A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

domingo, 23 de junho de 2013

PROTESTOS EM FAMÍLIA


ZERO HORA 23 de junho de 2013 | N° 17470

Novas causas, mesma vontade de mudança


LARISSA ROSO

Formada em parte significativa pelos mais jovens, a massa que ocupa as ruas do Brasil provoca um duplo sentimento nos pais: orgulho pelas causas defendidas e apreensão pela proximidade dos confrontos com a polícia. Há aqueles que aderiram ao movimento e vão junto com os filhos, há aqueles que os monitoram pelo celular. A vontade de mudança, hoje, já deixou de ser coisa de uma única geração.

Entre as memórias mais distantes da infância, Gabriel Feltrin Batista resgata cenas fundamentais na formação de seus 19 anos. Lembra de acompanhar os pais no Fórum Social Mundial e em comícios e de contar bandeirinhas do Partido dos Trabalhadores (PT) no trajeto entre Alvorada, onde a família morava, e Porto Alegre.

– Programa de final de semana era ver o Lula e o Olívio – conta Gabriel.

– E de dia de semana também – intervém o pai, Paulo Roberto Batista, 50 anos.

O professor de filosofia com vasto histórico junto a movimentos de sem-terra e pela moradia hoje vê o crescente engajamento do aluno do terceiro semestre de Ciências Sociais. Filiado ao PSOL e membro do coletivo Juntos! Por Outro Futuro, que reúne militantes em defesa da educação, do ambiente e da igualdade, Gabriel tem ido a todos os protestos na Capital. Os Batista experimentam as discussões que pautam tantas famílias nas últimas semanas: a participação nas manifestações, a preocupação com a segurança, a importância de se aferrar à defesa de uma causa desde cedo.

– Estávamos vivendo um momento de apatia muito forte no Brasil. Risco tem, mas não é por isso que vamos recuar. Estamos entrando para a história – opina o universitário.

O pai recorda três décadas da própria trajetória e sintetiza a satisfação de testemunhar o primogênito lutando por ideais definidos:

– Eu me vejo no Gabriel.

Paulo destaca o ano de nascimento, 1963, “sob aquela cultura do medo”, e o início do envolvimento com atividades de orientação esquerdista ligadas à Igreja Católica, por volta dos 20 anos. Uniu-se à multidão que exigia eleições diretas em 1984, imprimiu panfletos em mimeógrafo na primeira tentativa entusiasmada de eleger Lula à presidência, em 1989, e foi um dos caras-pintadas clamando pelo impeachment de Fernando Collor, em 1992. Compara as duas épocas: a luta de classes e o embate entre opressores e oprimidos, antes, e a diversificação dos motivos, hoje.

– Ele sempre teve uma índole questionadora. Não concordamos em tudo. Ele também me questiona e me contagia – conta Paulo.

Também de uma geração abafada pela repressão da ditadura militar, a professora de educação física Carmem Jecy Machado Barros Xavier, 51 anos, nunca se aliou a mobilizações. Quando observava Luany sair para cumprir a agenda de protestos com queixas contra tarifas e políticos, desconhecia o potencial de liderança da filha de 23 anos. Depois de a estudante de enfermagem ser detida pela Guarda Municipal, em 27 de março, a mãe apareceu, sem avisar, na manifestação seguinte. Encontrou-a ao microfone, puxando o coro.

– Fiquei surpresa, mas feliz. Ela ficou do meu lado, cuidando para eu não tropeçar. Minha guarda-costas – diverte-se Luany.

Impressionada com “todo aquele povo”, Carmem lembrou da filha quando pequena, delicada e dengosa, reclamando que qualquer toque doía, agora ocupando o cargo de coordenadora-geral do Diretório Central de Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

– Vi como funciona, me aliviei. Antes, dizia que ela estava perdendo tempo. Agora, consigo ter mais argumentação – conclui a professora. – Adorei. Todos diziam o nome dela bem alto. Esse nome fui eu que escolhi! Vi que as pessoas gostam dela. Não sabia que a minha filhinha era tudo isso.




Victória deixou de lado o cartaz e pegou a câmera


Dois fortes motivos atraem Victória Kubiaki Gamalho aos protestos. Aos 18 anos, a estudante de Jornalismo da Uniritter partilha da indignação que enche as ruas pelo país e também ensaia uma carreira de fotógrafa. A partir da segunda manifestação a que compareceu este ano, trocou o cartaz pela câmera. Foca a expressividade dos manifestantes, gosta de retratar o rosto de quem carrega as mensagens com múltiplas exigências.

