por estas bandas, ainda falta uma praça onde os manifestantes possam montar um acampamento para discutir cara a cara suas reivindicações e dar uma forma ao futuro. Por enquanto, estão marchando pelas ruas de um lado para o outro.
Atualizado:22/06/13 - 22h51
RIO - A trilha sonora dos protestos que agitam as ruas do país marca uma diferença importante em relação às manifestações que, desde o início da crise econômica, sacudiram o continente europeu, especialmente a Espanha. No Brasil, o Hino Nacional é líder absoluto e indica um caráter menos disruptivo do movimento, vandalismos à parte. Questiona-se o sistema, mas não seus fundamentos.
Como os espanhóis, por aqui se exige transparência e o fim de privilégios de políticos, mas os ibéricos, que andam de ônibus com ar-condicionado, usam bilhete único, têm um sistema de saúde invejável e escola pública em tempo integral, apostam no autogoverno e na dissolução das estruturas políticas tradicionais. São os Indignados ou movimento 15M, que abriga várias plataformas ativistas.
No Brasil, apesar da rejeição aos partidos, a anarquia fica por conta dos vândalos. A pauta brasileira, mais conservadora, expressa nas faixas e nas redes sociais o desejo de um país mais honesto, com qualidade de vida no “padrão Fifa”.
Diferenças na pauta, semelhanças na mobilização. Aqui, como lá, não há líderes. No máximo representantes com funções específicas, pois a identidade é coletiva. Das redes sociais se salta às ruas.
A longevidade e a vitalidade dos Indignados dão singularidade ao movimento, pois o mesmo fenômeno não ocorreu em países com situações parecidas, abalados pela crise, como Grécia, Irlanda e Portugal.
Na Espanha, o uso do ambiente digital como cenário e canal de mobilização ganhou relevância a partir de 2009, quando bloguers, twitters e flickers abriram frentes de resistência contra uma nova lei de propriedade intelectual implantada pelo socialista José Luiz Zapatero. Somada a esse movimento, a defesa da cultura livre e da neutralidade na internet transformou-se numa crítica ao bipartidarismo PSOE-PP e ao sistema político, cuja expressão máxima foi a campanha #Nolesvote, dando origem ao movimento Democracia Direta Ya.
No dia 15 de maio de 2011, após uma manifestação que terminou na madrilenha Plaza Del Sol, 40 pessoas, sem motivo aparente, pernoitaram na praça. Pensaram nos manifestantes egípcios da Praça Tahir, mas não imaginavam que o mesmo poderia ocorrer, segundo relato de Miguel Arana, um dos fundadores. Naquela noite, criaram uma ação digital que levou as pessoas de volta às ruas para seguir com um protesto tão difuso como os o que ocorrem hoje no Brasil. Dois dias depois, a polícia desalojou a praça com violência, provocando adesão maciça ao movimento, que se espalhou pelo país e causou picos nos servidores das redes sociais.
Um estudo do DatAnalysis 15M demonstra esta adesão ao analisar a migração entre os tweets com hashtags de apoio ao movimento. Por meio das redes sociais, há um entrelaçamento de plataformas novas e já existentes, como Democracia Directa Ya, Contra Lei Sinde, No les Vote, Okupa e Plataforma dos Afetados pelas Hipotecas — PAH, formando um guarda-chuvas para distintas frentes de lutas.
Os Indignados nasceram com prática acumulada em redes sociais. Já haviam superado o clickativismo, que se limita a assinar petições virtuais e compartilhar enlaces. Desde o início, exercitam a tecnopolítica: usam a rede e o ciberespaço para ter efeitos dentro e fora dele, alterando o estado de ânimo das pessoas. Esse é o segredo de sua vitalidade, explica Javier Toret, do DatAnalyis 15M.
E as ações no mundo real vêm se multiplicando: a PAH enfrenta bancos com proposta de lei por iniciativa popular que muda as regras dos sistema hipotecário; a Candidatura d’Unitat Popular, CUP, conseguiu eleger três deputados no parlamento catalão; e, recentemente, foi lançado um partido sem rosto ou liderança, o Partido X, que pretende, em breve, tomar o poder.
Por estas bandas, ainda falta uma praça onde os manifestantes possam montar um acampamento para discutir cara a cara suas reivindicações e dar uma forma ao futuro. Por enquanto, estão marchando pelas ruas de um lado para o outro.
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