Liberdade de reunião e de expressão é direito garantido na democracia. Mas passeatas e similares têm de ser comunicadas previamente às autoridades
EDITORIAL
O GLOBO
Atualizado:15/06/13 - 0h00
O "El País", jornal da Espanha, país que, em função da crise europeia, se encontra em estado permanente de manifestação, registra, ao noticiar os conflitos no Rio e em São Paulo, que o Brasil se desacostumou com esse tipo de expressão política. De fato, os choques nos centros das duas cidades marcam a volta de manifestações de ruas, depois de mais de uma década em que organizações estudantis e sindicatos se mantiveram em obsequioso silêncio diante do lulopetismo. Algumas dessas organizações, cooptadas pelos guichês estatais de distribuição generosa de dinheiro público, sempre em nome do "social". Sequer o mensalão, um histórico e estrondoso caso de corrupção no centro do poder, levou jovens a protestarem em público.
A nova geração nas ruas do Rio e São Paulo parece vir de uma mistura de grupos de extrema-esquerda — alguns à margem dos partidos representados no Congresso —, "rebeldes sem causa" da classe média, anarquistas e vândalos em geral, movidos a palavras de ordem e convocações disseminadas por meio das redes sociais, um fenômeno global. O motivo alegado, o aumento de poucas dezenas de centavos das tarifas de transporte urbano, parece secundário. É até mesmo bizarro que grupos alegadamente defensores da prioridade ao transporte coletivo depredem ônibus e estações de metrô. Pelo menos, o Rio já viveu um surto de violência de motivação fortuita, a Revolta da Vacina, no início do século XX, em que houve depredações e bondes virados nas ruas de paralelepípedos, devido à decisão do governo de vacinar todos contra a varíola, quisessem ou não.
É preciso entender melhor o que se passa, a começar pelo próprio poder público, que, até agora, principalmente em São Paulo, não tem conseguido manter vias importantes abertas ao direito constitucional de ir e vir. Gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral, balas de borracha e cassetetes são usuais na repressão a surtos de violência pública em qualquer país do mundo, nos mais e nos menos democráticos. Mas todo este aparato bélico de pouco vale se não houver uma inteligência por trás, não for acompanhado de outros instrumentos de Estado para coibir depredações de bens públicos. Deter, fichar, processar e cobrar judicialmente indenização pelos danos são medidas-padrão a serem tomadas no caso. Bem como não deixar processos mofarem em prateleiras ou esquecidos em computador de delegacia.
Liberdade de reunião e de expressão consta das prerrogativas da democracia. Mas é preciso haver comunicação prévia de horários e trajetos de passeatas à polícia e autoridades de trânsito. Não houve tumulto no início da manifestação de quinta no Rio, na presença na PM — a violência ocorreria no final. Cabe também à Polícia Militar saber dosar a força. A de São Paulo não soube.
As batalhas campais ocorrem enquanto a inflação está em alta e o governo Dilma, em viés de baixa na popularidade. É leviano estabelecer correlações entre os fatos, mas a coincidência coloca mais um dado no cenário político.
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