A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

PELO MUNDO, DE NOVA YORK - UTOPIAS, LÁ E CÁ

O GLOBO, 19/06/2013

Eduardo Graça


A tentação de se fazer um paralelo entre os meninos da Zuccotti e o pessoal do Movimento Passe Livre (MPL) é grande

No mesmo dia em que centenas de milhares de brasileiros saíam às ruas para protestar “contra tudo isso que está aí”, um jovem erguia um cartaz no parque Zuccotti. Ao lado da imagem de uma mulher com curvas generosas, o desenho de uma seta era acompanhado pela frase: “New York Dolls Gentlemen’s Club, o carinho logo ali em Tribeca”, propaganda de clube de saliências da vizinha rua Murray. Havia um forte cheiro de curry no ar e os vendedores dos carrinhos de hallal food riam satisfeitos com os trocados desembolsados por um grupo de jovens com a fome do mundo. Centenas de meninos e meninas devoravam um kebab atrás do outro. Em seu sobe e desce na Broadway entoavam as letras das faixas de “Born Sinner”, o novo disco de J.Cole, sensação do hardcore rap, protegido de Jay-Z e atração da vizinha loja de discos J&R, palco de badalada tarde de autógrafos. Na Zuccotti já não há tendas, geradores de energia, violeiros mequetrefes, televisão comunitária, bandeiras coloridas, colchões de encher, cozinha comunitária, livraria improvisada, bumbo incansável. Não há sinal algum do Occupy Wall Street (OWS), alma da pequena pracinha no inesquecível outono de 2011.

A tentação de se fazer um paralelo entre os meninos da Zuccotti e o pessoal do Movimento Passe Livre (MPL) é grande. Como apontou com precisão Fernanda Godoy em coluna do Globo A Mais, vive-se hoje no Brasil perplexidade similar à que tomou os EUA há um ano e meio. Imprensa, academia, formadores de opinião, todos tentaram naqueles primeiros meses de ocupação da praça ao lado de Wall Street compreender de onde tinha surgido aquela gente e o que afinal demandavam dos governantes e da sociedade americana.

O momento econômico era ruim, o presidente disputaria uma reeleição no ano seguinte com popularidade em baixa, políticos de todas as agremiações partidárias eram vaiados e expulsos do acampamento urbano, e a inteligência criticava a falta de liderança formal e o que percebia ser a ingenuidade de uma proposta utópica sintetizada em um slogan aparentemente abrangente demais — “nós somos os 99%”. Os outros 1% eram os mais ricos, em um país cada vez mais desigual.

Exatamente como no Brasil, o protesto conquistou a maioria da opinião pública depois de a polícia reprimir com violência as primeiras marchas, cada vez mais gordas com a ajuda das redes sociais do mundo digital. Praças EUA afora passaram a ser ocupadas por uma federação de interesses. Crentes na teoria de conspiração do 11 de Setembro, futuros empresários da maconha interessados na liberação de consumo para fins recreativos, separatistas do Texas.

Mas as diferenças também começam a ficar visíveis. No caso do Occupy, os tiros disparados para todos os lados não impediram que os manifestantes interferissem de forma decisiva na pauta política americana. Os 99% jamais deixaram o primeiro plano, visual e conceitual, dos protestos. Sem eles, a disputa eleitoral entre Obama e Romney provavelmente não teria se travado em torno do fracasso das políticas de austeridade fiscal e do aumento da pobreza. O garçom responsável pelo momento considerado decisivo da campanha — a gravação e divulgação de conversa do abastado Romney em que classificava 47% da população como inúteis, viciados nas benesses do governo — se disse inspirado pela indignação do Ocupem. Hoje, em NY, o OWS trocou os cartazes de protesto pela defesa legal e humanitária das comunidades mais afetadas pelo furacão Sandy.

No Brasil, as gritas contra corrupção, PECs, pastor Feliciano e Fora Dilma nos protestos de segunda embaçam mensagem importantíssima do MPL: o transporte público que custa tanto no bolso dos cidadãos precisa ter o tal padrão Fifa. Espera-se que a classe média, o grosso dos que protestam, tome para si não apenas a defesa do direito de se manifestar sem repressão policial — a PM, que faz um papelão, passa a mensagem de que ou se reprime todo mundo ou o vandalismo está liberado — mas a cobrança implacável da melhoria dos serviços públicos, outra diferença marcante em relação à realidade dos Occupy nova-iorquinos. Estes vivem em uma cidade com sistema de transporte exemplar, administrado pelo Estado, sem o é dando que se recebe da concessão a grupos privados, financiadores de campanhas eleitorais.

O MPL, ao contrário do OWS, não nasceu de um chamamento de revista alternativa. É fruto de anos de militância não convencional e da análise de estudos na área, alguns produzidos por sábios de partidos políticos que agora criticam as mesmas propostas como distantes da realidade. No que vai dar, ainda não se sabe. Mas militantes do OWS acham graça de a tarifa zero ser tratada como brincadeira de gente irresponsável no Brasil do Bolsa Família, por eles cantado na Zuccotti em prosa e verso. Em 35 cidades dos EUA, os meninos iam para os protestos usando justamente os Passes Livres implantados com sucesso em seus municípios.



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