A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

sábado, 29 de junho de 2013

CRISE DE REPRESENTAÇÃO



ZERO HORA 29 de junho de 2013 | N° 17476

Os 20 dias que abalaram o Brasil

A dinâmica de acontecimentos estonteante nas ruas refletiu-se nos últimos dias nas instituições


POR MARCUS VINICIUS MARTINS ANTUNES*

Não são talvez 10 dias que abalaram o mundo, como descreveu John Reed, mas certamente 20 que abalaram o Brasil. Na continuação de manifestações populares muito fortes, e após uma reunião de emergência com os governadores de Estado e prefeitos, a presidente Dilma Rousseff anunciou, nesta semana, um conjunto de medidas – um Pacto a mais – nas áreas da saúde, da educação, da corrupção e, institucionalmente, de maior impacto, a proposta de aprovação pelo Congresso de um plebiscito para que a população escolha, simultaneamente à escolha do Congresso Nacional, representantes para uma assembleia constituinte, exclusiva, mas com poderes limitados a decidir sobre a chamada reforma política.

Por meio de manifestações de outras fontes, como o governador Tarso Genro, ouviu-se que o plebiscito seria realizado neste ano. A dinâmica de acontecimentos estonteante nas ruas refletiu-se nas instituições. No dia seguinte, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, declarou que o governo admitia recuar da proposta, em favor daquela oferecida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nacional. Mais um dia, e a imprensa já dava como certa a desistência em favor dessa proposta. E haverá outros dias assim.

Admitindo-se que o governo mantenha a proposta e se empenhe em realizar a eleição constituinte, tudo estará por ser feito e definido. Em primeiro lugar, é difícil conceber uma assembleia constituinte funcionando ao lado do Congresso nacional. Mais difícil ainda conceber um Congresso resignado a isso, quando o outro órgão iria decidir seu próprio destino, em parte.

Parece inevitável entrever um certo dualismo – ainda que parcial – de poder, entre a assembleia constituinte e o Congresso. Outra questão: deixará de passar pela cabeça do governo e de sua base, neste quadro atual e nesta dinâmica, que este processo convocatório possa ir bem além daquilo que se projeta agora? Se, numa conjetura apenas moderada, se pretender o parlamentarismo?

De outra parte, considerando que a presidente desista da assembleia constituinte, como parece ser, fica a proposta do plebiscito, cuja aprovação pelo Congresso é possível, mas incerta. Pouco provável o referendo, porque este depende de que o Congresso aprove antes as novas normas, o que seria mais demorado.

Quanto à reforma política, só se imagina que seja aquela mais ou menos consolidada no debate do Congresso Nacional, ou, pelo menos, na base de apoio do governo – financiamento público de campanha, limite de gastos por candidato, escrutínio de lista, sem falar na possível adoção do sistema distrital, que não tem apoio do Governo.

A proposta da OAB parece mais próxima da realidade e muito mais simples: fazer o plebiscito e, se aprovada a proposta, fazer a reforma o Congresso Nacional, por meio de leis ordinárias – e, portanto, com quórum de votação mais acessível –, alterando a legislação eleitoral e partidária.

No entanto, muito do que se disse até agora pode ser um pouco “pra não dizer que não falei de flores”. Um artigo desta natureza nos dias que correm, com uma racionalidade equilibrada, parece na verdade temerário, e tudo que parecia sólido se desmancha no ar. Na verdade, o plebiscito já está sendo feito, erraticamente, é verdade, mas com alguma efetividade – a rejeição da PEC 37, a aprovação de isenções fiscais para o transporte, o rebaixamento ou congelamento de tarifas etc. O governo, em seus cálculos, tem de incluir o fato de que a crise de representação pode, na cabeça das multidões, não estar apenas no poder Legislativo, mas também no Executivo. É provável que o governo tenha concebido, às pressas, o anúncio da constituinte e do plebiscito com a intenção de canalizar e domesticar um pouco a movimentação das ruas. Mas essa canalização poderá até mesmo dar mais densidade ao movimento.

Mas a crise é bem mais profunda. É uma crise cultural, inserida na mundialização. O vandalismo veio bem antes, às vezes a conta-gotas, às vezes com sua verdadeira face. Violência cotidiana de tratamento, marketing violento, que explicitamente afirma que é preciso agredir o mercado, as bombas despejadas por aviões em países distantes, a negação de culturas. Perdemos aquilo que Freud disse ser nuclear da civilização, analisando o seu mal-estar: a apreciação do inútil, que é a beleza.

* Professor de Direito Constitucional da PUC-RS

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