A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

sábado, 22 de junho de 2013

POR UMA NOVA DEMOCRACIA


ZERO HORA 22 de junho de 2013 | N° 17469

Plínio Melgaré*


Os protestos que ocorrem em nosso país evidenciam a nova face da sociedade brasileira. Uma parcela, sobretudo formada por jovens, aparentemente desorganizada, com interesses e pleitos dispersos, difusos, desconexos. Entre os manifestantes, não há uma única identidade que os defina. Há punks, ambientalistas, feministas, progressistas, conservadores, ciclistas, donos de carros, estudantes, trabalhadores, desempregados, liberais, socialistas... Enfim, uma diversificada representação da nossa população em que todas as alternativas convivem sem serem contraditadas.

Mas por que o espanto? Há muito, vivemos em uma sociedade fragmentada, que rompeu com as identidades sociais e ideológicas construídas a partir do século 18. Não se quer mais a subordinação dos indivíduos às hierarquias racionalizantes que apagam as individualidades. Àquela sociedade mecanizada, crente em um futuro determinado pelo cientificismo, se contrapõe uma sociedade que deve reconhecer as individualidades, os sentimentos e o modo de ser de cada um: uma sociedade que reconheça a pluralidade das formas de vida. Não há mais ideologias políticas que inflamem as massas. O que há é um forte sentimento de autonomia e particularização de indivíduos e de pequenos grupos que postulam consolidar as suas singularidades individuais: que desejam, enfim, afirmar o seu eu e a realização imediata de seus desejos – muitas vezes convertidos em direitos. É uma nova sociedade sem ídolos, sem tabus – e, talvez, sem um projeto coletivo histórico. Um novo mundo – aparentemente errático – em que indivíduos buscam a sua realização narcisicamente, à parte das tradicionais estruturas de poder.

Em contrapartida, como pano de fundo, encontra-se uma estrutura de poder cega, surda e muda diante dessa nova realidade. Estruturas de poder afiveladas a um modelo de democracia que pensa satisfazer as exigências sociais com base em uma representação política pífia, que desconhece – e pensa que pode isso fazer – as necessidades dos seus representados. Daí se percebem as nossas autoridades políticas – como Marias Antonietas do século 21 – dizerem que não entendem os protestos. Ora, vive-se em um sistema político afetado pela corrupção, com gastos públicos ilegítimos, em uma democracia que privilegia partidos políticos, que, repetitivos em suas práticas, há muito não dizem nada para a população – e os protestos não são entendidos?

Ao fim e ao cabo, o que sempre pareceu uma indiferença política se descortina como um profundo vínculo pelo ambiente político das nossas cidades. O que parecia um desinteresse político, retratado até mesmo pela pouca participação nos processos eleitorais, se revela, de fato, no mais profundo interesse por uma sociedade democrática, que exige ser (re)inventada.

*ADVOGADO E PROFESSOR DA FACULDADE DE DIREITO DA PUCRS E FMP

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