A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

terça-feira, 18 de junho de 2013

DA PAZ À GUERRA

ZERO HORA 18 de junho de 2013 | N° 17465


CONVULSÃO NA CAPITAL DO RS

Depois de um começo pacífico, a manifestação em Porto Alegre se transformou em batalha campal pelas ruas da Capital com depredações, violência e confronto com a polícia.

38 manifestantes presos

52 contêineres incendiados

6 ônibus depredados (um queimado)

5 feridos atendidos no HPS

Um protesto formado por uma imensa massa pacífica degringolou em batalha campal na noite de ontem, em Porto Alegre, depois de um grupo isolado de encapuzados praticar atos de vandalismo e motivar uma reação violenta da Brigada Militar.

Houve depredações, incêndios, bombas de fabricação caseira e ataques a ônibus. Também houve bombas de gás lacrimogênio, pânico, correria, choro e 38 prisões de ativistas.

A manifestação começou a se deteriorar em violência na Avenida João Pessoa. Depois de um ato bem-humorado, criativo e ordeiro em frente à prefeitura, a multidão começou uma caminhada pelas avenidas Borges de Medeiros e Salgado Filho, deixando o Centro. Nesse momento, um grupo de encapuzados, alguns portando paus, tomou a dianteira da marcha. Um rapaz de bicicleta, com uma bandeira do Brasil amarrada às costas, abordou um dos que cobriam a face:

– Até agora deu tudo certo, não é? Vê se não vai produzir prova contra ti, como na outra vez.

O conselho foi ignorado. O primeiro ato fora do tom ocorreu diante do Parque Farroupilha. Os encapuzados picharam, arrastaram e derrubaram um contêiner de coleta do lixo. A maior parte da massa, que se estendia por mais de um quilômetro dali para trás, não viu nada, mas quem estava à frente vaiou e gritou em coro:

– Sem violência! Sem violência!

Em seguida, vários dos manifestantes pacíficos reergueram o contêiner, recolocaram-no no lugar e passaram a jogar de volta para dentro os sacos de lixo despejados no asfalto. Foram aplaudidos. De pouco adiantou. O grupo de arruaceiros continuava à frente da marcha pichando paredes e derrubando contêineres.

– Tem uns que pensam que são líderes e não são – afirmou o ciclista com a bandeira às costas.

Quando o segundo contêiner foi vandalizado, chegou a haver briga entre os arruaceiros e os manifestantes que o reergueram.

– Imbecil! Tu és da polícia! – gritou uma das jovens que havia posto o contêiner abaixo.

– O que adianta isso? Só vão dar mais trabalho para os garis – respondeu um manifestante.

O primeiro prédio depredado foi uma agência do Banrisul, depois do Parque Farroupilha. De novo choveram vaias, mas o grupo interessado em tumulto continuou a destruir. Foi jogada uma bomba de fabricação caseira na sede do Departamento de Identificação, quebraram as vidraças de uma revenda Volkswagen e destruíram uma banca de revistas. O ápice das depredações ocorreu no cruzamento com a Ipiranga, quando o grupo que vinha fazendo os ataques destruiu as vidraças de uma revenda Honda e invadiu a loja, derrubando motos e móveis. Até então, a Brigada Militar acompanhava tudo à distância.

– Para, não faz isso, cara! É vandalismo – implorou uma jovem.

– Olha só. O protesto perdeu a razão aqui – disse outra, quase chorando.

– Vocês estragaram tudo! – disse uma terceira manifestante.

– Cala a tua boca – gritou um dos agressores.

Alguns integrantes do grupo que atacou a revenda de motocicletas tentou furtar capacetes de dentro da loja. Foram impedidos por outros manifestantes.

Na Ipiranga, início do confronto com a BM

A Brigada Militar só interferiu depois da destruição da revenda, às 20h30min, duas horas e meia depois do início da manifestação. O grupo que vinha à frente começou a se dirigir ao prédio da Zero Hora, a algumas centenas de metros dali, quando os policiais, vindo em sentido contrário, começaram a atirar bombas de efeito moral.

Quando a massa chegou à Ipiranga, encontrou um campo de batalha. Grande parte das pessoas não tinha noção do que havia acontecido. As explosões soaram na noite, houve correria, gente sendo perseguida pelos cavalos dos policiais, jovens chorando, sem saber para onde ir.

– Minha mãe não queria que eu viesse e não sabe que estou aqui – chorava uma garota.