Na última segunda-feira, enquanto registrava um ônibus em chamas na Avenida João Pessoa, os pais tentavam localizá-la pelo celular. Acostumada a manter contato permanente, em inúmeras ligações e troca de mensagens todos os dias, a auxiliar administrativa Rosi Kubiaki Gamalho, 50 anos, não se conformava com as chamadas não atendidas. Apoia as razões que inflamam as multidões, alega que o Brasil necessita de mudanças urgentes, mas teme pela segurança da filha.

– O tempo todo eu tenho que saber que ela está bem. Quero ouvir a voz. Tem que atender – cobra Rosi. – Confio nela. Ela tem que saber se proteger. Acho que não pode se acomodar. É a profissão dela, é o futuro dela – acrescenta.

Victória entende a apreensão e sabe bem que palavra usar a cada vez que dá retorno: segurança. Na segunda, quando a turbulência amainou nos arredores da Redenção, telefonou para casa:

– Tô bem, em segurança.

“Não tem sentido ficar em casa”, diz a mãe

Na tarde daquele mesmo dia, a dentista Isabel Cristina Ovadia, 53 anos, fez um apelo ao caçula, o estudante de publicidade e propaganda João Gabriel, 18 anos: pediu que ele e a irmã, a psicóloga Jamille, 24 anos, assíduos integrantes das passeatas que começaram condenando o preço da passagem de ônibus, desistissem de ir. Temia que se expusessem demais e se machucassem. Não os convenceu. Ao final do dia, sem avisar, decidiu se juntar a eles nos arredores da prefeitura.

– Não fui para cuidá-los, fui para participar. Não é só para fazer número, é para expressar toda a minha indignação. Tudo o que eu sinto, o que eu penso... Não tem sentido ficar em casa, só olhando – esclarece Isabel.

João Gabriel, com um cartaz onde se lia “Nunca deterão a primavera”, sentiu uma inversão de papéis:

– Gostei bastante, mas fiquei um pouco preocupado, como ela ficava com a gente. Gritou junto, aplaudiu, xingou a polícia abusiva, xingou quem estava fazendo coisa errada, correu quando tinha que correr.

Com febre, Isabel desistiu da manifestação da última quinta-feira. Acompanhou os desdobramentos pelo rádio e monitorou a dupla à distância: perguntava como e onde estavam, pedia que recuassem da linha de frente da passeata. Na manhã seguinte, frente às repercussões, arrependeu-se por ter faltado.

– Na próxima manifestação eu vou, com certeza – garante a mãe.


Professor festeja interesse

Matheus Ayres leciona sociologia para quase 700 alunos do Ensino Médio do Colégio Anchieta, na Capital. Nos últimos dias, vem saboreando um ineditismo em sua breve carreira docente: a ansiosa espera dos estudantes pelo único período semanal preenchido pela disciplina.

– Estão enlouquecidos. Pela primeira vez, parte mais deles a vontade de estudar, se informar, entender o passado e o que está acontecendo neste momento. É diferente você ler a página de um livro de história e ler uma página que está sendo escrita – relata o professor.

Confrontado com questões das mais diversas, sobre a atuação da polícia, as motivações dos mais exaltados, o papel da mídia e a postura dos políticos, Ayres busca a neutralidade e incentiva que o debate não se restrinja aos momentos passados dentro da escola.

– É uma grande oportunidade de juntar a família, é um baita espaço de amadurecimento para o jovem. Hoje em dia, o diálogo entre pais e filhos é muito ruim, muito fraco, e às vezes não se tem conversa nenhuma – afirma.

Para a historiadora Claudia Wasserman, mãe de uma universitária de 20 anos que está morando em Londres, onde participou de um protesto reunindo brasileiros, os jovens podem contribuir com o repertório de quem habita um universo peculiar: o da internet. Trata-se de uma perspectiva muitas vezes desconhecida pelos pais, que nem sempre têm intimidade com os meios digitais. Segundo Claudia, as grandes mobilizações via redes sociais vêm intrigando especialistas.

– É um momento de dificuldade de entender o que está acontecendo. Isso propicia o diálogo – diz a professora do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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