EDITORIAIS
O Brasil dormiu assustado na última quinta-feira devido às manifestações violentas em pelo menos cinco capitais, que resultaram em prédios depredados, veículos e equipamentos públicos incendiados, confrontos entre policiais e manifestantes, prisões e ferimentos. O pretexto para a maioria dos protestos é o preço das tarifas de transporte público, uma causa simpática à população, mas desvirtuada pelo vandalismo, pela presença de delinquentes infiltrados nos movimentos sociais e também, em alguns casos, pela reação desproporcional das forças policiais.
Mais do que assustado, o Brasil passa a dormir preocupado com a explosão de protestos de rua que não apenas defendem direitos legítimos de alguns setores da sociedade mas também ferem as prerrogativas constitucionais de todos – entre as quais a da segurança pública, a da propriedade privada e a de ir e vir. Como explicar a legitimidade democrática dos protestos para pessoas presas em estradas bloquea-das, sitiadas e ameaçadas pelas batalhas entre manifestantes e policiais, vendo seus veículos e estabelecimentos comerciais depredados por grupos mascarados ou desprotegidas porque as forças de segurança deixam de policiar a cidade para se concentrar nos locais do protesto?
Evidentemente, como em qualquer conflito, todos os lados devem ser ouvidos. E um olhar mais distanciado do fenômeno indica que os manifestantes não estão isolados na sua ação. Recente pesquisa do Instituto Datafolha, feita em São Paulo, demonstra que 55% dos entrevistados apoiam os protestos contra o preço das tarifas de transporte, mas 78% condenam o emprego de violência nas manifestações. Repudiam a violência de parte à parte, pois a polícia paulista, como mostram fartamente os registros jornalísticos dos fatos, também exagerou na repressão, atingindo culpados e inocentes com cassetetes, bombas de gás e balas de borracha.
Ninguém pode desejar uma situação dessas. Assim como merecem repúdio o vandalismo e as depredações, também não se pode aceitar que tropas armadas e sustentadas pelos contribuintes se voltem contra eles, sem discriminar delinquentes e cidadãos responsáveis. Talvez já esteja passando da hora de um diálogo aberto e desprendido, em que todas as partes interessadas coloquem seus argumentos e busquem soluções coletivas.
Há, porém, um fato desconcertante nessas manifestações. Elas parecem refletir muito mais um modismo orquestrado pelas redes sociais do que propriamente interesses específicos de setores realmente desassistidos da sociedade. Basta observar o perfil dos manifestantes: entre eles é muito mais fácil encontrar jovens universitários do que operários e pessoas de pouca instrução, que dependem muito mais do transporte coletivo para se deslocar de casa aos locais de trabalho. Isso não chega a ser uma deformação, pois é natural que as pessoas melhor informadas representem as minorias sem voz. O que causa perplexidade é a presença nos eventos de radicais que encobrem o rosto para depredar e mesmo de marginais com antecedentes criminais. Também é incompreensível e inaceitável o protesto imotivado, como ocorreu na última quinta-feira em Porto Alegre, onde o preço das passagens de ônibus está contido por medida judicial.
Esses delinquentes comprometem as boas intenções da maioria e boicotam a democracia. O povo brasileiro lutou pela liberdade democrática para poder protestar livremente, para poder questionar seus governantes e representantes políticos sem sofrer represálias, para contar com uma imprensa livre que possa retratar fatos e opinar sobre eles, para ter a oportunidade de equacionar seus conflitos sem se submeter a pressões econômicas, políticas ou de qualquer natureza – mas também para não viver sob a ameaça da violência, venha de onde vier.
Manifestantes que ultrapassam os limites da lei e da civilidade, assim como autoridades que chancelam a violência do Estado, são sabotadores da democracia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário