A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

DO PROTESTO AO CONFRONTO


ZERO HORA 26 de junho de 2013 | N° 17473


ENTRE O BEM E O MAL


é uma data que ficará marcada na vida dos gaúchos. O que começou como uma manifestação tranquila transformou-se em zona de guerra pelas ruas de Porto Alegre. O confronto entre vândalos e policiais espalhou o pânico no coração da Capital, mais especificamente no encontro da Rua dos Andradas com a Avenida Borges de Medeiros. Zero Hora reconstituiu estes momentos que converteram o protesto em um barril de pólvora.

Minutos depois das 20h de segunda-feira, bombas da Brigada Militar e pedras arremessadas por manifestantes cruzaram-se no ar, no encontro da Rua dos Andradas com a Avenida Borges de Medeiros, no coração de Porto Alegre. Naquele momento, o centro da cidade deixou de ser palco de uma marcha popular que reuniu cerca de 10 mil pessoas para se transformar em zona de guerra. Explosões, fumaça, corre-corre e saques espalharam-se por toda a região central, semeando pânico e deixando um saldo de pessoas feridas e patrimônio destruído.

Para entender o que converteu o protesto até ali ordeiro em um barril de pólvora é preciso retroceder cerca de meia hora, para o momento em que os manifestantes que seguiam pela Avenida Loureiro da Silva optaram por subir a Borges de Medeiros, deixando claro que o destino da caminhada seria o Centro. Segundo fontes da área da segurança que monitoravam a ação de marginais infiltrados, foi nessa hora que começou a agir uma gangue criminosa que tem aproveitado as manifestações para saquear. Sessenta e oito jovens de dois bairros de periferia adiantaram-se aos manifestantes e percorreram o Centro à procura dos melhores alvos. Na região da Doutor Flores e da Vigário José Inácio, definiram os estabelecimentos comerciais com potencial para oferecer o melhor butim e identificaram quais tinham grades ou portas mais frágeis.

Em seguida, quatro integrantes desse grupo deslocaram-se até o cruzamento da Rua dos Andradas com a Borges de Medeiros, conhecido como Esquina Democrática por causa dos atos cívicos que costumam ocorrer ali. Como em manifestações anteriores, seu objetivo era criar um conflito para atrair a polícia a um ponto, enquanto a pilhagem eram realizada em outra área, relativamente distante.

Enquanto a marcha de manifestantes ainda estava na altura da Rua Jerônimo Coelho, o quarteto agrediu um jovem na Andradas, ao que parece escolhido de forma aleatória, e deu início ao arrombamento de uma da loja de calçados Paquetá que funciona na Esquina Democrática. Com o caos instalado no local e a garantia de que todas as atenções se voltariam para aquele ponto, voltaram para a região dos saques, para fazer a limpa fora do radar da polícia. Segundo a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), o prejuízo dos comerciantes foi de R$ 2 milhões. Uma loja de instrumentos musicais e aparelhos eletrônicos da Doutor Flores amargou R$ 300 mil em perdas.

O vendedor Sérgio Barcellos Rivarola, 50 anos, que participava do protesto na condição de integrante da Frente de Libertação da Síria, teve sua atenção atraída desde o início da marcha para a ação de grupos de arruaceiros – e ajudou a impedi-la em alguns momentos. Por isso, quando chegou ao Centro, Rivarola seguiu os baderneiros até a região da Andradas, quando a massa de manifestantes ainda estava centenas de metros para trás.

– Antes do arrombamento da Paquetá, vi esse pessoal descer pelo Centro para ver o que tinha por lá – relata ele.

Vândalos voavam contra porta de loja

O fotógrafo amador Rodrigo Feijó, 28 anos, testemunhou a origem dos confrontos na Esquina Democrática. Ele tem acompanhado os protestos e aprendeu que é importante estar adiante da marcha para obter as melhores imagens.

– A gurizada da confusão sempre vai para a frente – explica.

Por isso, Feijó separou-se da multidão que subia a Borges e foi até a altura da Andradas. Quando chegou, já havia vários arruaceiros voando com os pés contra as portas da Paquetá, até fazer uma delas ceder. Nesse momento, um grupo de manifestantes contrários à violência, formado por cerca de 30 pessoas, correu para bloquear a entrada e impedir saques.

– Mãos para cima! Mãos para cima! – gritavam.

Segundo Feijó, dois fatos serviram de estopim para a ação da Brigada Miltar. Primeiro, houve uma briga envolvendo saqueadores e os que protegiam a Paquetá, com troca de socos. Quando os ânimos começavam a serenar, veio o segundo evento: um rapaz de moletom foi atingido na cabeça por uma garrafa arremessada por um vândalo. A vítima tombou no calçamento, desmaiada e com sangue jorrando do supercílio.

Manifestantes que estavam no local, conta Feijó, alarmaram-se e carregaram o jovem até um grupo do pelotão de choque na Rua José Montaury, uma transversal da Borges. Segundo o fotógrafo, relataram aos policiais a situação na Esquina Democrática:

– Eles levaram o ferido para pedir ajuda da Brigada. Mas voltaram de lá correndo e gritando: “Vaza que a polícia está vindo com gás”. Mas o pessoal que estava diante da Paquetá queria esperar, para manter a loja protegida até a chegada dos policiais.

Nesse momento, os PMs que estavam concentrados na José Montaury e na prefeitura começaram a subir a Borges em direção à Esquina Democrática. Ontem, o comando da BM disse que os policiais avançaram porque havia informação de risco de saques na Andradas.

– Quando a Brigada se aproximou, começou a cair bomba na Esquina Democrática. Começamos a correr em direção à massa de manifestantes, que estava na altura da Salgado Filho. A maior parte das pessoas fugiu pela Salgado em direção à João Pessoa, enquanto a Brigada vinha atrás – conta Feijó.

O vendedor Sérgio Barcellos Rivarola estava de volta à Esquina Democrática no instante em que a porta arrombada da Paquetá era protegida por manifestantes e começava o avanço dos PMs. Ele afirma que, no momento em que os policiais concentrados perto da prefeitura vieram, foram recebidos a pedradas.

– A polícia avançou e foi recebida a pedrada. Aí os policiais meteram bala e bomba. Naquela hora, se eu pudesse pegar um escudo para enfrentar os arruaceiros, eu pegava, porque eles são uns sem-vergonhas – revolta-se.

Iniciados na Esquina Democrática, os confrontos prosseguiriam noite adentro, espalhando-se pelas ruas do Centro e da Cidade Baixa.

ITAMAR MELO



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