– Vamos tocar o terror para lá. Aqui a Brigada já tomou – disse um dos encapuzados, correndo de volta da Ipiranga para a João Pessoa.

A partir desse momento, enquanto muitos iam embora decepcionados com o rumo do movimento, os confrontos se acirraram. A Brigada Militar foi empurrando os manifestantes pela Avenida Ipiranga, depois pela Azenha, onde houve novo confronto e quatro detenções, e em seguida pela João Pessoa, enquanto o grupo de algumas dezenas de arruaceiros depredava prédios, incendiava contêineres, quebrava sinaleiras e arrancava lixeiras e placas de trânsito.

Acantonados na João Pessoa, manifestantes levaram contêineres para o meio da rua e puseram fogo neles, para fazer barricadas.

A Brigada Militar, pouco a pouco, foi fazendo os ainda presentes recuarem por onde tinham vindo. Depois de expulsá-los da Ipiranga, foi empurrando-os pela João Pessoa, em direção ao Centro. Ao lado do Shopping João Pessoa, o grupo de depredadores começou a destruir um ônibus que havia sido abandonado no corredor. Quebraram seus vidros, picharam-no e tentaram derrubá-lo. Quando a Brigada fez menção de atacar, empurraram o veículo em direção aos soldados por uma dezena de metros. Os PMs pararam, para logo reagir com novas bombas de gás lacrimogêneo. Em fuga, o grupo isolado que tumultuou o protesto continua destruindo e pondo fogo. Uma parte entrou pela Jerônimo de Ornelas, congestionada de carros. Presos entre os fugitivos e os policias, sob o barulho de bombas e vidros quebrados, os cidadãos presos em carros e ônibus viveram momentos de pavor. Eram 22h e a cidade tinha mais de 50 contêineres de lixo em chamas, um ônibus incendiado, ruas bloqueadas e confrontos por todos os lados. Na Azenha, uma viatura da BM foi cercada. Dois policiais desceram, foram empurrados e retornaram para o carro. Ao saírem, o veículo teve vidros quebrados por pauladas.

Na dispersão do protesto, radicais, de volta ao centro, quebraram vidraças do Palácio da Justiça e tentaram invadir o Piratini e a Assembleia.

ITAMAR MELO E MARCELO MONTEIRO



ENTREVISTA. “Chegaram com paus”

Motorista do Consórcio STS, Jorge Adair da Silva foi forçado a abandonar o ônibus que dirigia na Avenida João Pessoa e viu o veículo ser destruído por cerca de 30 manifestantes:

Zero Hora – Como foi a abordagem dos manifestantes?

Jorge Adair da Silva – Estávamos só eu, o cobrador e um passageiro. E tinha um ônibus do lado, que eles liberaram. Também liberaram os carros à minha direita. Aí começaram a chegar, dois, três, com pedaços de pau. Começaram a quebrar antes de pedir para eu liberar o ônibus. Começaram por trás e quebraram uns três ou quatro vidros, para assustar. Aí chegaram na porta e bateram: “Ô, motora, abre a porta”. Eu abri e eles disseram “sai fora do ônibus, que a gente não quer machucar ninguém”. Aí eu peguei a chave e botei no bolso e saí, porque tinha medo que eles jogassem o ônibus contra o (Pelotão) Choque. Saí e fechei a porta. Aí eles vieram e abriram a porta. Depois que entrou um, foram 20 ou 30 atrás.

ZH – Eles deixaram os passageiros saír?

Silva – Sim. Só tinha um.


Tarso justifica a atuação da Brigada Militar


Com o Palácio Piratini cercado pela tropa de choque da Brigada Militar, o governador Tarso Genro falou à imprensa no final da noite de ontem. Em meio a um discurso de questionamento a todo o sistema político do país, Tarso justificou a atuação da polícia gaúcha, afirmando que a BM teve de reagir. A orientação, segundo ele, era defender a integridade física das pessoas. Segundo ele, eventuais excessos serão investigados.

– Pequena parte dos manifestantes queria a depredação. Felizmente os danos aqui, principalmente com relação a feridos, foram inferiores aos de outras capitais – resumiu o governador.

Tarso afirmou que é nítido o esvaziamento do sistema democrático, dos partidos e seus representantes.

– Centenas de milhares de jovens não se sentem representados, estão sem interlocutores. O país e suas instituições democráticas, que são fortes, devem refletir sobre isso. Faço um apelo a esses jovens: evitem a violência. Ela não possibilita que a população compreenda as causas pelas quais eles lutam.


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