Debate sobre preço e qualidade do transporte coletivo chegou às ruas
FERNANDA GODOY
O GLOBO 17/06/13 - 7h51
O Movimento Passe Livre já conseguiu botar a questão da dignidade nos transportes públicos em debate, mostrar que a inflação está incomodando as pessoas e expor a intolerância de autoridades e de parcelas influentes da sociedade brasileira. Até pela métrica sempre exigente com a qual se cobram resultados concretos de manifestações de protesto, são resultados expressivos. Quem achou que a discussão se dava em torno de “míseros R$ 0,20” ou que seria fácil reduzir os insatisfação a “baderna” vai ter que rever seus conceitos.
O país vive, diante da eclosão deste movimento, uma perplexidade semelhante à que tomou os Estados Unidos quando teve início o fenômeno Ocupem Wall Street. Quem são essas pessoas? A que propósito servem? A que partido político estão filiadas? Quais são seus interesses ocultos? Quem é seu líder?
Políticos, policiais e jornalistas perderão tempo tentando lidar com esses movimentos da mesma forma como se fazia nos anos 70. É chocante a semelhança com a brutalidade da polícia militar de outras épocas. A presença do jornalista Elio Gaspari na passeata de quinta-feira passada deu credibilidade inquestionável ao relato do ataque da tropa de choque aos manifestantes na Rua Maria Antônia de má memória, influindo para tirar a imprensa de um trilho que também ameaçava repetir a História.
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), criticou a conduta da polícia do adversário Geraldo Alckmin (PSDB) e chamou os manifestantes para uma conversa, mas, disputas à parte, governadores e prefeitos continuam devendo uma resposta concreta aos usuários de transporte.
Não funciona dizer, como fez o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), que “essas manifestações estão tendo um caráter, um ar político que não é espontâneo da população”. Espontâneo seria um quebra-quebra no calor do anúncio do aumento. E é óbvio que essas manifestações estão tendo um caráter político, mas isso não deveria ser problema em uma sociedade democrática.
Na imprensa, na TV, nos sites aparecem críticas aos manifestantes de classe média, como se eles não pudessem ter uma posição política a favor de subsídios maiores ao transporte público, ou por uma melhor qualidade do serviço.
O subsídio integral proposto pelo Movimento Passe Livre custaria à Prefeitura de São Paulo R$ 6 bilhões anuais (de um orçamento de R$ 40 bilhões). É muito dinheiro, o que faz a proposta parecer utópica. Mas o debate sobre o preço e a qualidade dos transportes coletivos nas grandes cidades brasileiras está colocado, e é irreprimível a insatisfação de seus usuários.
A presidente Dilma Rousseff e seus marqueteiros devem estar de olho nas manifestações. Têm razões para isso. Em setembro de 2011, quando surgiu o Ocupem Wall Street, muitos duvidaram dos resultados. De fato, o protesto não atravessou o inverno nova-iorquino. Mas botou na agenda o tema da crescente desigualdade de renda nos EUA. Uma deixa que a campanha pela reeleição do presidente Barack Obama explorou com maestria contra o multimilionário candidato republicano Mitt Romney, derrotado em novembro de 2012.
Fernanda Godoy é jornalista e colunista do Globo a Mais
FERNANDA GODOY
O GLOBO 17/06/13 - 7h51
O Movimento Passe Livre já conseguiu botar a questão da dignidade nos transportes públicos em debate, mostrar que a inflação está incomodando as pessoas e expor a intolerância de autoridades e de parcelas influentes da sociedade brasileira. Até pela métrica sempre exigente com a qual se cobram resultados concretos de manifestações de protesto, são resultados expressivos. Quem achou que a discussão se dava em torno de “míseros R$ 0,20” ou que seria fácil reduzir os insatisfação a “baderna” vai ter que rever seus conceitos.
O país vive, diante da eclosão deste movimento, uma perplexidade semelhante à que tomou os Estados Unidos quando teve início o fenômeno Ocupem Wall Street. Quem são essas pessoas? A que propósito servem? A que partido político estão filiadas? Quais são seus interesses ocultos? Quem é seu líder?
Políticos, policiais e jornalistas perderão tempo tentando lidar com esses movimentos da mesma forma como se fazia nos anos 70. É chocante a semelhança com a brutalidade da polícia militar de outras épocas. A presença do jornalista Elio Gaspari na passeata de quinta-feira passada deu credibilidade inquestionável ao relato do ataque da tropa de choque aos manifestantes na Rua Maria Antônia de má memória, influindo para tirar a imprensa de um trilho que também ameaçava repetir a História.
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), criticou a conduta da polícia do adversário Geraldo Alckmin (PSDB) e chamou os manifestantes para uma conversa, mas, disputas à parte, governadores e prefeitos continuam devendo uma resposta concreta aos usuários de transporte.
Não funciona dizer, como fez o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), que “essas manifestações estão tendo um caráter, um ar político que não é espontâneo da população”. Espontâneo seria um quebra-quebra no calor do anúncio do aumento. E é óbvio que essas manifestações estão tendo um caráter político, mas isso não deveria ser problema em uma sociedade democrática.
Na imprensa, na TV, nos sites aparecem críticas aos manifestantes de classe média, como se eles não pudessem ter uma posição política a favor de subsídios maiores ao transporte público, ou por uma melhor qualidade do serviço.
O subsídio integral proposto pelo Movimento Passe Livre custaria à Prefeitura de São Paulo R$ 6 bilhões anuais (de um orçamento de R$ 40 bilhões). É muito dinheiro, o que faz a proposta parecer utópica. Mas o debate sobre o preço e a qualidade dos transportes coletivos nas grandes cidades brasileiras está colocado, e é irreprimível a insatisfação de seus usuários.
A presidente Dilma Rousseff e seus marqueteiros devem estar de olho nas manifestações. Têm razões para isso. Em setembro de 2011, quando surgiu o Ocupem Wall Street, muitos duvidaram dos resultados. De fato, o protesto não atravessou o inverno nova-iorquino. Mas botou na agenda o tema da crescente desigualdade de renda nos EUA. Uma deixa que a campanha pela reeleição do presidente Barack Obama explorou com maestria contra o multimilionário candidato republicano Mitt Romney, derrotado em novembro de 2012.
Fernanda Godoy é jornalista e colunista do Globo a Mais
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